40 anos da redemocratização

“A democracia foi o grande legado de Tancredo Neves”, destaca Sarney em homenagem na Câmara dos Deputados

O ex-presidente da República, José Sarney (MDB), foi condecorado na Câmara dos Deputados, em Brasília, por ter conduzido o Brasil no processo de redemocratização.ura e a democracia plena.

Liliane Cutrim/Imirante.com

Atualizada em 19/03/2025 às 16h44
A condecoração foi dada durante sessão solene, que destacou os 40 anos da redemocratização do país.
A condecoração foi dada durante sessão solene, que destacou os 40 anos da redemocratização do país. (Foto: Kayo Magalhães)

BRASÍLIA - Nesta quarta-feira (19), a Câmara Federal condecorou o ex-presidente da República, José Sarney (MDB), por ter conduzido o país na transição entre a ditadura e a democracia plena

A condecoração foi dada durante sessão solene, que destacou os 40 anos da redemocratização do país. 
 

Em seu discurso, o ex-presidente José Sarney lembrou, com emoção, da primeira vez que esteve na Câmara dos Deputados, que na época ficava no Rio de Janeiro, então capital brasileira. O ano era 1955 e Sarney assumia seu primeiro mandato como deputado federal, aos 25 anos de idade. 

“Calculem a carga da minha memória ao ver o que o destino tinha me trazido. E hoje, senhores deputados, autoridades que aqui estão, meus senhores e minhas senhoras, Deus me trouxe para os 95 anos aqui também, uma vez mais ocupar a tribuna desta Casa. Toda a minha carreira foi feita no Legislativo, aqui passei três mandatos no Senado Federal, cinco mandatos, 40 anos e, portanto aqui, 42 anos. É uma vida toda dedicada a trabalhar pelo país, a superarmos todas as dificuldades que tivemos e que presenciei, participei e fui protagonista dentro desta Casa”, relembrou o ex-presidente.
José Sarney.

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Sarney também recordou que foi na Câmara dos Deputados que ele, em 15 de março de 1985, jurou a Constituição Federal para exercer o cargo de presidente da República. Ele destacou que a Câmara é a casa mais representativa do povo brasileiro, que diretamente a escolhe. 

Durante seu discurso, o ex-presidente exaltou os 40 anos da Restauração Democrática Brasileira afirmando que ninguém governa o tempo que governa, pois há tempos em que se administra realidades simples, há tempos em que se a administra a escassez, há tempos em que se administra a fartura e há instantes em que a história se contorce na tarefa de governar.

"Contorce de tal maneira que as nossas decisões são tão graves e podem se transformar em mudanças de rumos, podem se transformar em avanços e retrocessos, portanto, correspondeu justamente ao período em que tive de exercer a Presidência da República um desses momentos em que a história se contorce”

José Sarney destacou que a história do Brasil foi construída com um espírito de conciliação, um espírito que sempre une os brasileiros nos momentos de maior dificuldade e citou alguns desses momentos como a abdicação do Imperador Dom Pedro I, a maior idade, o Ato Adicional e a nódoa da escravatura.

O ex-presidente também lembrou que, quando o Brasil se tornou República, apesar de todas as tensões, houve conciliação entre republicanos e monarquistas. E destacou que esse espírito conciliador é sempre encarnado por um líder e enalteceu Tancredo Neves como um desses líderes.

“E naquele tempo, há 40 anos, a história do Brasil tinha construído ao longo do tempo este líder que era Tancredo de Almeida Neves. Tancredo mesmo dizia: ‘eu sou um conciliador, só não concilio com os princípios’. E essa era a essência desse grande homem público, que recordamos nesta data, porque sem ele nós não teríamos que comemorar, há 40 anos, a democracia do Brasil. Lembremos o que dele disse Afonso: ‘Muitos brasileiros deram a vida pelo Brasil, mas Tancredo deu a sua morte’. Portanto, o centro do espírito do Tancredo é conciliar. Conciliar é admitir que nós não somos donos da verdade e que nossas ideias podem conviver com outras ideias”.

Sarney afirmou, ainda, que Tancredo conhecia o Brasil, ele conhecia os homens, inspirava com confiança e, sobretudo, conhecia a arte da política. E só foi possível que se construísse a transição da ditadura para a democracia graças a, não somente a personalidade de Tancredo, mas ao conjunto das suas qualidades.

O ex-presidente, ao longo de seu discurso, narrou a trajetória de Tancredo na política, até chegar à presidência da República que, mesmo sem ter assumido por causa de sua morte, ele foi líder de um dos mais importantes momentos da história do país. Sarney também destacou que esperava pela recuperação da saúde de Tancredo, mas o destino fez outra coisa. 

