Obra respeitada

Literatura como vocação de uma vida inteira

O maranhense José Sarney, que nesta sexta-feira, 24,  completa 90 anos de vida, tem uma trajetória marcada por grandes conquistas e pela busca incessante de conhecimento

Atualizada em 11/10/2022 às 12h20
José Sarney tem uma trajetória marcada por grandes obras literárias (josé sarney)

Não é segredo para ninguém o amor que o ex-presidente da República e membro da Academia Brasileira de Letras José Sarney nutre pelas artes, em especial pela literatura, visivelmente uma de suas grandes paixões. Com uma trajetória profícua dividida entre a política e a arte de escrever, ultimamente ele tem se dedicado com mais frequência à segunda. Autor de mais de 120 livros, muitos traduzidos para diversos idiomas, o maranhense celebrará 90 anos de vida nesta sexta-feira, 24.

Da lavra de José Sarney, surgiram crônicas, contos, poesias e romances. O mergulho nas letras se deu quando ele descobriu, ainda jovem, a poesia moderna portuguesa. Seu primeiro livro chama-se “Ensaio sobre a Pesca de Curral”, publicado em 1953. No ano seguinte, escreveu “A Cancão Inicial”. Este último marca sua liderança no círculo intelectual da capital maranhense, formado por escritores e artistas que se reuniam na Movelaria Guanabara. Deste mesmo grupo faziam parte Bandeira Tribuzi, Lago Burnett e Antonio Almeida, entre outros.

Em paralelo à carreira de escritor, o jovem José tinha uma paixão: a política. Aliás, foi ela quem o afastou, por alguns anos, de sua pena. O motivo: estava ocupando o cargo de governador do Maranhão. O retorno para a literatura, após este intervalo, ocorreu com a publicação de uma obra de contos, intitulada “Norte das Águas”, de 1969, escrita com linguagem de grande riqueza vocabular, domínio formal e saudada em todo o Brasil como uma nova vertente literária. Depois de novo intervalo, em 1978, ele voltou à poesia, com “Os Maribondos de Fogo”.

Na década de 1980, bastante envolvido com as atividades políticas do país, tendo assumido, em 1985, a Presidência da República, José Sarney continuou a escrever, embora de forma mais esparsa.

Romance

Em 1995, publicou “O Dono do Mar”, romance por meio do qual renovaria as experiências formais de “Norte das Águas”, num contexto de tempo múltiplo e forte erotismo. “O dono do mar, do mar do Maranhão, é o escritor José Sarney que o recria, em romance belo e vigoroso recém-chegado aos balcões das livrarias. ‘O Dono do Mar’ vem situar de forma definitiva o nome do autor entre os dos nossos melhores ficcionistas’, assim resumiu, à época da primeira edição do livro, o consagrado escritor Jorge Amado.

“O Dono do Mar” narra o cotidiano dos pescadores da costa maranhense, um dia a dia envolto em tempestades, mistério e sonho, o que o torna um romance sedutor, que flerta com o realismo fantástico à moda Gabriel Garcia Márquez. No livro, José Sarney conta as histórias dos naufrágios e dos náufragos, dos navios que afundaram no mar do Maranhão e que povoam as águas de fantasmas, lendas e paixões desvairadas reunindo, num mesmo caldeirão literário, tempo e memória, aventura e heroísmo.

A história de Antão, um pescador que, insatisfeito com a vida que leva, se afoga nas lembranças do que julga ser uma trajetória fracassada, ganhou os cinemas pelas mãos do diretor Odorico Mendes. O longa-metragem foi lançado em 2007.

Outro romance de José Sarney foi lançado em 2000. “Saraminda” o confirmaria como mestre do gênero, com uma escrita despojada e poética, e transferindo seu cenário para a região da fronteira do Amapá com a Guiana Francesa.

Sobre o romance, escreveu Nélida Piñon: “Saraminda, essa mulher sedutora que empresta seu nome ao último romance de José Sarney, é uma personagem fascinante. Quando está para ser leiloada antecipa-se e surge, enérgica, com apenas 15 anos, e proclama: ‘não sou de leilão, sou de Cleto Bonfin’. Ou seja, não é mulher para estar à venda. Ela mesma se negocia, selando, assim, sua sorte, sua sina, assim como a sina, o destino, da narrativa. A partir desse jogo de sedução, que envolve linguagem, personagens laterais, a comunidade do ouro e a luxúria, aquela Salomé de Caiena comanda o corpo e a alma. É dona de seu corpo a ponto de ser novamente virgem quando quer. Torna-se definitivamente um símbolo inesquecível frente ao qual as noções de bem e de mal não significam muito. Eu creio que José Sarney conseguiu algo muito difícil para um autor, que é fazer uma região mítica, buscar um território literário, popular esse território e nos convencer, nos fazer perder a descrença na história. Nós, como leitores, nos deixamos seduzir e entregamos naquele momento nosso destino estético às imposições estéticas de seu autor”.

Em seu terceiro romance, “A Duquesa Vale uma Missa”, de 2007, novamente José Sarney muda o cenário, desta vez para o eixo Rio de Janeiro-São Paulo, e também o tratamento literário dado à obra. Com o objetivo de desvendar os segredos de uma família, o autor mergulha na alma de Leonardo, um homem atormentado pelo quadro da Duquesa de Villars, obra-prima da pintura universal. Por meio de uma história fascinante que envolve o tema da falsificação, do engano e da loucura, José Sarney forjou outra obra-prima de sua trajetória literária. Com erudição, mas também fluência, bom humor, sensibilidade para o detalhe e consciência para o amplo, ele se revela um escritor em pleno domínio de sua arte, pronto para surpreender o leitor mais uma vez.

