O Novo “Passa a Boiada”? Licenciamento Ambiental em Risco
Às vésperas de sediar a COP 30, o Brasil escolhe enfraquecer um dos seus principais instrumentos de proteção do meio ambiente.
Seria difícil acreditar, não fosse verdade. Às vésperas de sediar a COP 30, o Brasil escolhe enfraquecer um dos seus principais instrumentos de proteção do meio ambiente: o licenciamento ambiental. Pode parecer surreal, mas é exatamente isso que faz o Projeto de Lei nº 2.159/2021, aprovado pelo Senado Federal.
Uma leitura atenta revela, sem esforço, que estamos diante de um novo "passa a boiada", desta vez transformado em lei. Uma decisão que consolida, sem disfarces, um dos maiores retrocessos socioambientais da história recente do país.
O eixo central da mudança é a criação da chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC). Na prática, isso significa que o próprio empreendedor declara, por sua conta e risco, que está em conformidade com a legislação ambiental. A fiscalização? Apenas por amostragem. E aqui cabe uma pergunta que o texto não responde: quais são os critérios para essa amostragem? Quem define? Com base em quê?
O problema se agrava quando o projeto introduz outro mecanismo igualmente preocupante: a possibilidade de renovação automática de licenças ambientais, mediante uma simples declaração de que “nada mudou”. Na prática, isso elimina uma das etapas mais relevantes do processo — aquela em que os técnicos dos órgãos ambientais avaliam se as condicionantes foram de fato cumpridas.
Como se não bastasse, o PL fragiliza o papel de instituições que são pilares da proteção ao meio ambiente no Brasil. O ICMBio, Funai e Iphan passam a ser meros órgãos consultivos no processo de licenciamento. Suas manifestações deixam de ter caráter vinculante, ainda que apontem riscos ambientais, culturais ou sociais evidentes.
Curiosamente, opta-se por justificar a aprovação do PL com base na suposta morosidade provocada pelo “número de licenciamentos estratégicos travados”, como reiterado em discursos e matérias oficiais que defendem a pauta. Mas é preciso dizer com todas as letras: essa narrativa não se sustenta. Grande parte desses processos não está “travada”, e sim em análise, com pendências documentais, ajustes técnicos ou exigências não cumpridas pelos próprios empreendedores.
Se o mesmo esforço retórico fosse aplicado na divulgação do “quantitativo de conflitos socioambientais não solucionados”, ou ainda no “alarmante número de crimes ambientais registrados no país”, talvez o debate fosse mais transparente, aderente e equilibrado à realidade brasileira.
Os riscos não são abstratos. São concretos. E não apenas ambientais. São também jurídicos, econômicos e sociais. Ao reduzir o controle, o país abre caminho para mais conflitos socioambientais, insegurança jurídica, aumento da judicialização, contestações internacionais e, claro, mais degradação ambiental (elementos destacados em nota publicada Ministério do Meio Ambiente1).
O que este país enfrenta, é um déficit estrutural de fiscalização, de valorização da qualificação técnica e de orçamento para os órgãos ambientais. Sim, é necessário aperfeiçoar os fluxos, reduzir a burocracia excessiva, estabelecer os prazos e modernizar os procedimentos de análise e de elaboração de estudos ambientais. Contudo, flexibilizar não é solução — é, na prática, aprofundar o problema.
Em vez de retroceder, poderíamos — e deveríamos — investir na modernização da estrutura dos órgãos ambientais, com capacitação de seus quadros técnicos, adoção de tecnologias de ponta, ampliação da transparência e fortalecimento da participação social. É urgente incorporar instrumentos mais eficazes, como as Avaliações Ambientais Estratégicas (AAE), articuladas ao planejamento territorial e estratégico, capazes de promover uma análise integrada dos impactos cumulativos e sinérgicos, subsidiando decisões tecnicamente qualificadas.
Em nota1, o Ministério do Meio Ambiente alerta que o PL 2.159/2021 representa um grave retrocesso, ao fragilizar a proteção ambiental, excluir a análise de impactos indiretos e permitir a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) até para atividades de médio impacto, sem exigência de estudos prévios. O projeto desarticula o SISNAMA, enfraquece o papel do ICMBio e viola princípios constitucionais e tratados internacionais. Além disso, ignora a crise climática e amplia os riscos de insegurança jurídica, judicialização e aumento dos conflitos socioambientais no país.
Saiba Mais
As opiniões, crenças e posicionamentos expostos em artigos e/ou textos de opinião não representam a posição do Imirante.com. A responsabilidade pelas publicações destes restringe-se aos respectivos autores.
Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais X, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.
+Notícias