CURURUPU - Com uma população estimada em cerca de 31 mil habitantes (Censo 2022), o município de Cururupu, no litoral ocidental do Maranhão, a pouco mais de 156 km da capital, São Luís, teve a monotonia do último domingo (24) quebrada por uma manifestação que já entrou para o calendário de eventos da cidade, embora se realize há apenas 15 anos: o desfile de carros de boi.
A preparação para o cortejo começa cedo na localidade Pitombeira, no bairro Areia Branca, um dos pontos de encontro dos carreiros, como são chamados os condutores dos carros de boi. Os primeiros carros começam a se concentrar por volta das seis da manhã.
Grupos de tambor de crioula fazem o aquecimento antes da largada e do farto café da manhã servido aos participantes, moradores e convidados. Uma grande mesa repleta de bolos de tapioca, milho e fubá, biscoitos, mingau, sucos e frutas é preparada a cada ano por alguma entidade indicada previamente. Neste ano, o terreiro Casa de Axé Tupinambá, do Pai Thiago de Oxóssi, foi responsável pelo oferecimento dos quitutes.
Um dos primeiros a chegar, Emerson Viana, 25, participa do desfile desde os 15, levado pelo pai, José do Espírito Santo, 50. A carroceria é coberta com meaçaba, tipo de esteira de palha de babaçu, decorada com melancia, abacate, jaca, quiabo, maxixe, jerimum e porções de farinha de coco, tapioca e feijão na vagem embaladas em pequenos sacos plástico. Tudo cultivado na roça de onde eles tiram o sustento da família, no povoado São Raimundo. Após ajustar a parelha encaixada sobre a cabeça dos animais, o lavrador parece animado. “Venho com prazer, isso aqui representa a nossa cultura”, diz.
O desfile começou em 2009 por iniciativa da Associação dos Remanescentes do Quilombo da Comunidade Rio das Pedras. No primeiro ano reuniu 102 carreiros, trabalhadores rurais que têm no carro de boi o meio para transportar todo tipo de produto entre povoados da zona rural. De lá para cá, o número vem diminuindo. “O roubo de gado fez muitos migrarem para a carroça”, explica a coordenadora do evento, Maria de Nazaré Marques de Oliveira, secretária de assistência social do município. Em 2024, foram 52 carros de boi, quantidade suficiente para encher ruas e estradas de terra com o som estridente produzido pelas rodas de madeira anunciando a passagem do cortejo.
Há, no entanto, quem participe do evento apenas para manter viva a tradição, mesmo que a lida no campo não seja mais o seu ofício. É o caso do empresário Mariano Gomes, 54, dono do carro caracterizado com as cores e escudo do seu time de futebol do coração, o Vasco da Gama, puxado pelos bois que ele batizou de “Todo Lindo” e “Te Admira”. Ele usa o carro apenas uma vez por ano quando chega o dia do desfile, que tem o apoio da Prefeitura de Cururupu
Dono de postos de combustível, Bolinha, apelido pelo qual é mais conhecido na cidade, passou dos 12 aos 16 anos ajudando o pai na roça, no povoado Ceará, até mudar para São Luís onde conseguiu emprego na fábrica da Alumar. Em 2008, foi para Angola, depois viveu na República Dominicana e na Venezuela. Com a prosperidade financeira conquistada como operário da construção civil mudou de status, mas não esqueceu suas origens. “Não perco por nada esse encontro, é a minha raiz, faz parte da minha história de vida”, empolga-se.
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Chegada do cortejo
Depois de mais de quatro horas de desfile sob um sol abrasador, o cortejo chega a Praça de São Benedito, no Centro da cidade, onde os grupos são avaliados por uma comissão que premia o carro mais “cantador”, o mais original e o mais criativo. Todos os carreiros recebem certificados e placas de participação ao final e se confraternizam como se não houvesse vencidos naquela romaria.
Autores de um inventário sobre os carros de boi de Cururupu, o professor da UFMA Arkley Marques Bandeira e o seu orientando Marcelo Oliveira Santos atribuem a expansão pastoril em direção a Amazônia Maranhense, na segunda metade do século XX, à chegada dos carros de boi ao Maranhão. “É nesse contexto que as frentes pecuaristas alcançam a zona litorânea, ocupando os municípios das Reentrâncias Maranhenses, como é o caso de Cururupu”, diz Bandeira, doutor em Arqueologia.
Tradição
A tradição do carro de boi sobrevive há séculos e se ressignifica como símbolo da resistência das comunidades rurais que travam a batalha cotidiana por cada palmo desse chão para plantar e para colher.
Na estrada de terra ou no asfalto, vai continuar cantando e servindo aos homens do campo que fazem desse tipo de transporte de tração animal um suporte de histórias e memórias afetivas. Como diria a letra de “Carro de Boi”, música de Jorge Benjor: “Bota pouca carga mas rica carga / Pois o boi nem o carro são de carga / O boi e o carro são de estimação”.
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