Lia Varella: dois anos de saudades!

Heron Garcez Advogado

Atualizada em 11/10/2022 às 13h38

Pela primeira vez desde os idos de 1970 a cidade de São Luís terá um pleito local sem a concorrência da ex-vereadora Lia Varella (1934-2010), cujo falecimento completará dois anos no dia 24/07/2012. Naquela época, carregava consigo a experiência de professora alfabetizadora de jovens e adultos, fiel à estirpe das matriarcas da família Varela, que tributavam verdadeiro apostolado ao magistério ludovicense em antigo e frequentado sobrado situado na Rua Cândido Ribeiro, no Centro da nossa Capital.

Também dispunha da bagagem adquirida na Seção Judiciária da Justiça Federal no Estado do Maranhão, da qual foi funcionária fundadora, em auxílio direto a personalidades que tempos depois se destacaram como próceres do mundo jurídico nacional, quais sejam ministro Carlos Alberto Madeira (que chegou ao Supremo Tribunal Federal - STF) e desembargador federal Alberto Tavares Vieira da Silva (que chegou a presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região).

Incentivada e apoiada pelo então senador Henrique de La Rocque Almeida, Lia Varella chegou à Câmara Municipal de São Luís em 1971, tendo exercido sucessivos mandatos até 1992. Chegou a eleger-se posteriormente como suplente em algumas composições, com prerrogativa de assumir esporadicamente a edilidade, sempre leal à mesma hoste da política partidária. Durante a vereança, chegou à Presidência da Câmara Municipal por três oportunidades, sagrando-se como única mulher a ocupar o cargo até o tempo presente.

Coube-lhe, ainda, assumir interinamente a Prefeitura por duas vezes, nos anos de 1978 e 1979, passando à história como a primeira alcaide de São Luís. Nacionalmente, ficou reconhecida como a primeira mulher negra a assumir como prefeita de uma capital brasileira, fato registrado em premiada obra sobre legado de mulheres negras para a vida brasileira (Schumaher, Schuma; Vital Brazil, Érico. Mulheres Negras do Brasil. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2007, 496 p.).

Antes de Lia Varella, o único paralelo de liderança feminina local remonta à fundação do Forte de São Luís (1612), quando a rainha-regente Maria de Médici (1573 - 1642) autorizou a vinda das naus "Saint-Anne", "Régente" e "Charlote", comandadas por Daniel de La Touche, que trazia às terras maranhenses bandeira francesa em cujo dístico constava a inscrição "tanti dux femina facti" (Uma mulher guiando um feito tão grande), referência ao imorredouro verso nº 1.364 da Eneida, do poeta Virgílio.

O pioneirismo de Lia Varella como vereadora e prefeita de São Luís tem sido lembrado em diversas monografias, dissertações e teses acadêmicas sobre protagonismo de mulheres e afrodescendentes na vida pública brasileira. Recentemente, teve biografia escolhida para ser publicada no Dicionário Mulheres do Brasil - Volume II, em vias de organização pelo Projeto "Mulher 500 Anos Atrás dos Panos", parte do Programa Pesquisa e Documentação que a Rede de Desenvolvimento Humano - REDEH desenvolve desde 1997, com o propósito de contribuir com a ruptura do silêncio secular que envolve a atuação, o olhar, o corpo, o saber e a fala das mulheres na nossa história.

Às vésperas de completar 400 anos, São Luís precisará debruçar-se sobre um projeto de memória que mantenha indene e aquilatado o legado de ícones locais da política, sociedade, cultura e artes que lhe imprimiram destaque e deram-lhe contribuições. Dizia o pensador liberal Alexis de Tocqueville (1805-1859) que: "A história é uma galeria de quadros onde há poucos originais e muitas cópias". Em tempos de amor à glória e indiferença a virtudes e princípios, a trajetória da saudosa Lia Varella desponta como quadro autêntico e precioso.

E-mail: herongarcez@hotmail.com

Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais X, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.