Construções históricas

“Castelo neoclássico” e a beleza arquitetônica: as principais quintas

Construções surgiram, aos poucos, em vários pontos da capital maranhense, com o passar dos anos; alguns se destacaram, como a Quinta do Bessa, das Laranjeiras e do Diamante; duas ainda mantêm características originais, porém desgastadas

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h27

[e-s001]Em meados do século XIX – especialmente na segunda metade –, São Luís passava por um processo claro de transformação, ou seja, migrava da economia essencialmente agrária para uma sociedade voltada inicialmente para as atividades industriais. Apesar da derrocada do projeto de construção de grandes unidades de transformação, em especial, têxteis, famílias consideradas privilegiadas financeiramente conseguiram – por iniciativa própria – consolidar as construções que, por seus aspectos de pujança, chamavam a atenção da configuração urbana ludovicense.

As chamadas quintas - denominadas desta maneira por influência da sociedade lusitana – eram primariamente chamadas de extravagantes, por seus altos números de compartimentos e especifidades arquitetônicas (detalhes de pisos e ornamentações). Após certo tempo de instalação, passaram a deixar de ser estruturas voltadas para o lazer e conforto das famílias para se constituir como locais de recebimento e, principalmente, de abastecimento de pessoas que ainda tentavam sobreviver em um cenário social desfavorável.

Em São Luís, várias delas marcaram a configuração urbana ludovicense. Algumas delas são mais do que conhecidas atualmente do grande público, como a Quinta do Diamante. Outras estão marcadas na história. São objetos de estudo de pesquisadores, porém não conhecidas do grande público, em especial as quintas do Bessa e das Laranjeiras. A Quinta do Diamante, por exemplo, de acordo com informações de Ananias Martins – autor de “São Luís: Fundamentos do Patrimônio Cultural” –, abrangia, dentre outras áreas, a atual Igreja dos Remédios, no Centro. “Atrás dela, havia uma senzala, onde ficavam os escravos”, relatou.


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Na Quinta do Diamante, vários grupos sobreviviam de diversas práticas. De acordo com pesquisas de Ananias Martins, a reserva do Diamante – atrás da antiga sede da Superintendência de Homicídios – também fazia parte do espaço. “Era uma quinta muito grande. E uma das mais conhecidas e importantes da cidade”, frisou.

A formação das chamadas quintas em vários pontos da capital maranhense consolidou a mudança na própria configuração urbana da cidade. Este aspecto é retratado por Ananias Martins em sua obra, quando ele apresenta a planta – feita por José Ribeiro do Amaral – de 1844, com pontos até então conhecidos, como o Porto da Madre Deus, a Praça do Mercado, a Praça do Comércio (atual Praia Grande), o Cais da Sagração, entre outros. “Era um momento histórico em que a cidade de São Luís se abria também para produtos vindos através das grandes navegações”, frisou o historiador.

[e-s001]A fonte desconhecida
Ainda de acordo com o historiador Ananias Martins, na Quinta do Diamante, havia a chamada Fonte do Mamoim. Segundo ele, era a partir dela que as pessoas que viviam na antiga Quinta do Diamante extraíam água. “Era uma fonte muito famosa e com grande capacidade de fornecimento de água”, disse. Por ora, não há dados precisos sobre o local exato da fonte. “Faltaram a preservação e a preocupação em manter essa estrutura viva”, disse Ananias a O Estado.

Sem registros
Ainda segundo historiadores, não há atualmente nenhum registro identificando a área onde funcionou a Quinta do Diamante. O que se sabe, segundo pesquisadores, é que se tratava de uma das maiores quintas já registradas.

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O “orgulho” de Amaranto
Construída a partir da iniciativa do senhor Amaranto Bessa – rico senhor e proprietário de vários imóveis - e de sua família, a Quinta do Bessa (situada no Centro) abrangia, além de um suntuoso imóvel, outras propriedades. De acordo com Antônio Guimarães, na quinta funcionava um sistema de aluguel de estábulo para animais e uma vacaria, que fornecia leite para grande parte dos ludovicenses. “Era muito mais do que uma área de lazer ou entretenimento. Fazia parte do contexto
histórico da cidade e havia uma preocupação clara em se tirar lucro daquela estrutura toda”, frisou Guimarães.

