Brasil terá 1º voo comercial de foguete; entenda como será e por que pode impulsionar o setor espacial
O lançamento deve colocar à prova o potencial do Centro Espacial de Alcântara e, se for bem sucedido, representar um passo importante para a inserção do Brasil no mercado global de lançamentos espaciais.
ALCÂNTARA - O primeiro foguete que será lançado em voo comercial a partir da Base de Alcântara (MA), previsto para o dia 17 de dezembro, é quase 30 vezes mais rápido que um avião comercial, com altura equivalente a um prédio de sete andares e peso semelhante ao de quatro elefantes africanos.
O lançamento deve colocar à prova o potencial do Centro Espacial de Alcântara e, se bem sucedido, representar um passo importante para a inserção do Brasil no mercado global de lançamentos espaciais.
Brasil vai comandar, pela primeira vez, missão espacial comercial
Pela primeira vez, o Brasil vai capitanear uma missão espacial comercial de colocação de satélites em órbitas a partir do território nacional. O trabalho é coordenado pela Força Aérea Brasileira (FAB) e pela Agência Espacial Brasileira (AEB).
O foguete sul-coreano HANBIT-Nano, da start-up Innospace, será a primeira tentativa de lançamento de um voo orbital em Alcântara desde o acidente do Veículo Lançador de Satélites (VLS) que matou 21 pessoas em 2003.
Antes, o Brasil fazia somente lançamentos de voo subordinais, conhecidos como “saltos”, onde o equipamento sobe e regressa. Agora, o novo foguete levará ao espaço, para a órbita da Terra, cinco satélites e três dispositivos que auxiliará em cinco pesquisas desenvolvidas em áreas por entidades do Brasil e da Índia.
"Trata-se do primeiro lançamento comercial partindo do Brasil, marcando a entrada do país no mercado de lançamento espaciais e abrindo novos caminhos para a geração de renda e investimentos", afirmou o Coronel Aviador da FAB, Clovis Martins de Souza, Diretor do Centro de Lançamento de Alcântara.
Isso porque a base tem potencial de operação considerado subutilizado por profissionais do setor aeroespacial. Sua localização é considerada também privilegiada, a previsibilidade meteorológica e a segurança, longe de rotas aéreas ou marítimas, podem fazer com que Alcântara seja cobiçada por governos e empresas de tecnologia do mundo inteiro.
Por isso, há chances de o Brasil conseguir, no futuro, arrecadar dinheiro com o aluguel de base e cobranças de taxas para lançamento, podendo contribuir com o desenvolvimento do setor aeroespacial e gerar novos negócios.
Segundo Antonio Chamon, presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), o inicio para esse futuro começou no inicio deste ano com a criação da Empresa de Projetos Aeroespaciais do Brasil (Alada), que será responsável por negociar os contratos comerciais aeroespaciais lançados no Brasil.
"O que eu posso garantir é que quando nós começarmos a operar a partir da Alada, nós seremos competitivos, [operaremos] com preços internacionais. Essa empresa é que vai fazer a intermediação dos contratos", explicou.
Já Júlio Shidara, presidente da Associação Das Indústrias Aeroespaciais Do Brasil (AIAB) e coronel da reserva da FAB, apesar de Alcântara possuir fatores naturais positivos como atrativos à exploração comercial do cosmódromo, eles sozinhos não são suficientes para garantir vantagem competitiva em relação a outras bases do mundo.
Como funciona o foguete HANBIT-Nano?
O foguete HANBIT-Nano será lançado na missão Spaceward. O objetivo é levar ao espaço cinco satélites e três dispositivos que auxiliará em cinco pesquisas desenvolvidas em áreas por entidades do Brasil e da Índia.
🚀 Produzido pela empresa sul-coreana Innospace, o HANBIT-Nano tem 21,9 metros de altura, pesa 20 toneladas e tem 1,4 metro de diâmetro.
O foguete pode atingir HANBIT-Nano pode atingir uma velocidade de 30 mil km/h. A velocidade é necessária para que ele alcance uma órbita e possa ‘escapar’ da gravidade terrestre. A viagem até atingir atmosfera dura cera de 3 minutos.
A compensação monetária paga pelo Innospace ao governo brasileiro para o lançamento no próximo dia 17 não foi informado. De acordo com a AEB, a Innospace firmou um acordo de prestação de serviços pelo valor mínimo de retribuição ao Estado com o Governo Brasileiro. Essa modalidade não prevê 'lucro'.
🌌🔭Lançamento do foguete poderá ser visto a olho nu
O lançamento do HANBIT-Nano ocorrerá em dois estágios e poderá ser visto a olho nu dos céus de Alcântara e São Luís.
