benedito buzar
especial para o alternativo
Normalmente, quando se especula a respeito do mais importante jornalista do Maranhão, de todos os tempos, a resposta é unívoca, uníssona e unânime: João Francisco Lisboa.
Mas na mesma época em que viveu João Lisboa, outro jornalista maranhense também se destacou pela maneira como defendia as suas idéias políticas e os seus princípios morais. Nome dele: José Cândido de Moraes e Silva.
Na verdade, ele não alcançou a dimensão nacional de João Lisboa, porém, despontou na atividade jornalística com um talento inexcedível e marcou sua trajetória de vida, com pinceladas de ouro, pela intrepidez como lutou pela liberdade dos maranhenses, numa fase em que os portugueses teimavam em não reconhecê-la, ainda que a Independência do Brasil já tivesse sido declarada.
Por conta disso, audaciosamente, fundou o jornal O Farol Maranhense, pelo qual propugnava a instalação de um governo assentado no liberalismo, para vencer a tirania e o despotismo então vigentes.
Ainda que tenha sido um jornalista valente, inteligente e culto, lamentavelmente, não é muito lembrado nos dias de hoje. Merecia, pelo que fez e pelo que deixou como exemplo, uma atenção mais especial de todos nós. Em sua homenagem, portanto, ao completar ele dois séculos de nascimento, nada mais justo do que evocá-lo, até porque nasceu em Itapecuru, sendo, pois, meu conterrâneo e patrono da Cadeira nº 13, à qual pertenço na Academia Maranhense de Letras.
PRIMEIROS ESTUDOS
Na noite de 21 de setembro de 1807, data em que nasceu José Cândido, no Sítio Juçara, Itapecuru Mirim ainda não era uma vila. Fazia parte do distrito de Rosário. Filho de Joaquim Esteves da Silva, farmacêutico e português, e de Maria Querubina de Morais Rego, natural do Maranhão e de família nobre.
Tinha 9 anos, quando ele e mais cinco irmãos, todos menores de idade, ficaram sem o pai, que morava em São Luís, onde montara uma botica.Treze anos depois da morte do pai, em março de 1816,a mãe, dona Querubina, que cuidava dos filhos, também partiu para o outro mundo.
Na condição de órfãos, foram amparados pelos amigos e parentes. José Cândido ficou sob os cuidados do comendador Antônio José Meireles, negociante português, que pagou os seus estudos em São Luís. Aluno aplicado e inteligente, por conta de seu protetor, foi estudar na cidade de Havres, na França, onde ficou de 1918 a 1821, preparando-se para ser um comerciante ilustrado.
O comendador Meireles, que acompanhava os estudos de José Cândido, percebeu que ele era dotado de potencial extraordinário para as letras, por isso, mandou-o estudar medicina em Lisboa e depois na Universidade de Coimbra, onde também se dedicou à aprendizagem de grego e de matemática.
RETORNO AO MARANHÃO
Ao tempo em que estudava na Universidade de Coimbra, eclodiram no Brasil as lutas pela independência do nosso país do jugo lusitano.
José Cândido, impregnado do sentimento de liberdade, tomou a decisão irreversível de abandonar os estudos em Coimbra. A 15 de julho de 1823 deixou o porto de Lisboa com destino ao Maranhão, onde chegou a 2 de setembro de 1823, mas sem encontrar o seu protetor, que se mudara para o Rio de Janeiro, para não sofrer as represálias dos brasileiros, que passaram a hostilizá-lo por sua adesão à causa portuguesa.
Antes de viajar para a capital do país, o comendador Antônio José Meireles, recomendou ao seu guarda-livros José Gonçalves Teixeira, que iria gerir os seus negócios, para colocar José Cândido à frente do serviço de escrituração mercantil.
José Gonçalves, um português que acreditava na restauração do domínio de sua pátria sobre o Brasil, vendo que o protegido do patrão não rezava na sua cartilha, passou a desencadear contra ele perseguições de toda natureza, exigindo, ademais, trabalhos forçados e braçais, incompatíveis com a índole e a formação cultural de José Cândido, que não escondia o desejo de ver o Brasil independente e livre.
Toda aquela humilhação, que chegava ao cúmulo da agressão física, ele suportava não pelo dinheiro que ganhava, mas pelo sentimento da gratidão ao protetor, que continuava vivendo no Rio de Janeiro, mas sem saber do sofrimento de seu protegido no Maranhão. Mas como tudo na vida tem limites, depois de áspera altercação com o guarda-livros José Gonçalves, José Cândido tomou a decisão inexorável de abandonar o serviço, indo morar na casa do avô paterno, que o recebeu de braços abertos, até porque ali já residiam as suas irmãs.
