Instalação

Clausura durante pandemia transformada em arte

Artista plástica maranhense Marlene Barros fala sobre a pandemia e as mulheres, em instalação realizada no próprio quarto

Atualizada em 11/10/2022 às 12h17
Instalação ocupa o quarto da artista (Marlene Barros arte)

São Luís - “Os Fazeres da Clausura Feminina” é o título da obra da artista plástica maranhense Marlene Barros, contemplada no Prêmio Funarte RespirArte. A instalação, que ocupou o quarto da artista, tem como pano de fundo o contexto da pandemia e a experiência de um confinamento forçado. Para que mais pessoas possam ter acesso ao trabalho, o Núcleo Atmosfera produziu um vídeo que pode ser visto no canal do Youtube e Instagram do Núcleo Atmosfera e da própria artista (link: https://www.youtube.com/watch?v=2YRH0IGX0-g).

Marlene Barros transformou o espaço interno do seu quarto em um território de pesquisa, uma espécie de laboratório caseiro, o que acabou agregando significados à obra ali desenvolvida e que aborda temas ligados à anatomia, situação social e os fazeres desenvolvidos pela mulher.

Segundo a artista, o intuito da obra é propor uma reflexão sobre os conceitos básicos do tecer e do bordar como uma forma de transpor a realidade, engendrando formas de representar fisicamente algo imaginado. “Na repetição do gesto, no entrelaçamento dos fios e na construção dos nós da trama é que se fundamenta aqui o processo criativo, inventando um ritmo que funciona como um estribilho, ao mesmo tempo que é também o centro estabilizador e calmante no meio do caos em que se processa a prática artística aqui desenvolvida”, diz Marlene Barros. Nesta entrevista, ela fala mais sobre o trabalho.

Como você conceitua o trabalho “Os Fazeres da Clausura Feminina”? Ele nasceu em meio à pandemia. Fale sobre o processo criativo e como ele se relaciona com estes tempos?
Este trabalho que surgiu a partir da experiência da clausura, dessa prisão domiciliar a que todos fomos submetidos, levados pelo isolamento social por conta da pandemia, fiquei isolada, encurralada sem poder ir no atelier, então tive que trabalhar em casa e não dispunha dos materiais de trabalho que costumava ter no atelier, então, como gosto muito de fazer crochê, comecei a tecer algumas peças seguindo um instinto quase biológico, como fazem as aranhas.

A temática feminina sempre esteve presente em sua obra. Como você analisa o processo de amadurecimento e como ele se concretiza em seu trabalho atual?
No processo de elaboração dessas peças fui levada a refletir e me questionar sobre esse fazer e porque ele está tão relacionado ao universo feminino, visto que é um trabalho que as mulheres usavam para preencher o tempo e se conformarem com o fato de viverem a situação de dominação a que foram submetidas. Domesticadas de tal maneira que nem argumentavam sobre essa situação e isso era passado de uma geração para outra, pelos ensinamentos das próprias mães. A vagina e útero acabaram por predestinar a mulher às atividades domésticas e o fato de ser fisicamente mais frágil a tornou dependente e subserviente ao homem. E provavelmente por essa razão as mulheres não conseguiram se sobressair profissionalmente durante muito tempo, principalmente as artistas ficaram apagadas da história. Não existiram mulheres consideradas gênias da arte. Como artistas não era possível ver suas obras expostas em espaços públicos como museus e galerias de arte, enquanto a figura da mulher como modelo é vista em grande número de obras pintadas, ou esculpidas por artistas homens representando principalmente o corpo feminino. Uma outra questão que me chamou atenção agora foi o fato dos fazeres ditos femininos terem ocupado um espaço importante na arte, desde meados da arte moderna e principalmente agora na arte contemporânea. O que pude perceber é que uma grande quantidade de artistas tanto mulheres quanto homens, estão se apropriando desses fazeres para elaborarem seus trabalhos, o que me leva a acreditar que esses fazeres foram trazidos para o mundo da arte, pela mulher, quando ela começa a ser reconhecida como artista, ela traz consigo os seus fazeres, que eu chamo de caixinha de pandora.

Fale sobre a dinâmica da realização do trabalho.
Neste trabalho que acabou transformando meu quarto numa espécie de laboratório caseiro, fui desenvolvendo uma trama que aos poucos foi crescendo e dominando todo o espaço do quarto que agora já é parte integrante da obra, é a carcaça, uma espécie de pele, um casulo que comporta todos esses órgãos internos de um corpo fictício, composto por peças que nos remetem aos órgãos humano, mas principalmente aos órgãos ligados às questões que envolvem o feminino, resultando no surgimento de uma obra de arte, que aborda principalmente temas ligados à história, a anatomia e aos fazeres femininos, composta com esculturas elaboradas em crochê feito de fio natural sem cor, aquele fio usado para amarrar embrulhos em mercearias e marcados, o que representa bem a situação de algumas mulheres que acaba passando despercebida, invisível aos olhos dos que não querem ver, o que nos leva a concluir que: o corriqueiro acaba se tornando natural. Algumas peças são inspiradas em obras de outras artistas como as esculturas de Louise Bourgeois e as instalações de Annette Messager, as tramas feitas com linha da japonesa Chiharu Shiota, os bordados de Rosana Paulino e do próprio Bispo do Rosário. Mas o que dá maior força e sentido para esse trabalho não é o fato de eu estar falando de um determinado assunto que aqui no caso é a clausura, mas o fato de estar passando, vivenciando a situação de enclausurada em uma situação real.

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