Seguro DPVAT - considerações necessárias

Aureliano Neto Juiz de Direito

Atualizada em 11/10/2022 às 13h17

Este texto expressa algumas preocupações, e, reitere-se, imensas preocupações, tendo em vista as decisões que foram tomadas pela Turma de Uniformização de Interpretação de Lei do Sistema de Juizados Especiais do Maranhão. Duas proposições aprovadas me trouxeram profundas inquietações quanto ao destino dos direitos dos jurisdicionados, beneficiários que são do seguro conhecido popularmente por DPVAT, criado pelo Decreto-Lei nº 73, de 21/11/1966, sob a denominação inicial REVOCAT, com natureza jurídica de seguro de responsabilidade civil, cujo pagamento era realizado quando o veículo era considerado culpado pelo acidente. A partir da Lei nº 6.174, de 19/12/1974, deixou de ser seguro de responsabilidade civil e passou a ter um caráter mais abrangente, com a nova sigla de DPVAT, sendo denominado de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua carga, a pessoas transportadas ou não, isso por força da nova redação que foi dada a letra "l" do artigo 20 do DL 73/66. De lá para cá, sofreu inúmeras alterações, em grave prejuízo às garantias dos interesses do beneficiário desse seguro, sobretudo pelas Leis nºs 11.482, de 31 de maior de 2007, e 11.495, de 5 de junho de 2009. Todas essas normas tiveram como objetivo retirar direitos dos beneficiários, descaracterizando o sentido desse seguro de finalidade extremamente social.

A Lei n° 11.482/2007, desde a sua vigência, em 31 de maio de 2007, fixou os valores da indenização da garantia dos interesses do beneficiário em reais, desvinculando-os do salário mínimo. Dessa data em diante, embora o valor a ser pago pelo prêmio sofra constante majoração, as quantias indenizatórias fixadas para morte, invalidez, total ou parcial, e despesas de assistência médica e suplementares não sofreram qualquer melhoria, constituindo-se, nos dias atuais, numa indenização absolutamente irrisória. Para morte, dependendo das circunstâncias, não cobre nem o funeral, caso haja necessidade de fazer traslado do corpo da vítima e realização de outras despesas. O mesmo se diga da invalidez. Quem fica com o que sobra dessa imensa fortuna que é a arrecadação do seguro DPVAT? A resposta é o silêncio tumular.

Na verdade, se é que existe uma verdade, e cada um tem a sua verdade, mas, pelo menos a verdade factual, é que o seguro DEPVAT passou a ser um seguro das seguradoras. Não é mais um seguro para atender os interesses de ressarcimento do beneficiário. Esse talvez seja um fato senão cristalino, ao menos a possibilidade de uma dura e cruel verdade.

Como juiz, tenho presenciado centenas e centenas e centenas de casos em que a seguradora, por si ou representada pela Seguradora Líder, nas sessões de conciliação, que tem natureza pré-processual, onde a lide ainda não está deflagrada, estando o beneficiário notoriamente inválido para as suas atividades laborais e para a própria vida, concitadas a pagarem o que devem, a resposta é sempre a mesma: - A nossa orientação é não pagar. Passa-se para fase processual, com o contraditório e produção de toda a prova, a decisão é dada, vem o recurso e, depois, mais recurso e mais recurso. Um verdadeiro samba do crioulo doido. E o beneficiário do seguro, como diz a humorista do programa de TV: - OH! O pior de tudo: esse mesmo critério de resistência é repetido literalmente quando se trata de morte. Nada muda. A postura é a mesma.

Enquanto não se entender que o seguro DPVAT foi criado para o beneficiário acidentado, inválido ou morto, e não para o usufruto da seguradora, vamos produzir entendimentos desses que se originaram na Turma de Uniformização de Interpretação. O primeiro estabelecendo uma condição da ação para propositura da cobrança do seguro DPVAT, consistente no requerimento administrativo prévio. Nada de novo no front. Essa tese vem se repetindo há séculos. Alguns tribunais, como o do Rio Grande do Sul (ementa a seguir transcrita), entendem que a ausência desse requerimento não impede o ingresso na via judicial. E, deve ser dito e redito, o STJ ainda não caminhou para o acolhimento dessa crueldade, nem mesmo em recursos repetitivos, quanto mais em súmula. E nós aqui, no Maranhão, à revelia de tudo, fixamos esse obstáculo. O TJRS, por sua 6ª Câmara, em recente julgamento admitiu essa posição: "Descabe a formulação de pedido ou esgotamento da via administrativa para pleitear o direito supostamente violado ou ameaçado de violação perante o poder judiciário, restando inobservada a garantia fundamental do acesso à justiça, prevista no artigo 5.º, inciso XXXV, da CF." Além do mais a questão discutida e uniformizada é de direito processual e não de direito material (repito: não de direito material!!!), afrontando o art. 89 do Regimento Interno da Turma de Uniformização.

Bem. O outro ponto controvertido da uniformização consiste no entendimento quanto à aplicação da tabela ao fundamento de que não ofende o princípio da dignidade da pessoa humano. Primeiramente, quero deixar claro que ofende. E ofende de forma brutal, porque o acidentado tem o seu corpo tabelado, para receber uma irrisória e insignificante quantia a título de suposta indenização. Por isso mesmo, o STJ, por sua 2ª Seção, ao editar a Súmula 474, que uniformiza a matéria, sequer faz referência à tabela, dizendo apenas - repito: dizendo apenas - que a indenização "será paga de forma proporcional ao grau de invalidez". E só. Nada mais.

Volto ao tema. Coloco essas questões em debate, porque não quero ser, no futuro, rotulado de ter praticado a banalidade do mal. Ou seja: cumprir ordens injustas que me são impostas de cima.

E-mail: aureliano_neto@zipmail.com.br

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