Crônica

Fora da ficção, José Sarney tem sólida carreira como cronista, tendo publicado textos em diversos jornais como Folha de São Paulo e O Estado do Maranhão, este último fundado por ele e o amigo Bandeira Tribuzi, em 1º de maio de 1973, em substituição ao Jornal do Dia.

Estas crônicas semanais publicadas em jornais foram reunidas em sete volumes e uma antologia. Escreveu grande quantidade de textos políticos, coletados em muitos livros e que constituem um repertório de seu pensamento.

Por meio destes textos, o leitor pode acompanhar o olhar atento de um espectador da história nacional. José Sarney é dono de uma linguagem clara e um estilo jornalístico interpretativo consagrado ao longo de décadas apresentando ideias de um cidadão que enxerga de perto os rumos sociais, políticos, econômicos e culturais do país em alfinetadas com estilo próprio, acompanhadas de sobriedade e coerência.

“Sexta-feira, Folha” (1994), “Crônicas do Brasil Contemporâneo” (2004. 2 vols) e “Semana Sim, Outra Também” (2006) são algumas das obras que reúnem suas crônicas publicadas primeiramente em periódicos e que, em última análise, são o registro da história atual, com elementos, fatos e estatísticas que excedem o período em que foram escritos.

Títulos

José Sarney é membro da Academia Brasileira de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, da Academia Maranhense de Letras, da Academia Brasiliense de Letras e da Academia das Ciências de Lisboa.

Também escreveu nos jornais O Imparcial, Combate, Jornal do Dia, Jornal do Povo e O Estado do Maranhão. Foi colaborador dos jornais Diário de Pernambuco e Correio do Ceará, das revistas Clã (Ceará), Região (Pernambuco), e Ilha (Maranhão), do Jornal do Brasil, de O Globo, das revistas Senhor e o Cruzeiro e da Folha de São Paulo.

É Doutor Honoris Causa das universidades de Coimbra e Moscou; Academia Dako Romana; Universitatea de Vest “Vasile Goldis” Arad, Universidade Federal do Maranhão e Universidade Estadual do Maranhão.

Recebeu, entre outras, as seguintes medalhas: Medalha Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras; Medalha José Bonifácio, do Senado Federal; Medalha do Pacificador, do Ministério do Exército; Medalha da Inconfidência; Medalha do Mérito da Cultura; Medalha do Mérito Mauá; La Médaille de La Ville de Paris.

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É Grão-Mestre e tem Grã-Cruz ou o Grão-Colar das seguintes ordens, entre outras: Ordem Nacional do Mérito; Ordem do Rio Branco; Ordem do Mérito Judiciário; Ordem do Cruzeiro do Sul; Ordem do Congresso Nacional; Ordem do Mérito das Forças Armadas; Ordem do Mérito Militar; Ordem do Mérito Aeronáutico; Ordem do Mérito Naval; Ordem do Mérito das Comunicações; Ordem da Legião de Honra (França); Ordem de Sant’Iago da Espada (Portugal); Ordem Militar de Cristo (Portugal); Orden Del Libertador (Venezuela); Orden del Cóndor de Los Andes (Bolívia); Orden de Bernardo O´Higgins (Chile); Orden El Sol Del Perú; Orden Nacional al Mérito (Equador); Ordem do Mérito da República Italiana; Ordem Orange de Nassau (Holanda); Ordem Nacional Estrela da Romênia; Sagrada Ordem Militar Constantiniana de São Jorge (Casa Real de Bourbon Duas Sicílias).

Saiba Mais

Bibliografia

· A Canção Inicial. Poesia. São Luís: Afluente, 1952.

· Norte das Águas. Contos. São Paulo: Martins Editora, 1969. 2.ª ed. Com estudo de Josué Montello, Léo Gilson Ribeiro e Luci Teixeira. Rio de Janeiro: Artenova, 1980. 3.ª ed. Lisboa, Ed. Livros do Brasil, 1980. 4.ª ed. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1993. 5.ª ed. São Paulo: Ed. Siciliano, 2001. 6.ª ed. São Paulo: Ed. Siciliano, 2003.

· Marimbondos de Fogo. Poesia. Rio de Janeiro: Artenova, 1978. 2.ª ed., Lisboa: Bertrand, 1986. 3.ª ed., Rio de Janeiro: Alhambra, 1987. 4.ª Ed. São Paulo: Siciliano, 2002.

· 10 Contos Escolhidos. Brasília: Editora Horizonte, 1985.

· Brejal dos Guajas e Outras Histórias. Rio de Janeiro: Editora Alhambra, 1985.

· O Dono do Mar. Romance. São Paulo: Siciliano, 1995. 2.ª a 11.ª edição. São Paulo: Ed. Siciliano, 1996 a 2005.

· Sexta-feira, Folha. São Paulo: Siciliano, 1994.

· A Onda Liberal na Hora da Verdade. São Paulo: Siciliano, 1999.

· Saraminda. Romance. São Paulo: Siciliano, 2000. Edição fixada. São Paulo: Ed. Siciliano, 2005.

· Saudades Mortas. Poesia. São Paulo: Editora ARX, 2002.

· Canto de Página – Notas de um Brasileiro Atento. São Paulo: Ed. ARX, 2002.

· Crônicas do Brasil Contemporâneo. São Paulo: A Girafa, 2004. 2 vols.

· Tempo de Pacotilha. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2004. (Coleção Austregésilo de Athayde, v. 20)

· Semana Sim, Outra Também (Crônicas do Brasil Contemporâneo). São Paulo: Ed. ARX, 2006

· A Duquesa Vale uma Missa.São Paulo: Ed. ARX, 2007.

· Crônicas do Brasil Contemporâneo, volume VII. Rio de Janeiro: Ediouro,2008.

· Galope à Beira-Mar. Editora Leya. 2018.



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