Coragem é necessário

Nunca é tarde para ansiosos e impulsivos procurarem ajuda

Independentemente de quando surjam os sinais de comportamentos inadequados ou instabilidade emocional, deve-se procurar ajuda especializada

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h19

[e-s001]São Luís - O comportamento do ser humano é ditado por vários fatores. Um deles, em especial, se trata da configuração externa, ou seja, do contexto no entorno do indivíduo. Dependendo das condições, o cidadão é influenciado positiva ou negativamente.

Em período de crise epidemiológica em todo o planeta, causado pelo coronavírus, a influência dos fatos nas características pessoais é ainda maior. Para quem for mais frágil psicologicamente, esse período da história pode ser o limiar entre estar ou não ansioso.

O perfil ligado à ansiedade gera consequências negativas (impaciência, dificuldade de lidar com os próprios problemas, falta de concentração para tarefas simples e outras) e, em alguns casos, pode levar a outros quadros ainda mais graves. Especialistas defendem que a depressão nada mais é do que uma “ansiedade mal avaliada e combatida”.

Entender os casos, ou seja, pessoas que passaram ou passam por este mal, é o primeiro passo para começar a se libertar e a viver de forma mais tranquila. É importante ainda entender que a busca por um acompanhamento especializado é um passo inevitável. E nunca é tarde para procurá-lo.

“Esse comportamento sempre estará comigo e é preciso aprender a lidar”

Em 2011, o jornalista e professor universitário, Ricardo Alvarenga, teve a primeira crise depressiva. O suporte familiar, como em todos os casos bem-sucedidos de recuperação, foi fundamental para a busca por um psicólogo.

Desde então, Ricardo Alvarenga precisa lidar com um “gigante”. É desta forma que o mesmo define o fato de lidar diariamente com o controle da ansiedade e depressão. E em tempos de pandemia, segundo ele, em que as pessoas estão mais distantes por questões de saúde, lidar com essas limitações tem sido mais difícil.

“Nós aprendemos a lidar com elas e cada pessoa vai conseguindo ao longo do percurso da sua trajetória, descobrir algumas alternativas para que essas crises não retornem, ou que pelo menos não sejam tão fortes e nem impactem de maneira tão grave em nossas vidas”, frisou ele.

Quando descobriu os primeiros sinais de depressão, o jornalista se sentiu constrangido e coagido por, segundo ele, uma sociedade cujas características não eram compatíveis com o reconhecimento e respeito de tal comportamento. “Lembro bem que no início de tudo, lá em 2011, eu tinha um certo constrangimento em dizer que estava com depressão, pois não sabia como as outras pessoas iriam me enxergar e se isso mudaria a forma como elas perceberiam quem eu sou”, afirmou o professor universitário.

Desde então, ele busca acompanhamento profissional. “Tenho buscado apoio em outras formas de terapia, como a aromaterapia, fisioterapia e acupuntura. E tudo isso tem me ajudado a lidar com as sensações”, afirmou.

Compartilhamento necessário
Ricardo Alvarenga decidiu, também, contar a sua história em lives e hoje tem parceria com a também jornalista Nívia Lins, no projeto “Papo de Domingo”. “Compartilhar a minha história é uma tentativa de naturalizar de algum modo o diálogo e a conversa sobre essas duas questões, que são muito presentes em nossa sociedade, mas que recebem pouco espaço, justamente pelo medo que as pessoas têm de serem mal interpretadas”, disse.

Transpirar é necessário
O jornalista cita a importância de atividade física para o controle autodepressivo. “Transpirar de alguma maneira é muito importante para garantir que você não fique no estado de letargia e paralisia, que muitas vezes essas doenças acabam nos colocando. Ao longo do tempo, cada pessoa vai desenvolvendo técnicas e descobrindo maneiras próprias que ajudam a fugir das crises”, afirmou.

“Não consigo ainda parar de comprar, e na pandemia só piorou”
Os quadros de ansiedade e impulsão comportamental podem agravar comportamentos pré-existentes em sua maioria, como a compulsão por comprar itens, em especial, que não estão enquadrados no rol dos artigos necessários. O comportamento que atinge 3% da população mundial – chamado de oniomania - é comum entre o perfil mais jovem. Foi o que aconteceu com a estudante L.R.A., de 21 anos.

A estudante decidiu preservar a identidade e, ao mesmo tempo, expor a sua história de vida. Os primeiros sinais de pessoa ansiosa vieram aos 8 anos. “Meus pais não sabiam o que fazer”, disse.

Na adolescência, as características se agravaram. Além da reclusão, os gastos em excesso foram a “fuga” necessária para as dificuldades de interação social (problemas em fazer amigos) e familiares. “Primeiramente, comprava itens ligados ao vestuário. Peças que não precisava, pois já tinha muitas. Depois, o perfil ia mudando”, afirmou.

Há alguns anos, a família estimulou a busca por ajuda psicológica. No entanto, com a permanência no ambiente domiciliar causada pela pandemia, a tendência obsessiva por compras cresceu. “Atualmente, estou no momento de compras de itens de maquiagem. Há produtos que compro somente para sentir o cheiro de coisa nova. Depois, nem chego a usar”, disse.

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A luta para não ficar mais ansioso com o isolamento e a pandemia

A assistência profissional ainda não atingiu os resultados necessários. Segundo especialistas, no caso da jovem, houve demora na busca de refúgio. “Tenho esperança de que vou sair dessa, de que vou ocupar minha cabeça com outras coisas. Preciso me livrar desta ansiedade e dessa vontade de comprar que não passa”, afirmou L.R.A.

