Especial

Lado pitoresco: os apuros, as histórias cômicas e o dia a dia da “praça”

Valorizando uma das funções mais nobres e populares do cotidiano das grandes cidades, O Estado foi à “praça” ouvir outras histórias de quem transporta passageiros em São Luís

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h25

[e-s001]A rotina de taxistas e motoristas de aplicativos nas gran­des cidades, incluindo São Luís, não é marcada somente pelo ir e vir dos passageiros e pelo enfrentamento, dependendo do horário, dos terríveis engarrafamentos. É também povoada de histórias simples, do dia a dia, que ajudam a tornar a função das mais desafiadoras dos tempos atuais, não somente pela concorrência como por riscos enfrentados.

Transportar pessoas em táxis ou veículos próprios, via aplicativos, não é sinônimo somente de riscos. É também uma oportunidade de ajudá-las, de lidar com medos, de se deparar com algumas “não tão confiáveis” assim. É ainda uma possibilidade de ampliar a rede de contatos, de preservar e ouvir histórias. Histórias essas que não são de pescador! É o que garantem os próprios que as viveram.

Antes de ouvir as maravilhosas e trágicas histórias de quem lida com passageiros diariamente, é preciso entender de onde surgiu a função de taxista. Segundo a versão oficial, os primeiros táxis motorizados apareceram no mundo ainda no fim do século XIX, em uma cidade alemã chamada Sttutgart. Com o passar dos anos, vendo os benefícios da função, surgiram em meados da década de 1920 os primeiros taxímetros, para controle e cobrança do cliente.

O surgimento dos primeiros taxímetros sucedeu a popularização do hábito - ainda na Primeira Guerra Mundial (entre os anos de 1914 e 1918) - de pintar o veículo com esquema de cores diferentes e, ao mes­mo tempo, com o intuito de criar uma padronização para quem oferece o serviço. No Brasil, aos poucos o serviço foi também se tornando popular, com a aplicação de incentivos pelo poder público para dar mais autonomia aos profissionais e, assim, estimular a concorrência.

A profissão dos taxistas é considerada nobre e fundamental para o contexto moderno, em que muitas pessoas, para otimizar o tempo e evitar o estresse do trânsito, recorrem aos valorosos profissionais do volante.

Do impacto à consolidação
A função de “motorista de aplicativo” é mais recente e data aproximadamente do início da década de 2010, com o aparecimento de empresas especializadas no ramo, co­mo Uber, 99 e Cabify. Com a ideia de trazer à tona o segmento de empresas de “motoristas particulares”, estas e outras marcadas ganharam rapidamente popularidade no mundo por suas praticidades e qualidade no serviço, de acordo com os clientes mais exigentes.

No Brasil, o impacto inicial dos aplicativos criou um verdadeiro impasse com os taxistas. Aos poucos, as principais cidades brasileiras criaram dispositivos legais para “proteger” estes profissionais e, desta for­ma, garantir a legalidade. Em São Luís, a regulamentação dos serviços de transporte de passageiros via aplicativo foi chancelada em fevereiro deste ano. De acordo com a decisão, aprovada na Câmara Municipal, não haverá limitação no número de veículos que poderão oferecer o serviço.

Histórias de motoristas e não de pescadores
Há aquela velha e batida expressão popular, de que quem conta fatos não tão verdadeiros estaria no grupo de quem “conta história de pescador”. No caso de quem é motorista ou condutor de passageiros, suas histórias são, em sua maioria, dotadas de elementos que nos levam a concluir que quase 100% são verdadeiras. Apenas aquelas, digamos, mais “sobrenaturais” são mais difíceis de acreditar, mas o motorista conta de uma maneira que fica difícil não crer que aconteceram.

As principais histórias são de caráter cômico, trágico e macabro. Há ainda o lado humanitário, pitoresco... e por aí vai.
Várias das histórias a seguir são verídicas - pelo menos garante quem as contou - e estão catalogadas no exemplar “Histórias de Taxista”, de Raimundo Renato Medeiros da Silva. Profissional do ramo há 25 anos, ele (que já passou por poucas e boas) decidiu contar parte das histórias vividas por ele e seus colegas. Outras foram contadas por taxistas que se reúnem no ponto de táxi de mais de seis décadas no Centro. Até roda de conversa para contar história tem.