- O primeiro estágio é responsável pelo impulso inicial durante o lançamento do foguete. A estrutura conta com dois motores, sendo um híbrido e um módulo interestágio, que é responsável por separar os dois estágios do dispositivo. O motor HyPER híbrido é abastecido com combustível líquido e sólido. Essa tecnologia permite ajustes da potência do foguete em tempo real e reduz riscos de explosão, sendo considerado mais simples e econômico.
- O segundo estágio é onde estão os satélites, chamados de cargas, que serão enviados ao espaço. Essa parte é responsável por inserir os dispositivos na órbita e uma coifa, localizada na ponta do HANBIT-Nano, que protege os satélites de danos no lançamento.
Ao todo, estão sendo mobilizados cerca de 500 profissionais civis e militares para a operação. A primeira tentativa de lançamento estava prevista para o dia 22 de novembro, mas foi adiada para 17 de dezembro.
Como funciona a base de Alcântara?
Escolhida para sediar um centro espacial que atendesse aos requisitos técnicos e logísticos do Programa Espacial Brasileiro, o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no litoral do Maranhão foi construído na década de 1980. Um dos motivos é a extensa costa do litoral, a capacidade de abrigar lançamentos próximos à linha do Equador e de angular de órbitas.
A localização próxima à linha do Equador faz com que lançamentos perto do local gastem menos combustível e tenha, consequentemente, o custo de operação reduzida. Há também baixa densidade de tráfego aéreo na região e um amplo leque de inclinações orbitais para os lançamentos.
💨Quanto menor a latitude - sendo zero na Linha do Equador - , melhor é considerado o local para a realização de lançamento de foguetes. A velocidade de rotação de superfície, necessária para colocar o foguete em órbita, é maior quanto mais próximo do meridiano que divide os hemisférios Norte e Sul. Isso exige menor consumo de combustível da aeronave e menor tempo de viagem à órbita.
Apesar de pontos positivos, o local se tornou por décadas subutilizados. Entre os motivos, estão o grave acidente registrado há mais de 20 anos no local e questões fundiárias.
A tragédia interferiu para a consolidação do Brasil no mercado espacial, com redução da atividade em Alcântara a partir de 2003.
O acidente aconteceu a três dias do lançamento do foguete VLS-1, protótipo que colocaria em órbita dois satélites nacionais de observação terrestre. A estrutura estava montada e o dispositivo passava por ajustes finais, quando um dos motores teve uma ignição prematura e o protótipo foi acionado antes do tempo. A torre acabou explodindo e 21 civis que trabalhavam no local morreram.
Já questão fundiária levou Alcântara até à cortes internacionais. Os conflitos pela terra com as comunidades quilombolas que viviam na região antes da instalação da base viraram processos judiciais que se arrastaram por décadas.
O presidente da Associação Das Indústrias Aeroespaciais Do Brasil (AIAB) ressalta que a mudança de cenário e a possibilidade do Brasil entrar na rota dos lançamentos comerciais espaciais depende ainda de fatores que vão além das vantagens geográficas e naturais de Alcântara.
Julio Shidara afirma que há uma expectativa que o lançamento gere inovações e novas oportunidades para o negócio da indústria aeroespacial nacional e para o Programa Espacial Brasileiro.
"A competitividade global dependerá de um conjunto maior de fatores que envolvem aspectos logísticos, jurídicos e econômicos,. No cenário global, [Alcântara] será tanto maior quanto maiores forem suas capacidades em oferecer segurança jurídica, menores prazos e menores custos no confronto com outros centros de operação que existem no mundo", explicou.
O presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), diz também que a entrada de pequenas empresas no mercado de foguetes criou a necessidade de buscar habilitar lugares com boas condições de lançamento de novas missões.
"O que mudou no grande contexto foi a entrada muito forte no mercado de foguetes pequenos de empresas privadas, isso no mundo todo. Então, a grande mudança que permite o uso comercial do centro de Alcântara é que agora existem clientes. Por isso, o lugar entra nesse nicho de oferecer um bom lugar e infraestrutura adequada", disse Antonio Chamon.
Entenda a abertura do mercado de lançamento de foguetes comercias em Alcântara
Tudo começou quando devido a um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) assinado pelos governos brasileiro e dos EUA, em 2019.
Pelo acordo, dispositivos desenvolvidos com tecnologia norte-americana e por empresas privadas autorizadas por ele, poderiam ser lançados de Alcântara, e o Brasil ficaria habilitado a receber uma compensação monetária.
Isso porque são os EUA que produzem grande parte dos componentes presentes em foguetes lançados no mundo. Porém, os norte-americanos não autorizam esses dispositivos serem lançados por países nos quais eles não possuem acordos na área espacial. Com a assinatura, em 2019, o processo foi simplificado.
"Antigamente não era proibido, mas para cada lançamento que você fizesse, precisava de uma autorização especial. Agora, é muito mais fácil", explicou Marco Antonio Chamon, presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB).
