'Escutar o outro é se esquecer'

O médico psiquiatra e psicanalista Francisco Frazão descobriu na literatura a paixão pela alma humana e buscou nos estudos entendê-la.

Andressa Valadares Da equipe de O Estado

Atualizada em 11/10/2022 às 13h17
(T)

Natural de Caxias, interior do Maranhão, Francisco de Assis Reis Frazão sempre foi um questionador. Aos 14 anos, entre idas e vindas pela cidade caxiense, o médico psiquiatra e psicanalista descobriu uma biblioteca na cidade e, desde então, mergulhou no mundo da literatura, descobrindo entre livros e palavras uma paixão pela alma humana. Hoje, aos 59 anos, Francisco Frazão dedica todo o seu sucesso aos grandes clássicos e, mesmo acostumado a lidar com o sofrimento humano há quase 30 anos, vê no questionamento a máquina propulsora do mundo.

Aos 17 anos, Frazão veio para a capital maranhense concluir o segundo ano científico, atual ensino médio. Após concluir os estudos, tinha o desejo de cursar Psicologia, mas, na época, o curso ainda não era oferecido pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e acabou prestando vestibular para Medicina. No começo, a escolha do ofício foi um desafio, mas, com o passar do tempo, acabou se apaixonando pela profissão. "Nos dois primeiros anos de curso, eu pensei em deixar, pois era muito técnico. Mas, quando eu fui para o hospital e comecei a escutar os pacientes, eu me apaixonei pela medicina, já pensando em fazer psiquiatria. Concluí o curso de Medicina todo aqui no Maranhão", conta.

Ao concluir a graduação, Francisco Frazão resolveu seguir novos rumos e foi para o Rio de Janeiro em 1980 especializar-se em psiquiatria pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), passando em primeiro lugar na seleção. O tempo na Cidade Maravilhosa conquistou o psiquiatra e psicanalista, que hoje vê a capital carioca como sua segunda casa. No entanto, em 1984, ao concluir a especialização, Francisco Frazão regressou à capital maranhense, sempre com o desejo de dar a sua contribuição para o estado. "Eu nunca fui daqueles de ir para ficar, apesar de gostar muito do Rio e considerá-lo como minha segunda cidade, eu sempre quis voltar para dar a minha contribuição", destaca.

Dedicação - Há quase 30 anos na luta pela psiquiatria e pela psicanálise, Francisco Frazão também se considera um verdadeiro militante na questão da melhoria da saúde mental tanto no estado, quanto no Brasil. No decorrer de sua carreira, fez questão de trabalhar pelo Sistema Único de Saúde (SUS), especificamente no ambulatório de psiquiatria da Secretaria Municipal de Saúde (Semus). Atualmente, também ocupa o cargo de assessor técnico da Coordenação de Saúde Mental do município e possui mestrado em Teoria e Clínica Psicanalista, pela UERJ.

O florescimento da psicanálise na sua vida também foi fruto de muita dedicação. "Logo que eu entrei na psiquiatria, eu tinha dois supervisores, um psiquiatra e um psicanalista. Então eles me perguntaram: 'Frazão, por que você não faz uma análise?'. Aí, eu fui me analisar e fiquei encantado e tive a certeza de que queria ser psicanalista. Paralelamente à psiquiatria, eu comecei a estudar psicanálise e estou aqui até hoje", complementa.

Francisco Frazão também se dedica ao cuidado da criança e do adolescente. Hoje, o psiquiatra e psicanalista é um dos membros fundadores do Centro da Infância e do Adolescente Maud Mannoni (CIAMM), que completou este ano 10 anos de atendimento às crianças, adolescentes e jovens adultos, por meio de práticas interdisciplinares de tratamento orientadas pela psicanálise. Para Frazão, o CIAMM é a concretização de um sonho.

Além do CIAMM, Francisco Frazão é fundador também da seção do Corpo Freudiano em São Luís, reconhecido nacional e internacionalmente por ser um lugar voltado para a transmissão da psicanálise, com base no ensino e em pesquisas debruçadas sobre as obras de autores como Freud e Lacan.

Interesses - Apaixonado pelas palavras, Frazão sempre se interessou por línguas estrangeiras, sendo fluente em inglês e francês, o que, segundo ele, foi fundamental para a sua formação. Amante também da imensidão do mundo, o psiquiatra e psicanalista já viajou para a França, Itália e Inglaterra, sempre desejando viajar mais. "Freud dizia que o psicanalista tinha que ter uma formação muito vasta. Ser uma pessoa preparada, que se interessasse pela arte, pela religião, por tudo que era do humano. O analista tem que se interessar pelo mundo. Qualquer fenômeno do mundo a gente tem que estar lá e tem que se perguntar por que, essa é a arma do analista", assinala.

