Um lugar tradicional

Vinhais Velho da gente simples e a descoberta de rota para o Centro

Na primeira metade do século XIX, após um pedido oficial, a igreja de São João Batista foi reerguida e, até hoje, é vista por quem passa pelo bairro; construção fica ao lado da Rua Grande, uma das referências

Thiago Bastos / O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 12h22

[e-s001]Considerado o bairro mais antigo da capital maranhense, o Vinhais Velho – cercado por localidades como Cohafuma, Recanto dos Vinhais, Maranhão Novo e outras – costuma se diferenciar dos demais bairros da cidade pelo peso histórico, tradições ainda mantidas (como aquela de se sentar na porta da rua para bater papo com o vizinho!) e, principalmente, por ter sido, no início do século XX, uma rota alternativa para quem desejava utilizar-se da navegação para chegar até o centro e outras regiões.

A referência geográfica e, principalmente, religiosa é, sem dúvida, a fixação da atual Igreja de São João Batista. Uma construção simples e protegida patrimonialmente e que, apesar do baixo luxo, carrega uma simplicidade e características únicas, com peças em estilo próprio e com proximidade a um antigo cemitério.

Para entender o começo da atual construção, é preciso voltar no tempo. Em 5 de maio de 1829, conforme cita César
Marques em “Dicionário Histórico-Geográfico do Maranhão”, a Câmara local providenciou a reconstrução de uma igreja, para ocupar o lugar da que havia até então, nos primeiros dois séculos de existência do antigo Uçaguaba (que depois passou a ser denominada de Vinhais Velho ou Vila do Vinhais). Segundo Marques, a medida era para recompor a construção que estava com os “sobrados despregados e com faltas”.

Antes disso, de acordo com datação histórica e pesquisa de O Estado, com a chegada dos franceses ao território ludovicense (em meados de 1612), foi possível – com a fixação da Missão Francesa – construir uma pequena igrejinha erguida apenas com uma grande cruz, no largo que atualmente é visto no bairro e que recebe, anualmente, diversos eventos católicos.

Era o começo do processo de catequização das pequenas comunidades indígenas concentradas às margens do atual conjunto margeado, por exemplo, pela Via Expressa (avenida que liga os bairros Renascença ao Bequimão e adjacências). De acordo com o exemplar intitulado “Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão”, de César Augusto Marques, a construção católica foi feita de palha, “pelas mãos de seus primitivos habitantes”.
Segundo a história oficial, membros da então corte francesa – representada, por exemplo, por De Pizieux e por outros integrantes da cúpula gestora – estiveram na primeira missa no local que marcou o começo da missão católica na cidade. O registro é de 20 de outubro de 1612 e a celebração foi liderada pelo padre francês Arséne de Paris, auxiliado por Claude d´Abbeville.

Depois desta primeira construção, é preciso voltar a citar César Marques e o pedido de uma nova igreja ou igreja reformada. Ela fora reerguida a partir, principalmente, do esforço da gente simples que ali residia e pela devoção ao santo que, de acordo com a tradição religiosa, é considerado um dos mais próximos de Jesus Cristo. Segundo o catolicismo, ele é
apontado como autor do batismo do filho de Deus nas águas do Rio Jordão.

A simbiose entre a fé católica e a comunidade vinhaense marcou a construção do bairro durante os séculos XVIII, XIX, XX e ainda pauta os moradores no século XXI. Inclusive a fixação das bases da religião fora essencial para a “tomada” dos índios pelos colonizadores.

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Índio do Vinhais visto como bicho
Historiadores ressaltam a importância do uso do credo católico para a fixação de ideologias que foram essenciais, segundo eles, para o crescimento do antigo bairro Vinhais Velho. O arqueólogo Arkley Bandeira, autor de “Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão”, ressalta que, nos tempos de início de colonização do bairro, havia índios remanescentes de outros pontos do Estado. “Eles [índios] eram considerados como quase bichos, sem alma. Isso era uma crença, inclusive, da comunidade católica e que serviu para legitimar o processo de colonização ali existentes”, disse o também pesquisador e responsável pelas escavações de sítios arqueológicos na região.

