COLUNA
Euges Lima
Euges Lima é historiador, professor, bibliófilo, palestrante e ex-presidente do IHGM.
Euges Lima

Discurso da nossa posse na cadeira de N. 13 da Academia de Letras de Tutóia

Sinto que este momento transcende o protocolo. É mais que uma cerimônia de posse: é um reencontro.

Euges Lima

TUTÓIA - Recebo hoje, com profunda emoção, a honra de ingressar nesta Academia, ocupando a Cadeira nº 13, que tem por patrono o maior poeta que Tutóia já ofereceu ao Maranhão e ao Brasil: Almeida Galhardo.

Sinto que este momento transcende o protocolo. É mais que uma cerimônia de posse: é um reencontro — reencontro com meus conterrâneos, com amigos e colegas de infância e adolescência, reencontro com minhas memórias desta terra, com sua história, seu povo e sua gente. É também o reencontro de Tutóia com a poesia e a história de Almeida Galhardo. Como ele, somos filhos desta terra de areias brancas, de ventos e gaivotas, de sonhos e lembranças.

Desde menino, seu nome me era familiar, ressoando nas conversas dos mais velhos e no colégio que o homenageia — escola fundada pelo padre Hélio Maranhão, em 1964, com o nobre propósito de preservar a memória do poeta. Foi esse gesto simples e grandioso que impediu que sua lembrança se perdesse na névoa do esquecimento.

Ainda assim, sua poesia permaneceu silenciosa por décadas, adormecida nas páginas amareladas dos jornais de São Luís, onde um dia brilhou.

Há alguns anos, percebendo que o centenário de seu nascimento se aproximava, em 2022, senti que não seria justo permitir que essa data passasse sem a devida homenagem. Reavivei então o compromisso de resgatar sua história e sua obra. Como historiador e como filho desta mesma terra, entendi que a Tutóia de hoje ainda devia um tributo ao seu poeta maior.

E o fiz movido pela convicção de que não se apaga uma voz que cantou o azul, o amor e a liberdade das gaivotas.

Ao assumir a Cadeira nº 13 desta Academia, é também meu dever reverenciar a memória de José Carlos Ramos (1949–2017), seu primeiro ocupante.

Filho de José dos Santos Ramos e Maria Madalena Araújo Ramos, nascido em 17 de dezembro de 1949, José Carlos formou-se em Pedagogia, foi bacharel em Filosofia, licenciado em Ciência da Religião e pós-graduado em Gestão Pública. Servidor dedicado, exerceu várias funções públicas, entre elas a de Secretário Judicial da Comarca de Tutóia, cargo no qual se destacou pela competência.

Intelectual inquieto, foi sócio-fundador da ACALT e ocupou com brilho esta Cadeira nº 13, orgulhoso de ter como patrono Almeida Galhardo. Ativo na vida institucional, serviu como orador oficial e presidiu a Academia nos biênios 2003–2004 e 2008–2009. Cultor da história local, dedicou-se à memória de Tutóia e ao legado de seus personagens.

Sua produção literária reflete essa sensibilidade. Entre suas obras, destacam-se A Saga dos Teremembés (2013) e Almeida Galhardo: o poeta das gaivotas (2018), publicada postumamente, além de diversos trabalhos inéditos. Faleceu em Tutóia, em 21 de agosto de 2017, deixando um legado de serviço público, vida acadêmica e devoção às letras. Hoje, ao ocupar esta Cadeira, presto justa homenagem ao seu primeiro titular.

Passo agora ao elogio ao patrono desta Cadeira: o poeta, escritor, jornalista e aviador Almeida Galhardo, nascido Francisco das Chagas Almeida Soares, em 2 de dezembro de 1922, na Rua Senador Leite, em Tutóia. Filho de Pedro Luiz Soares e Joaquina de Almeida Soares, foi um menino inteligente, de imaginação viva e alma sensível. Aos quatorze anos, partiu para São Luís, guiado pelo sonho de sua família católica, para estudar no Seminário Santo Antônio.

Foram sete anos de vida religiosa, até que o jovem seminarista percebeu que sua verdadeira vocação não era o altar, mas a palavra. Surgia, então, o poeta. Para não ser descoberto no seminário, passou a assinar seus textos com o pseudônimo “Almeida Galhardo”, nome que se tornaria sua identidade literária.