[e-s001]Tem “xexo” de tudo que é jeito
Para quem não sabe, entre os taxistas, em especial, - e aqueles mais antigos - o termo “xexo” é sinônimo de calote. E vários dos que circulam nas ruas e avenidas da capital maranhense já passaram por um. Há quem conte (melhor não saber quem é o autor da “pérola”) que um belo dia, na década de 1980, dois jovens chegaram bem vestidos, a um ponto de São Luís.
Eles queriam fazer uma viagem para Codó (distante 305 quilômetros da capital maranhense) e, com educação, houve o acerto do valor (R$ 500, no valor convertido).

Durante o percurso, tudo bem. Ao chegar à cidade do interior, os jovens, de forma elegante, entregaram ao taxista um cheque com o saldo negociado. Em seguida, se mandaram. Para a “surpresa” do dono do volante, o cheque não ti­nha fundos. “Nunca mais aceitei cheques na vida”, disse a vítima, que preferiu não se identificar.

Outro “xexo” foi de um senhorzinho taxista, que até hoje se lamenta pelo golpe. Segundo ele, durante uma noite como outra qualquer, um casal pediu corrida em direção a um motel. Chegando lá, o taxista recebeu a seguinte orientação: “Venha nos apanhar daqui a duas horas”. O taxista, sem desconfiar e pedir qualquer adiantamento, topou na hora, até para dar privacidade ao aparente casal apaixonado.

Na volta, o taxista não somente se deparou com a porta do motel como não viu “nem a sombra” dos golpistas, que se mandaram. “Vai ver que ainda fizeram amor e aproveitaram para me dar um golpe”, disse o taxista anônimo e revoltado até hoje, após anos do fato.

O falso passageiro
Outra história maravilhosa e contada com orgulho por valorosos profissionais do volante da cidade é do passageiro “imaginário”. A autoria é da década de 1980 e começou no ponto conhecido por muitos na cidade ao lado da rodoviária velha, na Alemanha. Conta o autor que um taxista famoso, chamado “Zulu”, estava dormindo dentro de seu táxi.

Os amigos de Zulu, sem ter o que fazer, pegaram um boneco - um “Judas” - e colocaram no banco da frente do veículo. Além disso, meterem um chapéu no tal boneco, para parecer ainda mais real. Para completar a zoeira, os amigos de Zulu deram um berro e acordaram o tal taxista, que, agoniado e achando que tinha um passageiro de verdade ao lado dele, não pensou duas vezes: ligou o carro e se mandou para o Ipase, onde os amigos disseram que o “passageiro” queria ir.
Zulu, muito simpático, no caminho da viagem, decidiu tentar conversar com o passageiro. Ao perceber que o mesmo não falava nada, decidiu tocar no boneco. Ao perceber a brincadeira, Zulu ficou uma fera.

[e-s001]A mulher que “matou no peito o preconceito”
Uma das mais marcantes da coletânea de histórias é a de dona Vergândia Pinto. Dona de casa a vida toda, ela decidiu marcar sua história. Pe­gou um carro e passou a oferecer serviços de transporte de passageiros. Um dia, um homem estacionou o veículo ao lado do dela e perguntou: “A senhora tem certeza que quer dirigir? Seu lugar é em casa!”.

Em vez de devolver a “gentileza” com a mesma moeda, a agora taxista surpreendeu. “Simplesmente disse que era sim dona de casa, com muito orgulhoso, e que nada me impedia de dirigir”, disse.

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A marcha-ré do desconto
Outra história engraçada envolvendo taxistas é de José Reis. Ele estava na praia - em um dia da década de 1980 - em frente ao Bar Real, à espera de um passageiro quando se aproximou um homem, um cidadão, perguntando se o taxista estava livre. O mes­mo respondeu que sim e os dois seguiram rumo à Vila Fialho.

