Unidos por Barrabás
Era 4 a.C quando o rei da Judéia, Herodes, o Grande, morreu. Tensões políticas e descontentamento generalizado marcam aquele momento nas regiões da Judeia comandadas por Roma.
Era 4 a.C quando o rei da Judéia, Herodes, o Grande, morreu. Tensões políticas e descontentamento generalizado marcam aquele momento nas regiões da Judeia comandadas por Roma.
O cenário era fértil para disputas pelo trono e a aparição de vários autodeclarados reis com ares messiânicos e promessas de libertar Israel.
Atsina, pastor judeu foi um de tantos. O líder carismático se valeu do momento e se declarou rei dos judeus, arrematando por um tempo, juntamente com seus irmãos, vários seguidores, até ser morto pelos romanos.
Na mesma época Simão de Peraea, escravo do rei que também se declarou rei dos judeus. Foi morto pelos romanos.
Engrossa a fila dos falsos Messias Judas, o Galileu. Ele fundou um movimento nacionalista e teocrático que rejeitava a autoridade romana e o pagamento de impostos a César, pois considerava que Deus era o único rei legítimo de Israel.
Todos se igualavam em uma mesma característica, falsos profetas que se anunciavam o pressagiado rei de Israel.
Aos olhos da maioria da população judia, depois de recorrentes episódios falidos sobre a promessa messiânica, categorizar eventual próximo autoproclamado como falso profeta era mais fácil para qualquer cidadão. E evidentemente menos esforço cognitivo se teria ao se concordar com essa conclusão.
Era muito mais confortável catalogar o novo candidato como falso profeta e condená-lo à morte que arriscar tirá-lo da categoria dos blefadores e aceitar que Jesus, dentre outros candidatos, fosse realmente o Messias. Barrabás teve essa sorte naquela época.
Mas será se após 2 mil anos nossa capacidade de julgamento e tomada de decisão mudou?
Estudos recentes de neurociência, etologia e psicologia cognitiva dão conta cada vez mais de que nossas tomadas de decisão e julgamentos são impulsionadas em uma média de 90% pelo inconsciente. Desde os gestos mais simples, como escovar os dentes, até os mais complexos, como o investimento em uma previdência privada ou compra de ações.
Daniel Kahneman, prêmio Nobel de economia de 2002, tem laborioso trabalho sintetizado em sua obra Rápido e Devagar para mostrar que existem gatilhos mentais chamados vieses que nos fazem tomar decisões e julgamentos por impulsos mentais falsos que destoam de uma decisão mais racional e sensata. E sequer sabemos que fomos influenciados por eles.
O viés de disponibilidade carrega uma parcela dessa culpa.
Cuida-se de uma tendência de conferir mais probabilidade de acontecimentos e julgamentos para situações que são mais fáceis de serem recrutadas do cérebro.
Basta assistir um filme de terror e ficar com medo de ir na sala com a luz apagada e avistar uma silhueta escura ou comentar sobre os recentes acidentes de avião e aumentar intuitivamente a estatística de acidentes dessa natureza e o medo de viajar neles.
Assim, taxar alguém de falso profeta não era lá esse esforço cognitivo todo. Já estava mais disponível no cérebro que interpretar os novos eventos como algo inédito.
Outro viés sentado no banco dos réus é a nossa capacidade evolutiva de categorizar tudo. Isso mesmo. Catalogar tudo dentro de grupos e características num viés que pressupõe que todos ali inseridos apresentam o mesmo perfil.
Como forma de garantir uma interação mais eficiente com o mundo, o cérebro categoriza tudo que vê para pressupor desde logo se aquilo representa ameaça ou não.
Assim, categorizamos frutas, animais, pessoas e até estações do ano como medida catalisadora de convivência com os elementos do mundo. Não precisamos arriscar a vida para saber que um fofo urso polar branco pode nos devorar em pouco tempo. Ele está categorizado no rol dos animais selvagens.
Esse viés reputo um dos maiores males necessários para as sociedades atuais, pois o exercício dessa cativa habilidade pode ser também a semente das discriminações e julgamentos antecipados que permitiram a Barrabás voltar para casa no dia em que Jesus foi crucificado.
Agora coloque na sacola todos esses impulsos inconscientes e adicione o chamado efeito manada nos comportamentos sociais.
Esse mesmo, o efeito manada é um mecanismo involuntário adotado por nós como forma de aceitação social e, na visão reversa, o medo da rejeição, somados à facilidade de se decidir com os caminhos sinalizados pelos outros.
A pergunta, portanto, é: quando você escuta alguém ser acusado de racismo (discriminação por raça), misoginia (ódio contra as mulheres), etarismo (preconceito com idoso), corrupção, heresia ou estupro seu cérebro automático procura ouvir os argumentos de defesa do acusado para fazer um juízo mais equilibrado ou já o categoriza entre os faltos profetas, pressupondo nele todos os vícios e mazelas da categoria que inconscientemente você o inseriu para condená-lo a morte?
Não é novidade nenhuma que de 2 mil anos para cá nossa capacidade prematura de julgamento permanece a mesma, ou até pior. O que é novidade agora é que os avanços virtuais de hoje nos permitiram ir além de opiniões compartilhadas entre rodas de amigos e nos munem de açoites sociais que punem a tudo e todos antes de qualquer direito de defesa.
E o mais perigoso ainda não é isso. É que esse contágio do inconsciente não tem como vítima – ou algoz – somente os especialistas de plantão de redes sociais, mas lamentável e principalmente as instituições reais que mais deveriam se aproximar do que efetivamente seria o conceito de justiça.
No livro Subliminar, Leonard Mlodnow demonstra vários estudos que, em última análise, comprovam o quanto em um processo de tomadas de decisões e julgamentos, primeiro desejamos, depois usamos os argumentos cognitivos para chancelar o que queremos. Primeiro a crença, depois a evidência.
Assim, desejar condenar os candidatos à libertação dos judeus nos idos do primeiro século era exatamente o resultado de vários vieses que sequer tínhamos conhecimento. Talvez por isso Jesus tenha ficado calado no julgamento. A querência já estava formada. O resto era arquitetura de evidências.
21 séculos depois, Barrabás talvez tivesse a mesma sorte, se fosse colocado do lado oposto a todo prematuramente condenado. Não só contra Jesus, mas em qualquer mesa de julgamento.
Afinal de contas negligenciamos que a condenação do outro é apenas um anestésico para não enxergarmos em nós pecados diferentes.
Mas sempre, Unidos por Barrabás.
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