Documentos confidenciais

Estados Unidos preparam processo contra Assange

Provável denúncia contra fundador do WikiLeaks, que revelou documentos secretos do governo americano, terá efeito negativo na liberdade de imprensa; o indiciamento da Justiça americana veio a público na noite de quinta-feira, 15, por meio de promotores

Atualizada em 11/10/2022 às 12h28
Foto mostra Julian Assange em embaixada do Equador em Londres, onde está asilado (Reuters)

WASHINGTON - O Departamento de Justiça dos Estados Unidos preparou uma denúncia contra o fundador do Wikileaks , Julian Assange, em uma escalada da batalha de Washington contra ele e seu grupo dedicado à revelação de documentos confidenciais de governos. Não está claro se as autoridades americanas já formalizaram as acusações contra o australiano, asilado na embaixada do Equador em Londres há seis anos.

Embora Assange não enfrente mais a acusação de estupro feita na Suécia que levou o Reino Unido a determinar sua extradição em 2012, ele desconfiava que era alvo de investigação nos Estados Unidos e argumentava que, caso deixasse a embaixada, poderia ser extraditado para lá. A acusação de estupro foi arquivada, mas o fundador do Wikileaks responde a um processo na Justiça britânica por ter violado os termos de sua liberdade condicional ao pedir asilo na embaixada equatoriana.

O indiciamento da Justiça americana veio a público na noite de quinta-feira, depois que promotores inadvertidamente citaram acusações contra Assange em um requerimento judicial que aparentemente não lhe dizia respeito. Especialista em terrorismo da Universidade George Washington, Seamus Hughes descobriu o documento quando monitorava ações judiciais e publicou o arquivo no Twitter.

Embora não se saiba exatamente a extensão da denúncia que se pretende fazer contra Assange, acusações cujo foco seja a publicação de informações de interesse público criaria um precedente e traria implicações profundas para a liberdade de imprensa. Quando divulgou milhares de telegramas diplomáticos, em 2010, o fundador do WikiLeaks os compartilhou com jornais americanos, europeus e de outros países, incluindo o Brasil. Wikileaks 16-11

"O requerimento judicial foi um engano. Não era o nome pretendido para o requerimento", destacou o porta-voz da Procuradoria americana no Distrito Leste do estado da Virgínia. O Departamento de Justiça não quis revelar o motivo da inadvertida revelação, incluída em uma denúncia recentemente aberta ao público contra crimes sexuais de um homem chamado Seitu Sulayman Kokayi.

Acusado de coagir um menor de idade a participar de atividades sexuais ilegais, Kokayi foi denunciado em agosto. Dias depois, as autoridades protocolaram documento de três páginas em que argumentavam a necessidade de manter a confidencialidade do processo. Este documento começou com referências ao acusado, mas abruptamente passou, na segunda página, a discutir o fato de alguém de nome "Assange" ter sido secretamente indiciado. O requerimento deixa claro que a pessoa citada era muito conhecida, vivia no exterior e precisaria ser extraditada. A suspeita é de que os promotores tenham colado o texto de um requerimento similar na ação errada.

"Outro procedimento que não seja o segredo (de Justiça) não vai proteger adequadamente as necessidades da acusação porque, dada a sofisticação (de meios) do acusado e da publicidade que envolve o caso, nenhum outro procedimento vai manter confidencial o fato de Assange ter sido indiciado", diz o requerimento, segundo o qual "a queixa e o pedido de prisão" devem permanecer ocultos até que Assange fosse detido por conexão com a denúncia, sem chance de fugir ou evitar a extradição.

Para responder a um processo federal nos Estados Unidos, Assange deve antes ser preso e extraditado ao país. Um percurso de múltiplos passos judiciais e diplomáticos — e um temor constante do fundador do Wikileaks. Um de seus advogados disse em outubro que ele poderia se entregar caso tivesse a garantia de não ser mandado a solo americano. O australiano é visado por investigadores americanos desde o início da publicação do que seriam milhares de documentos confidenciais de Washington. O site ganhou notoriedade quando Chelsea Manning, analista subalterno da inteligência militar americana, entregou a ele papéis secretos do Pentágono e do Departamento de Estado. O Departamento de Justiça estuda se e como acusa criminalmente Assange ou o Wikileaks desde o início do vazamento de arquivos militares e diplomáticos, em 2010.

Acusação levanta dilema

Já era público o fato de um "grand jury" — um grupo de três pessoas selecionadas para examinar a validade de uma acusação antes de julgamento — investigava elos de pessoas com o Wikileaks no distrito de Virgínia. Uma hipótese analisada pelo governo seria denunciar Assange como conspirador no caso de Chelsea Manning, condenado por divulgação não autorizada de segredos ligados à segurança nacional.

Na avaliação do "New York Times", um indiciamento apoiado na publicação de documentos de interesse público configura "criaria um precedente co, profundas implicações para a liberdade de imprensa" — independentemente de os arquivos terem sido ou não obtidos por hackers russos. Este dilema esteve no centro da hesitação do governo Obama e posteriormente do governo Trump de acusar formalmente Assange, cujas revelações foram publicadas por jornais de todo o mundo. A questão é se o trabalho do Wikileaks difere, em algum sentido, do da mídia tradicional na exposição dos documentos vazados.

A revelação do indiciamento chega no momento em que o procurador especial Robert Mueller investiga se houve elo da campanha de Donald Trump na interferência da Rússia nas eleições de 2016, que o sagraram presidente. O Wikileaks publicou uma série de documentos dos democratas no ano do pleito, roubados pela inteligência russa. Em julho, Mueller denunciou 12 russos por crimes ligados a hacking e disseminação de e-mails como conspiração para interferir no pleito. Parte do indiciamento se referia ao Wikileaks, identificado como "Organização 1".

O advogado americano que defende Assange denunciou o aparente indiciamento. Para Barry Pollack, a ação judicial é "ainda mais preocupante que a maneira casual com que foi revelada". "O governo apresentar acusações criminais contra alguém que publica informações verdadeiras é um caminho perigoso para uma democracia", analisou Pollack em e-mail enviado ao "NYT".

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