No trajeto, José Reis percebeu que o passageiro ao lado estava meio alcoolizado e, sem ter o que fazer, dormiu no caminho. Ao chegar próximo do destino, José Reis tocou no passageiro e perguntou onde era sua casa. Após várias ruas, idas e vindas, chegaram à residência. José Reis informou que a corrida tinha dado R$ 15,00, no dinheiro da época.

Pois o passageiro tirou dez reais e disse: “Dá marcha-ré para descontar os cinco reais”. O taxista Reis, um homem de paz, fingiu que não ouviu, pegou o dinheiro e mandou o passageiro ir embora e nunca mais voltar.

Quando os caranguejos quiseram ser passageiros
Taxista que se preze também não vive trabalhando. O atual presidente do Sindicato dos Taxistas de São Luís, Renato Medeiros, tem uma história interessante. Ele e alguns amigos foram “dar um rolé” em Rosário há alguns anos. Um colega, que não teve o nome revelado, foi em um Opala. No caminho de volta, esse amigo comprou um cofo cheio de caranguejo. Satisfeito, o taxista os colocou no porta-malas do tal Opala.

Ao chegar a São Luís, para a surpresa de todos, o cofo furou. Os caranguejos se espalharam dentro do porta-malas e conseguiram ir para dentro do carro. “Até pegar esses bichos todos, meu amigo, foi uma novela”, conta Medeiros.

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A passageira desonesta
O cotidiano dos taxistas em geral não registra somente histórias de cunho irônico. Em várias oportunidades, é possível ver momentos em que os motoristas não “têm muito o que fazer”. Um destes fatos aconteceu com o famoso taxista “Zé do Bandeira Um”. Ele pegou há alguns anos uma corrida com uma jovem no Angelim. Ela pediu para deixá-la na Cidade
Operária, sob a ordem de buscá-la mais tarde.

Ao receber a ligação da passageira, “Zé do Bandeira Um” se encaminhou para a Operária. Em seguida, a jovem acertou uma viagem para Barreirinhas, pagando antecipadamente e ainda com “aquela gordurinha” no preço. Ao chegarem ao interior, Zé foi deixar a jovem no centro da cidade. Em seguida, a jovem deu a seguinte ordem para Zé: “Pegue esse dinheiro, se hospede em um hotel aqui e me espere”.

Seu Zé, com medo de “fazer parte de alguma operação ilícita”, pensou em se mandar. Mas a honestidade falou mais alto, já que a jovem sempre pagava antes do serviço. No dia seguinte, seu Zé e a tal jovem voltaram para São Luís, onde a deixou no Angelim.

Depois de um mês, um homem chegou ao ponto de táxi de seu Zé contando uma história triste: que a sua filha pegou o dinheiro da venda da casa da família e gastou todinho. Seu Zé, fuçador que é, perguntou a descrição física da jovem. As características bateram com a tal jovem de Barreirinhas.

Foi aí que o taxista entendeu que a jovem pegou o dinheiro, gastou todo e ainda foi passear em Barreirinhas.

A assombração no táxi
Dizem que assombração não existe. Mas o que dizer de uma história - contada como verdadeira pelo autor - e que aconteceu há alguns anos na cidade? Perto da meia-noite, um taxista - cujo nome não é citado - embarcou uma passageira em seu veículo nas proximidades do atual Liceu Maranhense. O dono da conversa disse a O Estado que a passageira estava toda vestida de branco e pedindo apenas para atravessar do Centro para o São Francisco.

Em um determinado trecho da Ponte do São Francisco, o taxista - precavido - decidiu olhar pelo retrovisor para a passageira. “Para a minha surpresa, cadê a passageira? Não estava mais lá”, disse. Assustado, o taxista voltou para o ponto em que havia embarcado a tal mulher de branco. “Ninguém viu mulher de branco por aqui”, disseram os outros colegas taxistas.
Onde será que foi parar a mulher de branco?

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