Da Irmandade à relação com o poder público: os dois séculos da Santa Casa de Misericórdia
Construído em meados do século XIX, atualmente a unidade de assistência em saúde sofre com a ausência de auxílio de abnegados
A história da Santa Casa de Misericórdia, situada no Centro da cidade, remonta os tempos coloniais e de transição de poder no país. Conforme citado pela brilhante professora Maria de Lourdes Lauaude Lacroix, em sua primorosa obra “História da Medicina em São Luís”, a abertura da unidade faz alusão a fatos oriundos do século XV. Para entender a realidade atual, é preciso estar ciente do que acontecera no mundo neste período.
Segundo relatos de pesquisadores, a fundação da primeira Santa Casa é de 1498, a partir da iniciativa da então rainha Leonor de Lancaster, que ocupava interinamente o reinado de Portugal.
Até então, a unidade erguida em terras lusas teve como direção pessoas abastadas e que fundavam irmandades para a administração do local. Após a iniciativa, foram registradas outras fundações semelhantes em países como a Índia, China, Japão e África.
Em meados da primeira metade do século XVII, já com a realidade colonial de São Luís, houve um movimento para a organização da primeira Irmandade da Misericórdia. Seria uma espécie de grupo de representantes católicos como a missão, como diria Lacroix, de “assistir a doentes desvalidos, numa prática mista entre procedimentos médicos e princípios religiosos ditados pelo Evangelho”, ou seja, o de curar enfermos e servir como canal de auxílio para os pobres.
Apesar da boa iniciativa e da missão de assistir aos mais necessitados, preliminarmente o auxílio era de maneira domiciliar, com visitas aos pacientes. O tratamento mesclava a presença de conhecimentos empíricos e “superstições” herdadas da população lusitana que, com suas convicções a partir de ciência “irracional”, tratava doentes em imóveis de particulares.
A demanda de pacientes era tal, em determinado momento ainda do século XVII, que a Irmandade da Misericórdia, que gera em seguida o núcleo assistencial de saúde de mesmo nome, torna-se uma fundamental tratadora de doentes, chegando a financiar assistências e permanências em unidades hospitalares existentes até então por conta própria.
De acordo com Lacroix, “consta da contabilidade da Irmandade no período diversas cifras” para medicamentos a presos, despesas com curativo de pobres no Hospital Militar, além de “ressarcimento por curativos de pobres e enfermos com lepra” e esmolas para desvalidos, de modo geral.
A concepção da criação do hospital: o espaço próprio da Irmandade
No início do século XIX, os organizadores da Irmandade decidiram construir o próprio hospital. Gastos excessivos e, principalmente, um espaço único para assistência dos pacientes geraram esta necessidade.
Ainda de acordo com César Augusto Marques em alguns dos seus registros de pesquisa, uma das primeiras providências foi a disponibilização de um terreno, que seria situado entre as ruas do Norte e Passeio.
Até meados de 1811, a unidade de assistência hospitalar mantida por militares foi responsável pelo recebimento dos pacientes que, em sua maioria, preferiam assistência única em suas residências.
De acordo com Lourdes Lacroix, entregue em 1815, o Hospital de São José da Santa Casa de Misericórdia contava com médicos, dentre eles, de acordo com jornais da época, “um médico não muito cuidadoso com seus deveres”, além de outros colaboradores.
Como a construção ainda contava com número ínfimo de leitos, nos dois anos subsequentes à entrega, o hospital registrava baixo quantitativo de pacientes, em comparação àqueles assistidos em suas residências.
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A consolidação da Santa Casa como referência no atendimento à saúde
Ainda de acordo com a obra acerca dos fatos marcantes da história médica na capital maranhense, o terreno em que fora edificada a unidade de saúde percorria praticamente uma "quadra inteira".
Com a crescente demanda de pacientes, ainda no século XIX, em pouco tempo, a Irmandade ampliou as instalações da unidade, incluindo uma capela e estrutura condizente com o tabernáculo, conforme citado na Bíblia. A construção religiosa é vista até os dias atuais na parte interna da Santa Casa. O Estado teve acesso e constatou que a unidade católica preserva elementos que remontam aos séculos de existência de realização de celebrações e outras atividades.
Voltando no tempo, nos primeiros anos de funcionamento da Santa Casa, o andar inicial fora reservado aos doentes e, de acordo com Lauande Lacroix, a parte “térrea esteve destinada para outros fins”. Até a segunda metade do século XIX, o prédio da Santa Casa tornou-se um dos mais imponentes de São Luís.
Nas proximidades do século XX, a direção da província encaminhou membros do Governo para a Itália, com a meta de estreitar relações com a direção da congregação cuja ligação era notória com os responsáveis pela Santa Casa.
O contato foi entre o Governo local e as Irmãs Filhas de Santana, da cidade de Placência, na Itália. Em relação às condições do prédio, a descrição era de excelência. Destacavam-se os espaçosos corredores, com paredes em tons claros, além de roupas limpas e funcionários de excelência.
Ainda de acordo com a obra “História da Medicina em São Luís”, a Santa Casa contou com a dedicação de religiosas até o fim da década de 1980, ou seja, na segunda metade do século XX. Trata-se da colaboração da Madre Superiora, Irmã Umbelina, auxiliada pela freira Maria das Dores e outras, como Dayse Feques.
No período citado, a participação das irmãs diminuiu de forma considerável, pela idade elevada das representantes religiosas. Antes da “desistência” das irmãs católicas, a Santa Casa lutou para se manter.
A “democracia” da Santa Casa
Detalhe histórico e jornalístico, a partir de pesquisa de O Estado, evidencia o aspecto democrático em muitas décadas que nortearam a administração da Santa Casa. Registro do jornal “O Combate” aponta que no dia 6 de fevereiro de 1928, foi convocada a eleição dos membros da Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia.
Na ocasião, o artigo 13 do “Compromisso” que regia a instituição indica o processo, que apontaria os próximos gestores no período entre 19 de março de 1928 e 19 de março de 1931. A eleição foi marcada para às 9h da manhã na própria Santa Casa e cada convocado votaria em nomes para os cargos de provedor, vice-provedor, secretário, tesoureiro e procurador-geral.
Ainda de acordo com o informe no periódico, seriam “suplentes de procurador e secretário” os menos votados para os respectivos cargos. Segundo a reportagem, “não poderia votar nem ser votado o irmão que até o dia 27 do mês corrente não tivesse quite com a anuidade relativa ao ano de 1927”. O registro é assinado pelo então provedor da instituição, José João de Sousa.
No entanto, além do aspecto democrático, outro fator marca a história da Santa Casa: a busca por doações.
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