Alcoolismo e tabagismo são tendências na pandemia
Certas pessoas já possuem tendências aos vícios como o alcoolismo e tabagismo, podem se deixar levar quando se sentem sozinhas ou isoladas. Em tempos de pandemia, o estopim para despertar maus hábitos ligados à bebida e ao cigarro é ainda mais frequente. “Desde que começou a pandemia, fiquei mais tempo em casa e passei a beber praticamente todos os dias”, disse C.B., de 34 anos, separado e atualmente morando sozinho em São Luís, trabalhando em homeoffice.

Segundo ele, o fato de não poder exercer suas atividades sociais piorou o problema. Este é apenas um exemplo de consequências geradas pela pandemia. O psicólogo Artel Mafra disse que o isolamento social disparou certos hábitos que estavam adormecidos. “Geralmente, a bebida e o cigarro formam uma dupla quase que inseparável. E em tempo de pandemia, a situação se agrava”, disse.

Dados da Fiocruz apontam que, no caso do tabagismo, o número de pessoas que elevaram o consumo de maços de cigarro diários aumentou 28% no país. O especialista aponta ainda que a sensação de isolamento e insegurança em que vivemos, além da falta de interação entre as pessoas, desencadeiam estes hábitos.

“A nossa cultura é muito ligada em abraços, beijos, apertos de mãos e outros costumes. Com essa insegurança que vivenciamos devido à pandemia, os contatos físicos passaram a não ser recomendados pela prudência, em relação ao contágio o que causa um sentimento de isolamento e prisão, que levando as pessoas apresentarem comportamentos mais graves”, afirmou Mafra.

[e-s001]ABRINDO O JOGO - Jhessica Monteiro

“É possível viver de forma saudável consigo mesmo na quarenta”

A O Estado, a psicóloga Jhessica Monteiro disse que, mesmo em tempos de quarenta e isolamento social, é possível viver de forma saudável. Para a profissional, a busca por um amparo psicológico não deve ocorrer somente quando os primeiros comportamentos “anormais” surgirem. Para a psicóloga, recorrer aos cuidados deste campo do conhecimento não pode ser considerado apenas por quem se autointitula “doente”, ou precisando de tratamento.

Com o distanciamento social e a impossibilidade de interação física entre as pessoas, aumentam as chances de comportamentos ligados à ansiedade?

Sim. A ansiedade e a depressão, de modo geral, são quadros que podem ser desenvolvidos pela diminuição de atividades que são significativas para a pessoa. Assim, o momento de distanciamento social, que reduz significativamente nossas atividades, somado à própria adversidade do momento (medo do adoecimento, perdas, atritos sociais e/ou familiares, notícias ruins e outros fatores que por si só podem gerar sintomas depressivos) pode sim ser um momento propício para o desenvolvimento desses quadros. Essa questão, entretanto, não deve ser motivo para justificar o retorno às atividades de forma indiscriminada. É possível desenvolver ações de autocuidado e fortalecer nossas redes de apoio para conviver de forma saudável na quarentena.

De que forma a ansiedade pode gerar a depressão?

A ansiedade, mesmo que não seja em um quadro diagnosticado, pode gradualmente contribuir para que deixemos de fazer o que é importante para nós. Com essa rejeição, podemos deixar de fazer atividades prazerosas, significativas, e nos engajamos em comportamento de ainda mais isolamento, preocupações generalizadas e de pouco autocuidado efetivo. Assim, diminuímos nosso contato com situações que melhoram o nosso humor e contribuem com a qualidade da nossa vida. Esse contexto pode, portanto, levar à desesperança, apatia, desmotivação e outros sintomas que configuram o quadro depressivo.

A piora em relação a outros comportamentos, como comprar de forma impulsiva e sem controle, alcoolismo e hábito do fumo, podem estar de fato ligados à pandemia?

Sim, as atividades que temos na nossa rotina fora da quarentena podem nos ajudar a lidar com as nossas emoções. Entretanto, agora temos limite de ambiente, tempo e pessoas para o nosso lazer. Isso pode fazer com que o indivíduo se engaje em comportamentos prazerosos que ele consegue manejar sozinho. Nisso se enquadra a bebida, o fumo, a compulsão por compras, comida, automedicação, uso excessivo de tecnologia e outros atos. Mas esse não precisa ser o caminho e quem se observar com esses comportamentos deve procurar ajuda.

Em que momento é recomendado procurar ajuda especializada?

Eu costumo dizer que terapia é algo que todos devemos buscar sempre. Muitas vezes pensamos que a terapia é apenas para pessoas que estão com problemas sérios, quando, na verdade, podemos prevenir que esses problemas apareçam e se fortaleçam através do autoconhecimento e desenvolvimento de habilidades. Entretanto, assim como o acompanhamento médico, pode se tornar urgente quando há alguma fratura ou um infarto, por exemplo, a psicoterapia torna-se indispensável quando nossas dificuldades começam a interferir na nossa rotina.
Quando falamos de pandemia, uma pesquisa feita no Brasil apontou que os casos de depressão e ansiedade duplicaram na quarentena, mas as pessoas que já faziam terapia anteriormente ou se mantém fazendo regularmente tinha menos probabilidade de desenvolver esses quadros que as pessoas que não faziam ou faziam apenas esporadicamente. Portanto, pela peculiaridade do momento que estamos vivendo, é fundamental que busquemos suporte psicológico para lidar com nossas emoções e evitar o surgimento de sintomas depressivos ou ansiosos, seja durante a pandemia, seja depois dela.

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