A incerteza e o medo da violência em cada esquina da cidade
Invisíveis na sociedade, alvo até de xingamentos, profissionais do sexo relatam suas experiências com a violência e as incertezas da pandemia
São Luís - Em paralelo às lutas, muitas mulheres vivem em situação de vulnerabilidade social, tendo as ruas como o local onde podem ganhar o sustento. As profissionais do sexo vivem à mercê do desconhecido, preparando-se todos os dias para não saber o que vão encontrar a cada programa.
No Centro Histórico de São Luís e suas ruas com casarões centenários, profissionais do sexo fazem parte do cotidiano e, por trás do conceito de boemia que moldou o imaginário popular, naquelas ruas, silêncios e medo fazem parte da vida dessas mulheres. O Estado tentou conversar com algumas que ainda estão em atividades, mas, encontrou resistência; grande parte delas, trabalham sem que seus familiares saibam. Algumas dizem que são diaristas, mas, garantem o sustento da família por meio dos programas, que, no Centro Histórico acontecem, principalmente, durante o dia.
As únicas que tiveram coragem de falar sobre o tema, são mulheres que atuam para garantir uma rede de apoio. É o caso de Maria de Jesus Almeida Costa, conhecida como Dona Jesus, que integra o grupo Por Elas Empoderadas.
O grupo já cadastrou cerca de 100 mulheres que atuam no Centro, São Cristóvão, João de Deus, Olho d’ Água e Avenida Guajajara, e esse mapeamento serve para auxiliá-las com orientação sexual, fornecimento de preservativos e, agora, com a pandemia, busca de auxílio de sustento para aquelas famílias.
As reuniões do grupo geralmente acontecem no Bar Meu Bem, que existe há 20 anos, comandado por Socorro Sena, que assumiu o empreendimento após a morte do seu esposo, há cinco anos. O local é um espaço onde as mulheres se sentem confortáveis para definir suas ações e também local de amizade. “As meninas moram aqui perto, elas me ajudam também. Aqui eu nunca estou só. Elas sentam aqui, tomam café, a gente almoça. As meninas aparecem também, trazem os amigos, tomam uma cervejinha e a gente vai levando”, narra com bom humor e sempre utilizando a expressão que dá nome ao bar.
Dona Jesus é coordenadora da Associação das Profissionais do Sexo do Maranhão (Aprosma) e conta que a violência faz parte da vida daquelas mulheres, em diferentes formas: física, sexual e verbal. “As pessoas discriminam com a palavra, usando termos pejorativos, como a expressão filho da p... para falar que uma pessoa não vale nada. É um diálogo violento”, afirma.
Ao ser questionada sobre a violência física e sexual, Dona Jesus frisa que, geralmente ficam dentro do quarto. O silêncio das vítimas tem motivos: muitas têm medo de se expor, não tem referências para identificar o agressor e temem represálias, caso esse homem seja identificado. “Elas não sabem como encontrar esse homem depois. Há muitos casos. Outro dia um homem dopou uma menina, quase matou e depois foi embora”, conta.
Fora das ruas
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Com 43 anos, a vendedora ambulante Etiene das Mercês, deixou de ser profissional do sexo, quando tinha 39 anos. Ela também faz parte do Grupo Elas Empoderadas. Os problemas financeiros a levaram àquela situação. Ela morava com a avó, que faleceu. Sem muito dinheiro e, por intermédio de uma amiga, conheceu a Rua Oscar Frota, um dos pontos de prostituição do centro de São Luís.
O tempo que ela ficou por lá é impreciso, às vezes, diz que foram cinco anos, mas depois diz que a avó faleceu em 1998, ela engravidou, doou sua filha na porta da maternidade, quatro meses depois, uma nova gravidez, o filho ficou com uma tia e depois foi dado a uma família no interior.
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Pelas necessidades financeiras, começou a se prostituir, rompeu os laços com parentes e passou a viver no local onde trabalhava. Com o tempo, virou garçonete e nas pensões onde os programas ocorriam, limpava os quartos. “Eu saí porque já estava cansada e comecei a trabalhar como vendedora ambulante, aí pensei que não dava mais para mim, não”, lembra.
Ela afirma que nunca sofreu violência física, mas violências verbais ainda são mágoas profundas. De cliente, ela lembra de ter ouvido palavras desagradáveis apenas uma vez, mas ouvia sempre nas ruas. “Mototaxistas me chamavam de baleia. Às vezes eu via eles chamando as meninas de ‘olha lá a putinha’. A mulher não está lá porque quer, ela precisa. É um meio de sustentar a família. Eu acho isso muito feio”, observa.
Dos três filhos que teve, Etiene das Mercês diz ter contato apenas com a primeira, que mora em Brasília. No começo da conversa, ela afirmou que a criança foi doada na maternidade, depois diz que a jovem, de 22 anos, morava com a avó e hoje mora com uma tia. Os outros filhos têm 21 anos e 20 anos.
Conscientização
Apesar do silêncio das vítimas há diversas ações focadas na conscientização sobre a importância dessa denúncia. A delegada Kazumi Tanaka, titular da Delegacia Especial da Mulher (DEM) relembra algumas ações que já foram feitas em bares na região do centro.
“Enquanto rede, já fizemos algumas ações nos bares. Sempre que se tem algum evento, nós estamos participando, conscientizando”, frisa a delegada Kazumi Tanaka, que também pontua sobre o preconceito.
“Quando a pessoa quer xingar outra, usa o termo prostituta, elas são os xingamentos na boca do homem quando quer xingar uma mulher. Como se elas não fossem humanas, como se fossem subumanas e aceitando qualquer tipo de xingamento violento e desumano. Todo evento que se faz, nós sempre estamos presentes, sempre frisando que a delegacia estar de portas abertas para elas”, destaca.
Pandemia
Agora, com a pandemia do Coronavírus, quando muitas tiveram dificuldades de continuar trabalhando, diversos medos e preocupações foram instalados, como não conseguir pagar as contas, se contaminar, levar a doença para alguém querido que depende financeiramente delas.
Segundo Dona Jesus, o longo período da pandemia foi de conscientizar as associadas sobre as medidas básicas de segurança, como uso de máscaras, álcool em gel, mas há um problema. Como manter o distanciamento do cliente se o trabalho exige que ela vá para a cama com ele? “O momento é complicado, mesmo para quem não vivia em vulnerabilidade. Para elas é complicado, mesmo usando máscaras. As que precisam trabalhar não tem como manter o distanciamento desse cliente”, pontua.
Ela fala que as mulheres não recebem auxílio emergencial, muitas deixaram de trabalhar, outras precisam se arriscar. Criar uma ouvidoria para entender o drama dessas mulheres é uma das ações do Grupo Por Elas Empoderadas. “ A pandemia foi muito cruel, estamos buscando entender como elas estão, para de alguma forma tentar ajudar com cestas básicas”, observa.
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