Ao deixar o claustro, mergulhou no jornalismo e na literatura. Escreveu para Correio da Tarde, para os Diários Associados e para o Diário de São Luís. Foi funcionário público e, mais tarde, aviador — talvez porque sonhasse não apenas com versos, mas também com o céu.

Galhardo foi membro fundador do Centro Cultural Gonçalves Dias, em 1945, convivendo com nomes que depois se tornariam célebres — Lago Burnett, Ferreira Gullar, José Sarney, Vera-Cruz Santana, Nascimento de Moraes Filho, entre outros.

Mário Meireles o registrou em Panorama da Literatura Maranhense (1955); Rossini Corrêa o analisou em O Modernismo no Maranhão (1989). Lago Burnett chamou-o de “o poeta das gaivotas”. João Mendonça Cordeiro lamentou que fosse “o mais esquecido dos poetas do Maranhão”.

Hoje, contudo, afirmo com orgulho: esquecido, não mais.

Sua poesia, dividida tradicionalmente em três fases — a religiosa, a das influências e a do lirismo arrebatado — reflete a trajetória de um espírito em busca de si mesmo.

Do jovem seminarista ao poeta apaixonado; do condoreiro às portas de um novo lirismo social, Galhardo evolui como quem sobe os degraus do infinito.

Em sua primeira fase, canta a fé, a dor, a pureza, a saudade — é o poeta do coração e das orações.

Na segunda, deixa-se influenciar por Maranhão Sobrinho, Assis Garrido e Olavo Bilac, lapidando a forma e a sensibilidade.

Na terceira, explode em intensidade, como em Erupção de Amor e Canto de Fogo, atingindo o ápice de sua força lírica.

E quando parecia iniciar uma nova etapa, mais consciente e voltada ao povo, o destino o interrompeu tragicamente.

Em 8 de agosto de 1948, aos vinte e cinco anos, o poeta das alturas, que tanto cantara o voo das gaivotas, caiu com o avião que pilotava. O céu o chamou de volta — como se o quisesse entre os seus.

São Luís chorou. Tutóia silenciou. O Maranhão perdeu um de seus filhos mais promissores.

Passadas sete décadas, reencontramos sua voz. Vasculhando jornais antigos, resgatamos poemas antes inéditos — vinte novos poemas, somando-se aos treze já conhecidos.

Reunidos, deram origem ao livro Poesia Reunida, sua primeira obra publicada, ainda que postumamente.

Assim, pela força da memória e da pesquisa, Almeida Galhardo renasce — agora não apenas como lembrança, mas como patrono eterno desta Cadeira.

Senhoras e senhores,

A Cadeira nº 13, que hoje tenho a honra de ocupar, será doravante um espaço de preservação e estudo de sua obra.

Quero que cada jovem tutoiense, ao passar pelo colégio que leva seu nome, saiba quem foi Almeida Galhardo — o poeta que ousou sonhar, amou as palavras, escreveu com o coração e morreu com as asas abertas.

Que esta Academia, sob a presidência do professor Antônio Gallas Pimentel, continue sendo farol das letras e da memória de nossa terra.

E que, ao falarmos de Almeida Galhardo, possamos repetir, com a emoção de quem reencontra um irmão perdido no tempo:

“Os grandes homens nascem e morrem depressa, para que suas obras permaneçam eternas entre os vivos” (Cunha, 1969).

Hoje, Tutóia o recebe de volta.

E eu, com humildade e gratidão, recebo a honra de ser a voz de seu legado nesta Cadeira.

Como escreveu o poeta e escritor Carlos Cunha:

“Havia em Galhardo um poeta extraordinariamente lírico, dominado pelos sentimentos.

Havia em Almeida Galhardo um profundo amor pelas alturas.

É pequena esta homenagem que presto a um dos nossos maiores poetas.

Mas os grandes homens são assim: nascem e morrem depressa para que suas obras permaneçam eternas entre os vivos.

Quem, de bom senso, não recorda o poeta de Tutóia, da terra das areias brancas, que será cantado enquanto houver poesia na terra? ” (Cunha, 1969).

Muito obrigado.


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