Após a assinatura do documento, a Agência Espacial Brasileira (AEB) divulgou um edital para empresas privadas na utilização do Centro de Lançamento de Alcântara. Quatro empresas foram habilitadas, dentre elas, a sul-coreana Innospace, dona do HANBIT-Nano.
Ao g1, o presidente da Agência Espacial Brasileira explicou que esse acordo foi importante para abrir os caminhos necessários para o uso de Alcântara com fins comerciais. Além disso, foi necessário atualizar licenças ambientais e equipamentos de controle da Força Aérea Brasileira (FAB) para manter o centro preparado para receber essas missões.
"Foi também necessário atualizar as licenças ambientais do CLA e os equipamentos de rastreio e de controle. Esses investimentos iniciais foram importantes. O centro está preparado para receber essas missões", disse.
Impasse com os quilombolas
Alcântara possui a maior proporção de quilombola do Brasil. Segundo dados do Censo do IBGE de 2022, por mais de 40 anos essa população viveu um impasse com a Força Aérea Brasileira (FAB) sobre a implementação do Centro de Lançamento.
Isso porque para criar a base no Maranhão, algumas comunidades precisariam sair do território onde viviam, o que gerou conflitos e acusações sobre violação de direitos.
O caso chegou a ser julgado na Corte Interamericana de Direitos Humano (CIDH), no Chile, onde o Brasil foi acusado de violar direitos humanos contra comunidades quilombolas na construção e implementação dos projetos da Base de Lançamento de Foguetes.
Dois anos após o julgamento, o Brasil foi condenado pro violar direitos humanos de 171 comunidades quilombolas que vivem em Alcântara. Segundo a corte americana, a ausência de uma resposta sobre as reivindações quilombolas gerou sentimentos de injustiça, impotência e insegurança, afetando a vida coletiva e impedindo acessos à saúde, educação e a meios de subsistência.
Em 2024, o Governo Federal assinou um termo de Conciliação, Compromissos e Reconhecimentos Recíprocos que reconheceu o Território Quilombola de Alcântara com 78,1 mil hectares e delimitou a área do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), com 12.600 hectares.
O governo se comprometeu a dar o título de propriedade da área aos quilombolas e, ao mesmo tempo, validou a área pertencente ao Programa Espacial Brasileiro (PEA), para evitar conflitos sobre a posse das terras no futuro.
Entenda a nova fase
Intitulada Operação Spaceward, o lançamento do HANBIT-Nano marca o início de uma nova era do Programa Espacial Brasileiro.
"O lançamento é importante porque vai abrir várias portas para o Brasil no mercado internacional. Teremos a inserção do país globalmente, vamos contribuir para desenvolver a região gerando renda, emprego e, principalmente, teremos ainda mais investimentos no segmento espacial brasileiro", explica o diretor do CLA.
Veja o que será levado ao espaço:
O HANBIT-Nano levará ao espaço oito cargas úteis, entre elas cinco satélites e três experimentos. Os satélites farão a analise, coleta e transmissão de dados ambientais, testes de comunicação em órbita e monitoramento de dados solares.
- Satélite Jussara-K: Desenvolvido pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) em parceria com startups e instituições nacionais, ele tem como missão coletar dados ambientais em regiões de difícil acesso;
- Satélites FloripaSat-2A e FloripaSat-2B: Desenvolvidos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) serão usados para validar uma espécie de comunicação em órbita;
- PION-BR2 - Cientistas de Alcântara: Desenvolvido pela UFMA, em parceria com a Agência Espacial Brasileira (AEB), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a startup PION e levará ao espaço mensagens de alunos da rede pública de Alcântara;
- Satélite SNI-GNSS: Vai determinar com precisão a velocidade, posição e altitude do foguete e essa tecnologia poderá ser aplicada em outros dispositivos como drones, carros e navios. Ele foi desenvolvido pela Agência Espacial Brasileira (AEB) em parceria com as empresas Concert Space, Cron e HORUSEYE TECH;
- Solaras-S2: Será responsável por monitorar fenômenos solares que podem impactar comunicações, navegação e sistemas tecnológicos na Terra. Foi desenvolvido pela empresa indiana Grahaa Space;
- Sistema de Navegação Inercial (INS): Dispositivo vai validar um algoritmo de navegação que irá auxiliar na futura aplicação em sistemas de navegação embarcados em missões espaciais. Foi desenvolvido pela empresa Castro Leite Consultoria (CLC).
Terá ainda, a bordo do foguete, um outro dispositivo desenvolvido pela empresa Castro Leite Consultoria (CLC), entretanto, por solicitação do fabricante, a Força Aérea Brasileira (FAB) teve acesso a apenas dados de um.
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