O trauma dos episódios de traição e constrangimento
(Eles podem ir ou ficar. É possível, sabia?
Às terças e quintas eu faço atendimento em um Instituto que acolhe gratuitamente a comunidade de um bairro popular. Há meses tenho acompanhado histórias de vida que me trazem emoções arrebatadoras. Nos dois extremos.
Ontem, enquanto caía uma chuva forte do lado de fora, sentei ao lado das pacientes em uma conversa informal, daquelas que pedem café com bolo. A maioria das senhoras, já idosas, brincavam sobre a beleza do Edson, outro fisioterapeuta do Instituto, enquanto eu sorria e endossava a benevolência da nossa genética familiar (piada nossa, porque ele é meu primo). Em um ar de desconforto com a brincadeira, dona Maria sussurra e faz uma careta aversiva: "ah, eu não confio em homens assim bonitos". Não consigo ficar neutra em desabafos assim. Instiguei. Algo muito maior que orientação sexual estava guardado naquele depoimento dela.
Dona Maria foi mãe aos 14 anos, e com um futuro não tão promissor, teve a juventude assolada pela responsabilidade de fazer sobreviver a sua cria. O marido, um pescador sedutor e infiel, recheava a vida dela com surpresas que iam do intenso desejo carnal até a mais absoluta aversão. Nessa gangorra afetiva, o tempo ia passando e a sua cria só aumentando.
"Só uma louca amou como eu amei".
Dona Maria contou (furiosa) sobre o dia que precisou levar a filha doente ao posto de saúde. Foi sozinha. Ela cuidava da casa e dos filhos, ele cuidava da pesca. Ao voltar pra casa, abriu a porta e se deparou com ele e sua acompanhante na rede branca que somente ela dormia.
Falou ainda sobre outro flagra, quando ele não percebeu que ela entrara no ambiente, e foi interrompido pela amante, com a frase "Ei, para! A Maria chegou!".
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Ela colecionava constrangimentos, como o dia em que aquela velha e tão querida rede branca apareceu com uma mancha no centro. Ele a fez acreditar ser apenas um descuido com sua roupa molhada, vinda do mar. Ela então lavou e esfregou os fluidos sexuais que só depois descobriu serem dele (com outra).
Depois de finalmente aceitar que ele não mudaria, ela se permitiu sair daquele casamento e amar outro homem. Felicidade que durou pouco tempo, segundo ela. Insistente, ainda lutou por um terceiro amor… Situações diferentes, mas com comportamentos de infidelidade que carregam dores iguais.
"Mas só foram três portas que ela atravessou", eu pensei. Pensei e calei. Não era aquele o momento de rebater. Aquela era a primeira vez que ela botava pra fora a indignação. E pra uma mulher "botar pra fora", ela precisa de espaço e de respeito.
A infidelidade é uma dor dilacerante que merece todo o acolhimento de quem ouve.
Só quem passa por essa dor sabe bem o quanto tortura. E todos os que a conhecem, precisam de apoio para escolher uma outra porta e atravessar. Ficar parada no corredor nunca vai ser a melhor escolha. Existem muitas pessoas no mundo e cada uma é singular. Mas a Maria parou. Escolheu não atravessar nenhuma porta. E assim ela caminha por mais de meio século.
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