Francisco Frazão descobriu nas salas de aula uma paixão tardia. Começou a lecionar aos 50 anos e, atualmente, dá aulas na Faculdade Laboro, Universidade Ceuma, além do Corpo Freudiano. "Quem é professor aprende muito, pois você é chamado a estudar. Então, essa troca com o aluno faz você estudar, pois quando alguém te pergunta o que você não sabe você vai pesquisar. E o encontro com alunos também é muito bom, pois te renova e te estimula", afirma.

Ofício - A prática da psicanálise, para Francisco Frazão, é um eterno aprendizado. Trabalhar com o ser humano sempre será um desafio para ele. Seja com crianças, adolescentes ou adultos, a grande escola da psiquiatria e da psicanálise é o paciente. "Quando eu fui fazer meu primeiro plantão de psiquiatria, eu peguei um tapa na cara. E aí eu liguei para o professor dizendo que eu queria deixar aquilo e ele me falou: 'não! Agora você foi batizado', e desligou o telefone. E aí fui batizado mesmo", relata.

A autoanálise também o ajudou a construir uma personalidade baseada na perseverança. Ele garante que o sucesso da relação que tem com ele próprio é graças ao processo de análise pessoal. "Já fui muito cheio de conflitos e posso até dizer que a psicanálise salvou minha vida. Sou fruto da psicanálise, aposto nisso, pois a psicanálise hoje, diante dessa barbárie que a gente vive no mundo, é um espaço onde se constrói. E a gente passa a dar um novo significado para a nossa vida, saindo daquela postura de que sempre somos vítimas", assegura.

Católico e estudioso da religião, ele garante que, mesmo lidando diariamente com os conflitos e sofrimentos humanos, nunca perdeu a fé. Ainda que sob a ótica de uma outra visão, Francisco Frazão afirma que, para ele, Deus é um mistério. "Eu sou de uma época totalmente influenciada pela teologia da libertação, no qual você lia o evangelho como forma de transformação social", diz.

Literatura foi um divisor de águas

Sartre, Dostoiévski, Machado de Assis ou Ferreira Gullar. Francisco Frazão desde cedo se encantou pelo mundo de possibilidades que só a literatura pode proporcionar. Nas andanças pela biblioteca de Caxias, Frazão chegou a ler inúmeros clássicos sem ter total conhecimento do quanto isso o beneficiaria posteriormente. Essas leituras aguçaram ainda mais o desejo de entender o sofrimento humano.

"A psicanálise é a minha vida. Eu vivo a psicanálise. Mas, eu acho, também, que a literatura sempre me ajudou muito. Eu sempre fui um leitor, e os grandes escritores da literatura, de um modo geral, nos ajudam a viver, a compreender a vida", disse.

Como parte de seus projetos, Francisco Frazão está com planos de escrever um livro. No romance, histórias colhidas de anos de escuta do sofrimento humano. Segundo ele, a psicanálise escuta o que ninguém escuta. Ele afirma, também, que a grande demanda do mundo hoje em dia é falar, escutar ficou em segundo plano. "Escutar o outro é se esquecer. Se a gente não se esquece, a gente não escuta", afirma.

No entanto, lidar diariamente com os sentimentos humanos não quer dizer que Francisco não tenha os seus. Entender a alma humana chega a ser tão complexo que Frazão nunca deixará de se questionar. E a literatura como leitora da alma humana, é um divisor de águas nessa jornada. Citando Ronald Laing, Francisco Frazão reitera que os psiquiatras aprendem muito mais lendo livros de literatura do que da própria psiquiatria. "Eu posso dizer que sou um homem que pergunta. O interessante na vida é que você vai aprendendo a ter perguntas sem respostas. Esse é que é o barato da vida. E seria monótono nós termos todas as respostas", finaliza.

RAIO-X

NOME COMPLETO:

Francisco de Assis Reis Frazão

NASCIMENTO

28 de junho de 1954

NATURALIDADE

Caxias

ESTADO CIVIL

Casado

PROFISSÃO

Médico psiquiatra e psicanalista

FILIAÇÃO

Raimundo de Farias Frazão e Denise Reis Frazão

QUALIDADE

Perseverança

DEFEITO

Teimosia

ALEGRIA

Ter terminado o mestrado em psicanálise

TRISTEZA

A pobreza no Brasil

SAUDADE

Saudade do pai e da irmã, falecidos

PLANOS

Estudar e viajar mais

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais X, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.