A NOVA FASE DE VIDA
Em 15 de dezembro de 1823, ele resolveu retornar às plagas em que nascera. Instalou-se em Palmeira Torta, às margens do rio Itapecuru, nas proximidades do Sítio Juçara, onde montou um estabelecimento de produtos agrícolas.
Os negócios iam relativamente bem, pois dava para cobrir as despesas de sua sustentação, mas ele não se identificou com aquele tipo de vida, embora saudável e tranqüila, porém inadequada para quem tinha um espírito ardente, em que a política já pulsava de modo irresistível.
Com o falecimento do avô paterno em 1825, abandonou Palmeira Torta e retornar a São Luís, onde, em maio de 1926, estava ao lado das irmãs, que passaram a ser a preocupação de sua vida.
Aos 19 anos, tomou a decisão, para sustentar a família, de abrir, na própria casa uma pequena escola para ensinar as primeiras letras, francês e geografia, o que fazia também em residências particulares e nos quartéis, nos quais ministrava aulas para quem desejava seguir a carreira militar.
Sendo proibido de dar aulas nos quartéis, partiu para uma nova atividade: instalou um modesto internato. Para melhorar o estabelecimento, associou-se ao amigo Manuel Pereira da Cunha. Dessa união, surgiu um colégio de bom padrão, voltado, como se dizia na época, "para instrução e educação". Não demorou muito tempo, para o colégio ser um dos melhores da província, em que ele e o sócio ministravam diferentes disciplinas. Paralelamente, cuidaram também da fundação de uma modesta tipografia.
Com os recursos provenientes dos negócios montados, José Cândido e as irmãs tiveram as vidas substancialmente melhoradas. O desejo de ingressar na atividade política, sempre por ele alentado, começou a inquietá-lo e a comprometer a profissão de professor. Resolveu, então, substituir o magistério, que abraçou com tanto empenho e proficiência, pela tribuna jornalística, para dar vazão aos ímpetos de patriotismo e de defensor das causas do povo, na luta travada contra os desmandos dos presidentes que governavam o Maranhão naquele tumultuado período histórico.
Determinado a cumprir a missão de jornalista, que o destino lhe reservara, não vacilou nem mesmo quando as invectivas pessoais e morais foram assestadas contra a sua pessoa, já que eram triviais as arbitrariedades e os abusos de autoridade praticados contra os que ousavam criticar ou atacar o governo. Sem se intimidar, José Cândido partiu para a montagem de um jornal não oficial.
Em 27 de dezembro de 1827, chegava às ruas da capital da província o primeiro número de O Farol, considerado o primeiro órgão divulgador das idéias liberais no Maranhão, e que, no seu programa de ação, objetivava, entre outras premissas, combater "os excessos contra a Constituição, a liberdade, a segurança individual e a propriedade dos cidadãos brasileiros".
PERSEGUIÇÃO E PRISÃO
O Farol, na sua luta constante e tenaz contra a opressão e o autoritarismo, não perdoava os governantes que, no exercício do poder, teimavam, mesmo depois da independência, em ofender e perseguir os maranhenses pelos jornais oficiais Minerva e Bandurra.
A partir de fevereiro de 1928, o itapecuruense passou a ser alvo de irresistível perseguição, por conta do novo presidente da província, o marechal Manuel da Costa Pinto, que não via com bons olhos um órgão da imprensa difundindo idéias liberais no Maranhão.
A princípio, tentou impedir a circulação de O Farol e fechar a tipografia onde era composto. Como não conseguiu, pressionou o promotor público, Joaquim José Sabino, a mover seguidos processos contra o jornalista, sob a justificativa de que ele cometia "delitos de abusos de liberdade de imprensa". A despeito da perseguição, José Cândido conseguia ser absolvido e continuar em liberdade.
Não satisfeito e frustrado, a autoridade provincial desencadeou contra o dono de O Farol um plano de vingança, com o sentido de difamá-lo e ficar sob a mira e a ira da opinião pública. Enquanto era atacado, mais José Cândido se fortalecia politicamente e conquistava forças para continuar a defender as idéias e os princípios que elegera como importantes e fundamentais para a conquista da liberdade do povo maranhense.
Sem intimidá-lo ou fazê-lo recuar com relação às causas que considerava justas, o presidente Costa Pinto, no auge da insanidade, mandou intimá-lo a comparecer ao Palácio, para submeter-lhe a rigoroso e desumano interrogatório, que serviu de desculpa para prendê-lo, fato que fez O Farol deixar de circular e privar a família dos meios de subsistência.