Foi a partir dos estudos encabeçados por Arkley Bandeira que outros pesquisadores perceberam a importância histórica do Vinhais Velho. Sobre os índios, Arkley enfatizou ainda que o colono precisava do índio pela exploração da mão-de-obra e conhecimento da região. “Os índios, pelo tempo de ocupação antes da chegada dos colonos, eram fundamentais, pois conheciam as rotas pela vegetação, sabiam onde encontrar fontes de alimentos, tinham conhecimento do clima e de outros fatores. Para o europeu, que jamais esteve por aqui, o saber dos silvícolas era fundamental”, ressaltou.

Segundo ele, é bem provável que as tribos do Vinhais Velho se estabeleceram no entorno da atual Igreja de São João Batista, na área atualmente conhecida como o largo da construção religiosa. “Como a região não registrava construções próximas e tampouco qualquer tipo de contato cível mais próximo, os indígenas por ali se estabeleceram às margens das águas e cercados por fontes naturais em abundância registradas na região há três, quatro séculos atrás”, enfatizou.

O “encontro” entre indígenas e colonos, na região, teve como elemento fundamental a Batalha de Guaxenduba, registrada no século XVII. O famoso conflito que, na historiografia oficial aconteceu no dia 19 de novembro de 1612 (iniciada às 10h e finalizada próximo das quatro da tarde) onde atualmente estão os limites da cidade de Icatu (MA) culminou com a vitória lusa contra os franceses que, apesar de terem oficialmente “descoberto” as terras, apenas se restringiram à limitação das áreas militares e proteção física dos territórios, sem preocupação com o desenvolvimento do território de forma mais massiva.

Homenagens ao padroeiro
Durante os meses de junho, a comunidade do Vinhais Velho e adjacências se dedica parte de seu tempo para a devoção a São João Batista. Neste ano, a programação coincidiu com as homenagens no dia 24 de junho, data escolhida como referência a um dos santos mais populares entre os fiéis católicos.

De acordo com o pároco da Igreja de São João Batista, Jadson Borba, a reverência ao santo é um dos momentos mais marcantes do ano para os fiéis. “Sempre as datas em comunhão com o santo são importantes. Toda a comunidade se engaja em prol de São João [Batista]. Não somente há o envolvimento de pessoas do bairro como de moradores de outras localidades”, afirmou.

Além da programação católica, como forma de reunir mantimentos para a paróquia, membros da congregação fixam barracas com venda de alimentos típicos da época junina para, com o valor arrecadado, reverter para investimentos na própria igreja. A importância atual da igreja no Vinhais Velho é a prova do valor histórico dado a uma das construções mais antigas da cidade.

A O Estado, padre Jadson Borba – que lidera religiosamente a comunidade há pelo menos sete anos e que deixará a função no próximo mês – destaca o valor memorial da igreja para a cidade. “Foi a partir de uma mobilização coletiva que a comunidade se reuniu para reerguer a unidade católica. E até hoje os seguidores são fiéis na ajuda e manutenção da construção que fideliza os devotos a São João”, disse.

Ainda sobre a história da Igreja de São João Batista, segundo a pesquisa irretocável de Arkley Bandeira, com base em vestígios escritos datados de 1964, a história eclesiástica do templo se mistura à biografia de Gabriel Margarida, um padre que costumava, séculos atrás, percorrer as ruas do Vinhais Velho e adjacências com mais de “uma meia dúzia de habitantes” para convocar o povo a participar das celebrações com uma espécie de campainha nas mãos que, com seu tilintar, chamava a atenção.

Depois do chamamento, as autoridades religiosas iam de unidade em unidade habitacional do período oferecer o confessionário e auxílio aos enfermos. À noite, o padre Margarida e seus auxiliares retornavam à igreja e repetiam o ciclo no dia seguinte.

[e-s001]Os caminhos a partir da Rua Grande do Vinhais para o Centro
O Estado
, ao pesquisar acerca da história de um dos bairros mais tradicionais da cidade, descobriu uma rota identificada por historiadores e pouco conhecida pelo público. O caminho, a partir da Rua Grande (via de acesso ao bairro) leva a uma estrutura usada para que embarcações atracassem às margens do Vinhais Velho e construíssem uma rota para a região central da cidade.

