Rio - Foi em 1985, quando fazia o seriado "Armação ilimitada", na TV Globo, que Andréa Beltrão diz ter "encontrado o seu lugar". A definição que ela dá para esse "lugar" também é a perfeita expressão da maneira como construiu sua carreira, iniciada no Tablado no comecinho da década de 80.
- Meu lugar é livre, um lugar livre - repete, entusiasmada. - A Zelda, minha personagem em "Armação", era feia, bonita, homem, Nêga Fulô, Castro Alves. Ela era tudo. Gravei pelada por semanas. Era uma liberdade total.
Foi esse "lugar livre" que permitiu seu trânsito da comédia ao drama com igual excelência. E o que lhe rendeu, esta semana, um troféu Lente de Cristal pelo conjunto de seus mais de 20 filmes, no 14° Festival de Cinema Brasileiro de Miami. Andréa - que estreou no cinema em 1984, com "Garota dourada" - também participou da mostra competitiva da mostra com "Salve geral", de Sérgio Rezende, e "O bem amado", de Guel Arraes.
Personagens maduras - Esta carioca de 46 anos, casada há 16 com Maurício Farias e mãe de Francisco, de 15, Rosa, de 14, e José, de 10, se prepara ainda para estrelar um programa ao lado de Fernanda Torres na Globo em abril. No seriado - ainda sem título -, de Cláudio Paiva e Nilton Braga, ela será Suely, mulher de 40 e poucos anos que foi abandonada no altar mas guardou o enxoval durante um tempão na esperança vã de alguma reviravolta. É, ironicamente, vendedora numa loja de artigos para noivas, e divide o balcão com Fátima, personagem de Fernanda. Fátima namora Armani, camelô que vende artigos "importados" e, casado, faz eternas promessas mentirosas de abandonar a mulher e os filhos para viver com ela.
- São duas atrizes completas e vão exercitar muito o lado dramático - promete Cláudio Paiva, que também teve uma bem-sucedida parceria com Andréa em "A grande família".
Na contramão de muitas colegas de profissão, que temem as personagens maduras, Andréa gosta da ideia:
- Eu quero ser da faixa dos 40. Minhas experiências são úteis, já sei mais o que fazer.
José Lavigne, seu primeiro diretor no teatro - no grupo Manhas e Manias, nos anos 80 -, lembra que esse amadurecimento foi batalhado:
- A primeira vez que eu a vi foi no palco do Tablado, com o uniforme do (colégio) Pedro II, de patins. Aquela menina magrinha e alta era um talento. E, além de bonita, tinha embasamento político (risos). Era a musa de todos nós. Ela virou uma das melhores da sua geração, não quis ficar presa a uma coisa de juventude eterna, mas é linda e jovial por natureza, pela sua simplicidade. Ela conquistou esse status trabalhando, melhorando. Tem todo o valor. É o tipo de profissional que não está no mundo a passeio.
A passeio? Não mesmo. Quando, depois de "Armação ilimitada", explodiu como atriz de comédia, Andréa quis partir para "algo sério".
- Fico fuçando coisas diferentes - explica. - Num dado momento, senti necessidade de me ver enfrentando um drama. Escolhi "Senhorita Júlia" (em 1991), de (August) Strindberg, um clássico dificílimo, perverso, cruel. Estreei muito mal. Foi no erro que eu aprendi. Sabia que dava para chegar lá, que eu poderia saber tocar todos aqueles instrumentos, mas era como uma música sem mixagem. Depois (em 1998), consegui me juntar com a Marieta (Severo) para fazer "A dona da História" e senti que estava chegando a algum lugar. Aí o Felipe Hirsch me convidou para "A memória da água" (em 2001). Eu era uma médica, densa, fina, cheia de lapidações. Aí, pela primeira vez, me senti confortável de verdade. E pensei: acho que agora afinei.
O esforço rendeu a virada de sua carreira. Guel Arraes, com quem ela foi casada por seis anos e seu parceiro profissional mais constante nos últimos 25 ("Trabalhamos juntos pelo menos uma vez por ano", ela diz), acha que houve um "antes e depois do teatro".
- Andréa é uma excelente comediante, e, numa segunda fase da carreira, fez só teatro, só teatro e se tornou uma grande atriz dramática também. Ela venceu este que é o desafio das comediantes, deu um salto grande. Não se pode perder nada do que ela faz nos palcos - afirma.
O amor pelo teatro é tão grande que, em 2005, ela montou o Poeira em parceria com Marieta, sua grande amiga de todas as horas:
- Todo mundo deveria ter uma Marieta em sua vida, é uma dama, sábia, justa.
Marieta devolve:
- Na Andréa tudo é grandioso. A inteligência, o talento, a generosidade, o companheirismo, a vibração com a vida. É a moleca mais séria que eu conheço.
O Poeira, segundo Andréa, traz muito prazer, mas ainda não é lucrativo.
- É sonhativo - brinca. - Às vezes a gente vai bem, quando alguma peça lota, mas em geral é dureza.
Dureza, no sentido amplo, não é impedimento para ela. Seja no caso de uma produção com orçamento restrito, seja ao encarar um papel difícil:
- Não sofro para fazer drama, embora seja muito emotiva. Adoro o lado técnico da profissão, descobrir o quanto de emoção é necessário a uma personagem, andar mais ou menos um pouquinho pra lá ou pra cá... Sem bater na tecla do piegas, o mais simples é o mais difícil mesmo. Sou uma obcecada, estudo, estudo...
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