“Senhores deputados avaliem o que é para qualquer de nós receber, às duas horas da manhã, a notícia que você vai substituir e subir à Presidência da República. Realmente a carga de responsabilidade que naquela noite eu sentia me fez com que eu não dormisse”, lembrou.

 

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Veja o discuso na íntegra:

 

José Sarney contou, ainda, o Brasil, a partir daquele instante, não era mais uma ditadura, porém estava longe de ter um pleno exercício da democracia e citou exemplos de transições que tinham tido grandes problemas como em Portugal, na Grécia e no Chile.

Ele também destacou a contribuição das forças armadas em não ter qualquer insubordinação para impedir o processo de democratização, culminando com a integração dela ao poder político. Sarney ainda falou de sua atuação na diplomacia presidencial, o que afirmou a soberania brasileira e a inserção do país na América Latina, bem como a adesão do Brasil ao tratado contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes. 

Outro fato importante citado pelo ex-presidente foi a criação do Mercado Comum Latino Americano, o Mercosul, bem como as iniciativas bilaterais com os países amazônicos, para a defesa do meio ambiente e o estreitamento das relações com diversos países como Cuba, Estados Unidos, Rússia e China.

Ele também falou da criação do Plano Cruzado, como um meio de buscar a legitimidade econômica do Brasil.

“Eu sabia que eu não poderia fazer um plano econômico em que tínhamos que fazer recessão, para podermos combater a inflação. Eu sabia que, se fizesse a recessão, eu seria inevitavelmente deposto. Partimos para o Plano Cruzado, sabendo de todas as dificuldades”.

José Sarney analisou que, durante sua gestão como presidente, o Brasil passou pela transição democrática e ainda registrou crescimento na exportação e um aumento no Produto Interno Bruto (PIB) de 22%.

“É bom que a gente recorde esses números, para saber que a transição democrática não ficou paralisada somente em dar os direitos individuais. Nossa economia passou do 8º para o 6º lugar do mundo”.

O ex-presidente citou diversas outras conquistas de seu governo, como o programa de enriquecimento de Urânio e o acordo nuclear com a Argentina, que possibilitou que no nosso continente não houvesse corrida nuclear e não tivesse arma atômica. Outras conquistas foram a criação do programa Nossa Natureza, para enfrentar os problemas do meio ambiente, além de programas de combate à pobreza.

“Transformei a presidência numa grande gerência de programas especiais de combate à pobreza, a primeira e mais radical diminuição da pobreza no Brasil, conforme ocorreu naquele tempo. Nós, por um sistema de liberdade e de capilaridade, conseguimos que a sociedade brasileira, como um todo, se tornasse democrática. Abriram-se os sindicais, abriram-se as universidades, abriam-se a imprensa, abriram-se todos os clubes de associação de bairros. Ninguém tinha medo, e o Brasil tornou-se uma democracia de massa. Esse é o grande legado de Tancredo Neves”.
José Sarney.

José Sarney destacou que, olhar para esses 40 anos, é perceber que as forças políticas brasileiras foram capazes de atravessar um momento histórico dos mais difíceis, para que o país começasse uma nova vida e um novo momento. Tanto que, em 1989, um operário quase chega à presidência da República, fazendo referência ao atual presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, quando foi candidato à presidência pela primeira vez.

“Nós conseguimos sair da República dos marechais, até um operário no poder. Isso foi possível e é um dado de que nós podemos oferecer ao mundo que o Brasil proporcionou. E quando se fala em construção de uma sociedade democrática, não devo deixar de incluir todas as camadas brasileiras, as elites e o povo. Não quero me alongar mais, já fui longe, mas tinha que dizer essas coisas, porque aqui na Câmara dos Deputados eu comecei nessa vida e, finalmente, estou terminando”.
José Sarney.

Por fim, o ex-presidente fez uma evocação a vários nomes que ele considera como grandes colaboradores na consolidação democrática do Brasil, como Tancredo Neves, Aureliano Chaves, Marco Maciel, Antônio Carlos Magalhães, Leônidas Pires Gonçalves, José Hugo Castelo Branco, Renato Archer, Carlos Santana, Celso Furtado, Saulo Ramos, entre outros.

No final de seu discurso ele enalteceu a Câmara dos Deputados, que ele chamou de casa de formação de grandes líderes e de grandes episódios da História do Brasil. 
 

“Eu quero, com a minha gratidão, encerrar esse meu pronunciamento dizendo a esta Casa, que ela nunca falhou ao Brasil”, finalizou o discurso, sendo aclamado pelos presentes na cerimônia.
José Sarney.

Homenagem a José Sarney na Câmara dos Deputados, pelos 40 anos da redemocratização do país - Fotos: Kayo Magalhães

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