Uma das referências para se chegar à estrutura, datada de forma mais precisa do início do século XX, é seguir a atual Via Expressa (no sentido Renascença-Bequimão). Após percorrer uma passarela estreita cercada por manguezais e feita com pedras e outros materiais, é possível visualizar um dos braços do Rio Anil. Ali, as embarcações aguardavam por moradores do Vinhais Velho que, pela distância, utilizavam o trajeto para ir ao Centro Histórico.

Pesquisadores apontam que a rota era usada por vinhaenses para, ao ir ao Centro, trocar mercadorias (em especial do gênero alimentício produzido nas áreas do Vinhais) ou adquirir outros produtos. Além dos comerciantes do Vinhais, catadores de caranguejos e marisqueiros também usavam a estrutura para revender seus produtos no Centro.
Não há um nome específico para a construção simples portuária e encontrada nas cercanias do Vinhais Velho. Alguns artigos chamam de Porto do Vinhais Velho. No entanto, pesquisadores como César Marques e Leopoldo Vaz não fazem menção a esta estrutura.

O pároco Jadson Borba chamou a região de Porto do Trapiche. “Era uma rota muito usada por moradores para chegar até o Centro. Antes dela, somente era possível a partir do Bequimão, Ipase e adjacências. Ou seja, essa estrutura pouco conhecida foi também muito importante para a consolidação do Vinhais como bairro”, afirmou.

A gente simples que faz do Vinhais um bairro peculiar

Marca história da capital maranhense, o bairro Vinhais Velho carrega ainda outras tradições e aglutina moradores fiéis e que não negam o apego à terra tradicional. O Estado conversou com moradores que há décadas residem na localidade e, apesar de muitos não terem noção do valor histórico do bairro, registram um apreço ao Vinhais, a ponto de não admitirem ouvir falar mal.

O caso mais emblemático é do aposentado Olegário Batista Ribeiro, de 85 anos. Sua idade representa o quantitativo de anos em que ele está no bairro. Apesar das mais de oito décadas, o aposentado somente teve duas residências no bairro: uma em que nasceu e se criou na infância e adolescência e outra, construída há sete anos.

Seu Olegário contou quando o Vinhais Velho era apenas uma localidade “com apenas mato”, como o próprio descreve. “Aqui só tinha planta, uma casa aqui, outra ali. E mais nada. A gente usava o porto [do Vinhais Velho] para ir até o Centro pra comprar coisa pra casa. Depois voltava e caçava dentro do mato. Era muito bom, hoje nem tanto”, disse.

Com a Via Expressa, o fluxo de veículos nos arredores do bairro aumentou de forma considerável. Nem isso, segundo seu Olegário, tirou o sossego. “Minha patroa fica aqui na porta até duas, três da manhã conversando com a vizinha e ninguém mexe não senhor. Aqui é um sossego. Toda a minha vida foi aqui e minha vontade de sair é zero”, afirmou.

A também aposentada Diva Rodrigues Sá, de 63 anos, tem “apenas” uma década de Vinhais Velho. Sua casa é ao lado da igreja do bairro. Ela também elogia a localidade. “Aqui eu só sei que é sossegado. Se o senhor me perguntar da história, não sei lhe dizer não senhor”, afirmou. O auxiliar de Serviços Gerais e funcionário da Igreja de São João Batista há 15 anos, Ailson Ribeiro, de 41 anos, também é nascido e criado no Vinhais Velho. “Também sei muito pouco, mas me criei aqui e ajudo aqui a igreja a ficar arrumada para receber o povo”, disse.

O que faz você gostar tanto do Vinhais Velho?

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“É pelo sossego, pelos vizinhos antigos, pela igreja e pelas lembranças. Aqui eu me lembro de quase tudo o que aconteceu na minha vida”
Olegário Batista Ribeiro, de 85 anos

[e-s001]“Pela tranquilidade. Vim de Santa Inês para morar aqui e gostei demais. Fica bem do lado da igreja e todas as vezes que tem festa, eu participo”

Diva Rodrigues Sá, de 63 anos

[e-s001]"Por ser um local que guarda a minha história de vida, o bairro é especial por isso. E gosto de cuidar daquilo que mais amo, que é a nossa igreja"

Ailson Ribeiro, auxiliar de serviços gerais

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