Este ano, o provĂ©rbio que exalta a esperteza dos que voltam com as castanhas enquanto outros ainda se dirigem em busca dos cajus, deixou de cumprir-se plenamente, porque aquelas e estes nĂŁo compareceram com a costumeira abastança, antiga e generosa desde tempos imemoriais. Fruto nativo da regiĂŁo, e abundante nesta terra, que ressumava uberdade quando aqui aportaram os primeiros europeus, cujos olhos maravilhados proclamaram-na "bonita, agradĂĄvel e deleitosa", conforme testemunho de frei Claude d'Abbeville, o primeiro dos que aqui chegaram a louvĂĄ-la sem restriçÔes numa importante obra - HistĂłria da missĂŁo dos padres capuchinhos na Ilha do MaranhĂŁo e terras circunvizinhas, escrita em tempo recorde e publicada em Paris no ano de 1614. No capĂtulo 38 desse livro pioneiro de nossa bibliografia colonial, capĂtulo esse intitulado "Das cousas que se encontram comumente na Ilha do MaranhĂŁo e circunvizinhanças e em primeiro lugar das ĂĄrvores frutĂferas", entre cerca de meia centena de itens do gĂȘnero pacientemente arrolados, inicia a consistente nominata o caju, cujas flores o frade descreve como pequenas, avermelhadas e perfumadas, que de longe exalam seu odor muito suave. Do fruto, distingue quatro variedades, a saber:caju-etĂ©, caju-pirĂĄ, cajuĂ e caju-açu, obviamente "maior que todos os outros e Ăłtimo de gosto", com Ă©poca de maturação de agosto a dezembro e atĂ© janeiro. O perĂodo de maturação indicado por Abbeville Ă©, grosso modo, coincidente com a mĂ©dia por mim apurada durante trĂȘs a quatro anos de anotaçÔes semanais acerca da frutaria encontrada nos principais mercados da cidade, e das conversas que mantive com a gente do ramo. Tudo isso para fundamentar os meus conhecimentos relacionados com a antecipação ou tardança da estação chuvosa e ainda com a intensidade e freqĂŒĂȘncia dela, pois tudo influi ponderavelmente na florescĂȘncia das ĂĄrvores e no desenvolvimento de seus frutos, cabendo registrar que aos anos seguidos de fartura intercalam-se.algum de produção menor ou quase nenhuma. Porque vigorosas e frondentes que sejam as ĂĄrvores nĂŁo chegam a ser de ferro. O caju, que ofereceu motivo para um excelente livro de Mauro Mota (O cajueiro nordestino), que a propĂłsito do fruto, igualmente tratou da ĂĄrvore, mereceu de SimĂŁo EstĂĄcio da Silveira, navegador portuguĂȘs que aqui chegou em abril de 1619, trazendo uma leva de açorianos que dobraram a população de SĂŁo Luis e lhe permitiram organizar a CĂąmara Municipal, afirmou ser o caju superior Ă s uvas e que, de certo modo preparado, Ă© tĂŁo bom quanto
elas "na formosura e efeitos".
Mais uma palavra sobre o caju, cujo fruto Ă© a castanha, e nĂŁo seu pedĂșnculo hipertrofiado, de que sĂŁo feitos sucos, refrescos e doces. Seu perĂodo de maturação Ă©, normalmente, iniciado em setembro, mĂȘs em que tambĂ©m tem inĂcio o tempo de outros frutos, a exemplo de abiu, cupuaçu, guajeru, juçara, jaca, abacaxi, bacaba, e a quase extinta fruta-pĂŁo, que hĂĄ tempos nĂŁo tenho o prazer de reencontrar.
Todas as delĂcias enumeradas sĂŁo frutos ou infrutescĂȘncias (casos de fruta-pĂŁo, jaca e abacaxi), mas a todas elas o vulgo iletrado chama fruita, corno prova de que Ă© cioso e fiel guardiĂŁo de formas clĂĄssicas da lĂngua, pouco se lhe dando que hĂĄ muito se hajam arcaizado.
Este ano de safras regradas pela tardança das chuvas e tambĂ©m para descanso das ĂĄrvores frutĂferas, Ă s tristes noticias que nos vieram de Turiaçu, acudiu, providencialmente, o saudĂĄvel contraponto dos sabores cativantes e dos delicados odores do abacaxi ali produzido, famoso e admirado a justĂssimos motivos.
Fruto ou infrutescĂȘncia, para com mais acerto dizer, pela generalidade dos cronistas coloniais chamado o melhor do Brasil,
mereceu fartos louvores de prosadores e poetas. Entre estes, frei Manuel de Santa Maria
Itaparica, que assim lhe faz o louvor: "E sustentando c'roa levantada / Junto com a vestidura decorosa, / EstĂĄ mostrando tanta gravidade, / Que as frutas lhe tributam majestade."
Para terminar, estas duas observaçÔes curiosas de frei Francisco de Nossa
Senhora dos Prazeres Maranhão, na Poranduba maranhense. Sobre o tamarindo, disse o religioso que seu fruto é uma "vagem grossa e parda, que encerra 2 ou 3 favas rodeadas de massa pegajosa, melada e de um åcido agradåvel, a qual é detersiva, laxativa e adstringente, tempera o calor da febre, mitiga a sede, e com o åcido que tem, modera a alteração dos rumores desabalados." Quanto ao mamão, descreve-o apropriadamente e julga ter a chave para a origem do nome, afirmando que "na extremidade assemelha-se a peito de mulher, e por isso lhe chamam mamão."
Onde o frade recolheu elementos para sua informação, não estå dito.
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