Na prisão, recebeu a solidariedade dos amigos e dos que comungavam com as suas idéias, a ponto de a ele serem oferecidos recursos para fugir para Europa, proposta que recusou, pois queria ficar no Maranhão, a fim de dar continuidade à luta que abraçara com tanto destemor. Certa feita, só não sofreu sevícias na prisão, por haver se dado como doente, como realmente estava.
O maior apoio que recebeu naquela fase de prisioneiro, partiu de seu amigo incondicional Odorico Mendes, que veio do Rio de Janeiro para prestar-lhe solidariedade.
Após cinco meses de reclusão, conseguiu, afinal, ser posto em liberdade por iniciativa do novo presidente do Maranhão, o desembargador Cândido José de Araújo Viana, o Marquês de Sapucaí, no ato de sua posse, a 14 de janeiro de 1829.
O Farol, que havia paralisado a sua publicação no número 56, voltou a circular, desta feita, divulgando inclusive atos oficiais, mas sem perder o caráter de jornal de conteúdo liberal e intransigente arauto das causas brasileiras.
PARTICIPAÇÃO NA
SETEMBRADA
Com a abdicação de Pedro I, a 7 de abril de 1831, os ânimos novamente exacerbaram-se no Brasil. Em São Luís, os processos revolucionários voltaram à tona. Em 12 de setembro, os liberais maranhenses, dentre os quais José Cândido e Frederico Magno de Abranches, articularam um movimento, conhecido por Se-tembrada, com o apoio de militares e de populares, exigindo do presidente da província várias reivindicações, todas contra autoridades e religiosos portugueses.
Num primeiro momento, o presidente Araújo Viana concordou com as propostas dos liberais, tempo que ele precisava para a desforra. Em 13 de novembro, depois de preparar a tropa para o revide, prendeu os oficiais e os líderes civis que se encontravam à frente da Setembrada.
O dono de O Farol, um dos alvos da ofensiva governista, não conseguiu ser preso, porque fugiu para o interior da província, escondendo-se nas matas do Itapecuru,onde ficou até receber a cobertura parlamentar de Odorico Mendes, que o abrigou em sua residência. A partir de então O Farol deixou de ser novamente publicado.
Por julgar que a casa do fraternal amigo, não lhe dava a devida e necessária segurança, transferiu-se para a residência da viúva Francisca Teresa de Araújo Nogueira, mas ali também não se demorou, para não comprometê-la. Resolveu alugar uma casa na Rua dos Remédios, dotada de esconderijo e propício para refugiar-se, quando procurado pela polícia. Em uma das vezes, os policiais demoraram mais tempo do que o previsto. Por pouco ele não morria asfixiado.
TRISTE FIM
Em que pese ser um homem dotado de fortes convicções morais e espirituais, paulatinamente, suas condições físicas e financeiras passaram a ser dominadas pelas vicissitudes do momento.
Com efeito, seu organismo entrou em processo de definhamento, causando-lhe uma enfermidade crônica: o estreitamento da uretra, que, na ausência de maiores cuidados para debelá-la, especialmente de condições higiênicas, sobreveio-lhe uma incontrolável inflamação, cujo inexorável resultado foi a sua morte em 18 de novembro de 1832.
Tão logo a cidade tomou conhecimento de seu falecimento, a casa onde morava foi invadida por amigos, correligionários e populares, para se despedirem de uma das figuras humanas mais idealistas e de um dos jornalistas mais bravos e destemidos, que o Maranhão perdeu aos vinte e seis anos incompletos.
Deixou viúva Dona Mariana Emília da Cunha, sobrinha do Visconde de Alcântara, com quem casara a 15 de outubro de 1831. Ela era irmã de Dona Violeta, esposa de João Lisboa, que não deixou O Farol fenecer.
José Cândido de Moraes e Silva não deixou livros publicados, mas o que escreveu no seu jornal, serve, de acordo com o biógrafo Henriques Leal, para atestar que "Não houve nunca jornal que exercesse ascendente mais decidido sobre a população, nem tribuna que atraísse mais ouvintes, ou granjeasse com a sua imensa popularidade tão frenéticos e expontâneos aplausos. Podia dele dizer-se que ao seu mando a província agitava-se, palpitando todos os corações afinados pelo seu e bradando todas as vozes uníssonas; porque o seu pensamento era de todos que nele confiavam".
Benedito Buzar é
jornalista e membro da Academia Maranhense de Letras
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