Motivos para Agradecer – uma mensagem de Natal
A vida é dura, mas onde há sofrimento, Nosso Senhor jamais deixa faltar alegria. No Natal, recordamos que Seu nascimento só faz sentido tendo em vista Sua morte.
Vivi toda a minha infância em uma casa de taipa (ou pau a pique, dependendo da região). Geladeira, televisão e outros eletrodomésticos eram luxos distantes, cuja ausência meus pais jamais lamentaram. Aos 12 anos, mudamos para uma casa de tijolos em um conjunto habitacional sem água encanada e sem energia elétrica. Naquele tempo, muitas vezes precisávamos vender o almoço para comprar a janta, mas, mesmo assim, vivi feliz da vida até mudar para a capital, em 2014. Já naquela altura, podíamos ligar a torneira e acender a luz. Ainda assim, nunca vi meus pais ou vizinhos reclamando das dificuldades. Muito pelo contrário: à noite, nos reuníamos para, entre piadas e gargalhadas, compartilhar histórias de lendas e mitos.
Tenho boas lembranças dessa época, como a imagem das fogueiras que, na ausência de eletricidade, iluminavam as ruas em frente às casas durante o período de São João. Nessas ocasiões, toda a criançada da região participava de alguma quadrilha e dançava no arraiá da cidade. Bons tempos que recordo com alegria, sem espaço para tristeza ou vitimismo.
A vida é dura para todos – e é verdade que, para alguns, a dureza é maior. Contudo, onde há sofrimento, Nosso Senhor jamais deixa faltar a alegria necessária para contrabalançar a situação e nos lembrar da dádiva que é viver.
Nestes 32 anos de vida, já tive inúmeras provas de que a maldade existe. Testemunhei sofrimentos, traições, injustiças e lamentações. Ainda assim, nunca duvidei da existência de Deus, que é Bondade pura. No entanto, vez ou outra, perguntava-me sobre o motivo da existência do mal.
Ao rastrear a origem das minhas ideias, concluo que a primeira resposta satisfatória surgiu em 2011, quando li Em Guarda, do filósofo norte-americano William Lane Craig. Em um dos capítulos, ele aborda o que chama de "O Problema do Sofrimento" (ou, em outras obras, "Predicamento Humano"). Craig argumenta que a existência do mal no mundo, longe de negar, aponta para a existência de um Deus bondoso. Afinal, se não houvesse recompensa para os justos e sofredores após a morte, bem como punição para os maus, Deus não existiria ou seria injusto.
Além disso, se admitirmos que esta vida de sofrimentos – este Vale de Lágrimas – é tudo o que existe e que ela termina no túmulo, então nossa existência não teria mais valor que a de um enxame de abelhas. Não faria diferença vivermos como Stalin ou como Madre Teresa de Calcutá; tudo terminaria no caixão. Nunca havia refletido nesses termos, mas achei o raciocínio bastante convincente. Se não houvesse punição para os maus e recompensa para os justos, de que valeriam nossas ações na Terra?
Naquele momento, o Dr. Craig ensinou-me algo que, embora intuísse, não conseguia expressar em palavras: há uma razão no sofrimento e um propósito maior para nossa passagem nesta vida. Essa percepção ficou ainda mais clara para mim quando conheci a obra de Viktor Frankl e estudei a vida dos santos, sobretudo dos mártires. O mal existe – é fato –, mas há um sentido na tristeza, e o destino final do sofrimento é ser aniquilado.
"Enxugará toda lágrima de seus olhos, e já não haverá morte, nem luto, nem grito, nem dor, porque passou a primeira condição." (Apocalipse 21, 4)
Neste tempo natalino, a Igreja se preparou para receber o Deus Menino, o Verbo que se fez carne. Desde que me tornei católico, há pouco mais de sete anos, dedico este período a reavaliar minha vida, meditar sobre o que tenho feito e recordar as bênçãos recebidas.
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Recentemente, conversava com minha amiga e afilhada, Sara Ferreira, sobre uma importante decisão que tomou: agradecer diariamente a Deus e a Nossa Senhora por tudo, independentemente das circunstâncias. Tenho refletido muito sobre a importância desse ato aparentemente simples. Sara tem razão. Se existem razões para reclamar, há muito mais motivos para agradecer.
Ao rever minha vida, cheguei a uma conclusão inevitável: as mãos de Deus derramam graças sobre mim diariamente, sendo a maior delas a Eucaristia. Apesar de todas as dificuldades, provações e privações, as bênçãos divinas nos alcançam continuamente. Temos à disposição os sacramentos, a intercessão dos santos, a proteção de uma Mãe amorosa que intercede por nós do céu e, acima de tudo, o próprio Cristo, que se oferece em sacrifício indolor pela humanidade em cada Santa Missa celebrada na Terra.
É Ele quem nos sustenta e, no Natal, nos recorda de Seu imenso amor pela humanidade ao nascer para dar-nos a vida no madeiro da cruz. Seu nascimento só faz sentido à luz de Sua morte.
Recentemente, concluímos aqui em casa a novena de Natal. Rezemos com Santo Afonso Maria de Ligório:
"Vós, em vossa vida, nos destes tantas e tão grandes provas de afeto e nós, ingratos, que prova de amor vos damos? Fazei, pois, ó nosso Deus, que durante os anos que nos restam de vida vos demos alguma prova de amor. Não nos atreveríamos, no dia do juízo, a comparecer diante de Vós tão pobres como somos agora e sem fazer nada por vosso amor."
Venite adoremus Dominum! Feliz e santo Natal a todos.
Paço do Lumiar, Natal do Senhor.
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