Ainda de acordo com a história oficial, Amaranto Bessa foi servidor do Estado e trabalhou como tesoureiro. Quanto à estrutura interna, o chalé (outra denominação aceita para a quinta) era arejada e bem conservada por seus responsáveis. Em algumas partes, continha pinturas de artistas famosos e mobílias feitas por mestres carpinteiros. “Era uma estrutura que chamava a atenção pelo tamanho e o zelo no cuidado. Além disso, cada vez mais pessoas dependiam daquela estrutura, o que proporcionou às quintas permanecerem por um tempo no cotidiano da cidade”, afirmou.

Apesar dos traços neoclássicos, a Quinta do Bessa foi doada no século XX para a União Maranhense dos Estudantes Secundaristas (Umes) para servir como escritório da entidade e morada dos alunos de ensino médio vindos especialmente do interior do estado. “Dali, a construção tomou outra proporção e a quinta perdeu sua utilidade, já que outras moradias surgiram no entorno”, frisou Guimarães.

Com a edição do Ato Institucional número 5, em 13 de dezembro de 1968, pelo então presidente, o General Arthur da Costa e Silva, a Umes – que até então se opunha à ditadura – foi invadida pelo 24º Batalhão de Caçadores. Muitos dos estudantes que estavam lotados na antiga quinta foram presos. O argumento usado à época pelos militares para tomar a medida foi que o piso e as meias-paredes do restaurante da então casa e antiga quinta continham a aparência de foice, um dos símbolos do comunismo. Ou seja, uma característica do antigo imóvel teria sido usada como argumento para um dos acontecimentos mais marcantes ocorridos na estrutura.

Atualmente, o imóvel está em situação clara de abandono. O Governo do Maranhão chegou a anunciar a reforma do imóvel em 2006. No entanto, os serviços não saíram do papel. A permanência dos Bessa na região originou atuais bairros, como a Vila Bessa, que faz limite com localidades como Belira, Goiabal, Coreia, Lira e Codozinho.

[e-s001]O que restou da Quinta do Bessa
Pesquisa de Antônio Guimarães aponta como poucas os registros que permaneceram da Quinta do Bessa. Um deles foi o poço comumente usado por aqueles que viviam ou dependiam da Quinta nos tempos áureos. O ponto de coleta de água está ativo até hoje e fica no início do Caminho da Boiada, esquina com a atual Avenida Kennedy.

O local é conhecido e característico por ser um famoso lava-jato, cujos funcionários usam a água do antigo poço para dar “um grau” nos veículos. O Estado esteve no local durante a semana que passou e constatou que a fonte de água não morreu. No entanto, não há nenhuma indicação (placa ou aviso) que lembre o fato de que a fonte é da Quinta do Bessa.

Chama a atenção ainda que os funcionários do lava-jato - que oferece o serviço de forma improvisada e no meio da rua – não tenham conhecimento da origem da fonte. “Eu não sabia, realmente. Trabalho aqui há vários anos e não tinha essa informação”, disse João de Souza, lavador de carros.
Atualmente, o poço deve ter entre 10 e 15 metros de profundidade. Até hoje a origem da fonte é um mistério.

A beleza do “Barateiro”
Consolidada até então como uma das construções mais belas que existiram em São Luís no século XIX, a Quinta das Laranjeiras era dessas belezas demonstradas por pessoas ricas que até mesmo os mais pobres admiravam. De propriedade de José Gonçalves da Silva, o “Barateiro”, considerado por vários anos um dos homens mais ricos do Maranhão, a Quinta das Laranjeiras (na Rua Urbano Santos, Centro) – que mais tarde passou a ser denominada de Quinta do Barão pelo casamento da filha de Paulo José da Silva Gama com o segundo Barão de Bagé, se transformou, também à época, em uma referência histórica da cidade.

