COLUNA
Sâmara Braúna
Advogada criminalista especializada em Direito Penal. Conselheira Estadual da OABMA.
Samara Braúna

Don’t shoot the messenger: o que há em comum entre o juiz vaidoso, o mensageiro e a advocacia criminal?

“A advocacia criminal é consequência da vaidade judicial, mas é tratada como culpada”.

Samara Braúna

Atualizada em 24/08/2025 às 15h01

Na última semana, passei três dias entre o STJ e o STF. Foram horas dedicadas a tentar conseguir destaque em processos de habeas corpus, buscando abrir espaço para que a defesa fosse efetivamente ouvida.

A cada tentativa, percebi o quanto está difícil falar com ministros, obter atenção para os argumentos da defesa, garantir que cada caso seja visto em sua singularidade.

Foi dessa experiência vivida (e não de uma torre de marfim) que nasceu este texto.

Escrevo porque é impossível viver na pele essa dificuldade e não refletir sobre a fala do Ministro Sebastião Reis Júnior: “o juiz vaidoso julga de acordo com o direito que ele entende”.

Foi um desabafo sobre a enxurrada de habeas corpus e recursos que sufocam o STJ, mas a pergunta foi inevitável: por que tantos recursos?

A resposta é simples: porque muitos juízes não seguem a jurisprudência consolidada. Decidem conforme convicções pessoais, ora escolhendo a corrente minoritária, ora sustentando posições já superadas, ora simplesmente ignorando o que o STJ já decidiu.

E o pior: o próprio STJ contribui para essa desordem quando suas Turmas não falam a mesma língua. Quinta e Sexta Turma divergem em matérias idênticas, e os juízes de base escolhem “o direito que eles entendem”. Resultado: a jurisprudência vira um cardápio, e o jurisdicionado, a defesa e a sociedade pagam a conta dessa instabilidade.

E é aqui que o problema se agrava: Na fala do Ministro, parte da culpa também recaiu sobre a advocacia.

Dizem que recorremos demais, que insistimos em sustentações orais, que multiplicamos habeas corpus, como se nós fôssemos a causa do inchaço, todavia essa é a grande inversão.

A defesa não é causa, é consequência.

É como na história: Sócrates foi condenado à morte não porque tivesse corrompido a juventude, mas porque ousou questionar a ordem estabelecida. O problema não era ele, mas o incômodo que representava.

O mesmo acontecia nos tempos de guerra, quando o mensageiro que trazia más notícias era morto. Ele não era a causa da derrota, era apenas o portador da consequência. Tanto que essa prática gerou uma expressão que atravessou séculos: don’t shoot the messenger (não mate o mensageiro.).

Assim também acontece conosco: a advocacia criminal é consequência da vaidade judicial, mas é tratada como culpada.

E o pior é ver que a advocacia não é apenas vilanizada, é também punida.

O STJ, em vez de enfrentar a raiz do problema, ergue muros contra a defesa. Restringe habeas corpus, cria filtros cada vez mais duros, dificulta sustentações orais, cala advogados em sessões virtuais e reduz vidas a julgamentos em bloco, como se cada processo penal não fosse uma biografia, um destino humano.

Essa postura não atinge juízes nem promotores. Atinge a advocacia e, sobretudo, atinge o cidadão que deveria ser protegido pela Constituição.

Mas há um outro caminho: recentemente, vivi um julgamento em que dois magistrados, de sólidas formações e vaidosos no zelo, não no ego, mudaram seu posicionamento diante da jurisprudência do STJ. Eles pensavam diferente da minha tese, mas foram humildes para reconhecer a força do precedente do STJ. E não apenas seguiram a Corte Superior, mas também construíram uma decisão que foi uma verdadeira aula de Direito Penal e de Justiça. Provaram que seguir precedentes das Cortes Superiores não diminui a autoridade do juiz; ao contrário, a engrandece.

É disso que precisamos! De juízes que compreendam, como disse o já saudoso Frank Caprio, que “não estão ali apenas para punir, mas para fazer justiça. E justiça se faz com dignidade, muitas vezes conhecendo a pessoa que está diante deles”.

Se quisermos reduzir a avalanche de recursos, não podemos continuar culpando a advocacia. O problema não é a defesa que recorre. O problema é o juiz que decide com o direito que ele entende e o STJ que não fala com uma só voz.

A defesa, não queima a segurança jurídica, é apenas a fumaça e enquanto houver fumaça, haverá advogados dispostos a apontar onde está o fogo.

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Sâmara Braúna 

Advogada há 24 anos, criminalista, especialista em liberdade, garantias constitucionais, em violência de gênero e crimes sexuais. Pós-graduada em Direito Penal. Conselheira Estadual OAB/MA. Representante da OAB/MA no Comitê de Politicas Penais do Estado do Maranhão. Membro da Comissão Especial de Estudo do Direito Penal do Conselho Federal da OAB.


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