De acordo com informações do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o imóvel foi erguido pelo comendador Luiz José Gonçalves da Silva e foi pensado como uma espécie de morgadio formado por uma casa de moradia (predominantemente em estilo colonial), além de capelas, senzalas e alojamento para trabalhadores.

O que mais chamou a atenção e que atualmente ainda marca o registro da Quinta das Laranjeiras na configuração ludovicense foi o portão na entrada principal. A peça – vista até hoje – foi construída em 1812 (ano este registrado em algarismos romanos demarcados) e representa, de acordo com historiadores, uma “burguesia” que naquele momento histórico – início do século XIX – estava praticamente extinta com a dissidência de outras ideias no mundo, em especial as liberais.

Além do número romano, é possível ver ainda um brasão feito de cantaria que contém a representação das armas do comendador Gonçalves da Silva. Ainda de acordo com o Iphan, o imóvel passou por diversos donos até que, em 1938, foi adquirida pela Arquidiocese do Maranhão, que, em seguida, a repassou para os irmãos Marista. Atualmente, no espaço, funciona uma escola em tempo integral do Governo do Maranhão.

Ainda sobre o “Barateiro”
Sobre o precursor da quinta, segundo pesquisadores, o “Barateiro” era considerado tão rico que há relatos de ajuda dele ao governo da rainha D. Maria, na guerra contra a Espanha, no final do século XVIII. Era comum neste período pessoas ricas manterem hábitos de doação à Coroa. Ainda de acordo com relatos históricos, “o Barateiro” ajudava diretamente às capitanias do Maranhão, do Ceará e do Pará.

[e-s001]Extensão da quinta: a Capela
Ainda de acordo com documentos históricos do Iphan, além das propriedades da Quinta das Laranjeiras, no local havia a Capela de São José das Laranjeiras – situada no final da Rua Grande. De acordo com informações do órgão federal, originalmente a unidade religiosa fazia parte da quinta e era de seu primeiro proprietário, o português José Gonçalves da Silva, considerado um dos maiores comerciantes do Maranhão. Por ser uma construção colonial, a partir da primeira metade do século XIX, na quinta havia ainda um oratório privado na casa-grande e a construção da capela, com entrada pela rua, foi autorizada pelo bispo D. Luís de Brito Homem.

Para arquitetos, a capela era considerada um “belíssimo exemplar” da arquitetura religiosa predominante no Maranhão no século XIX, justamente a época de maior riqueza financeira do estado. Na capela, a decoração interna revelava um conjunto “harmônico” com características neoclássicas e com acervo de peças em estilo rococó. É ainda a única construção religiosa de São Luís que apresenta o chamado “copiar”, ou seja, área avarandada que servia como espaço entre o interior (considerado sagrado) e o exterior (profano) dos templos.

A capela permaneceu fechada até 2004 quando foi reaberta pelo Iphan após uma ampla reforma. Atualmente, os cidadãos conseguem observar somente a capela e o portão armoriado (esculpidas com armas e brasões). Tombada pelo Iphan em 1940, a estrutura integra o conjunto histórico, arquitetônico e paisagístico de São Luís desde 1986. Atualmente, é possível ver sua entrada – situada ao lado do antigo supermercado Bom Preço, no Centro.

Principais Quintas

Quinta do Diamante
Abrangência: Da Igreja dos Remédios à Reserva do Diamante
Características: Extensão e a presença da Fonte do Mamoim

Quinta das Laranjeiras
Abrangência: Da Rua Urbano Santos às imediações do atual Parque do Bom Menino
Características: Valorização dos ritos religiosos e personificação do “Barateiro”

Quinta do Bessa
Abrangência: Do Belira ao Caminho da Boiada
Características: Suntuosidade, interferência luso em sua construção e alto índice de compartimentos

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