COLUNA
Hertz Dias
Hertz Dias professor da rede municipal de São Luís e dirigente do PSTU.
Hertz Dias

O Último Mergulho

A tragédia da Ponte de Estreito, a caduquice do parlamento brasileiro e a decadência do capitalismo

Hertz Dias

Na última terça-feira, 07-01, a Marinha do Brasil deu o mergulho final na tentativa de resgatar os últimos três corpos das 17 vítimas do desabamento da ponte Juscelino Kubitschek, conhecida como Ponte de Estreito, que liga o Maranhão e o Tocantins. A tragédia aconteceu no dia 22 de dezembro de 2024 e as buscas foram suspensas para a abertura das comportas da barragem da Usina Hidrelétrica de Estreito. As mesmas poderão ser retomadas, mas as possibilidades de que esses corpos sejam encontrados é cada vez mais remota, segundo a própria Marinha do Brasil. 

Se foi extremamente difícil confortar os familiares daqueles que puderam enterrar os seus entes, avaliem-se aqueles que veem essa possibilidade cada vez mais distante? Agora, agregue-se tudo isso à constatação de que essa tragédia foi anunciada, denunciada centena de vezes por dezenas de pessoas  e nada, mas absolutamente nada, foi feito para evitá-la. É preciso ser tão desumano quanto os seus responsáveis para encarar esse fato como incidente ou fatalidade. 

Jairo Silva Rodrigues, único sobrevivente, perdeu a filha, Cecília Tavares Rodrigues, de 3 anos, e a esposa, Cássia de Sousa Tavares, de 34 anos. Ou seja, o único sobrevivente desta tragédia “morreu” duas vezes. Isso, sem contar três pessoas de uma mesma família- pai, mãe e filha- que viajava de Dom Eliseu (PA) com destino a São Paulo (SP) e perderam suas vidas nessa tragédia. 

O diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Fabrício Galvão, do Republicanos, chegou a dizer “Eu entendo que o Dnit é o responsável pela queda dessa ponte. O Dnit precisa apurar para entender o que aconteceu”, mas não explicou porque a Ponte caiu e por que não fizeram nada. Parece que matar no Brasil se tornou uma coisa tão natural e banal, principalmente quando quem mata são aqueles que deveriam preservar vidas. 

A Ponte de Estreito desabaria, essa era uma certeza irrefutável; pessoas seriam mortas, outra certeza sem margem para milagres. Tudo seria questão de tempo, um tempo breve, um logo ali, um piscar de olhos. E ela veio abaixo no momento em que um vereador de Aguiarnópolis-TO estava gravando um vídeo mostrando as rachaduras e a iminência de a ponte desabar. Mais grave ainda é saber que o Dnit tinha em mãos um relatório de 2020 que havia identificado 19 tipos de danos estruturais na ponte, com fissuras em 14 dos 16 pilares. Isso mesmo, só dois pilares não estavam fissurados. A situação era considerada ruim e o desabamento tão certo quanto dois mais dois, igual a quatro, mas nada foi feito. 

Momentos depois da ocorrência dessa tragédia, para o local se deslocaram dezenas de abutres engravatados, representando o governo Lula, os governos dos estados de Tocantins e Maranhão ou a si próprios, seus mandatos, seus partidos, porém mais preocupados com os holofotes midiáticos do que com a dimensão do crime que cometeram ou, na melhor das hipóteses, ajudaram a cometer. É como se essas mortes, que eles chamam de natural, não tivessem responsáveis. Mas, estamos falando de uma tragédia tão previsível, quanto evitável, enfatize-se. 

Das 5.827 pontes federais existentes no Brasil, 726 pontes encontram-se em estado de manutenção ruím ou crítico. Isso é ou não é uma ameaça de morte? Será que podemos mesmo chamar essas mortes de “mortes naturais”, se as mesmas poderiam e podem ser evitadas? 

Porém, se no Brasil pontes matam, tragédias enriquecem. Daí que o principal anúncio do ministro dos Transportes do Brasil, Renan Filho (MDB), foi a liberação imediata de 172 milhões, sem licitação, para reconstrução da ponte. Um consórcio formado pela Construtora A. Gaspar S/A e Arteleste Construções Limitadas abocanhará esses recursos, que representam 160 milhões a mais do que seria necessário para reformar essa mesma ponte e preservar as 17 vidas perdidas. Antes do desabamento, a empresa Matera Engenharia, foi contratada por R$ 3,6 milhões para fazer a manutenção da ponte que desabou. Diante disso, o mínimo que o presidente Lula (PT) deveria fazer seria demitir Fabrício Galvão, Renan Filho e estatizar todo esse setor, em vez de alimentá-los com mais  verbas públicas. 

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Mas, se a dor dos familiares dos mortos é imensurável, a canalhice desses abutres é incomensurável. Enquanto a Ponte de Estreito “gritava” pra não desabar, a batalha que a maioria desses parlamentares travavam era para desbloquear “emendas parlamentares”, o maldito orçamento secreto, uma excrecência politica criada para preservar currais eleitorais e engordar as contas bancárias dessa gente. A cruzada que eles faziam pelo dinheiro publico não era pelo bem comum, pela vida, pela prevenção de acidentes e tragédias anunciadas, mas pra fazer politicagem. 

Em 2023, os estados do Maranhão e Tocantins estavam entre os quatro que mais receberam verbas dessas emendas. Isso mesmo. O Maranhão foi o 2º da lista com R$ 277,2 milhões, e Tocantins o 4º, com R$ 185,6 milhões recebidos. O único critério para destinação dessas verbas é o politico. Recebe mais quem é da base do governo, do presidente do Câmara e do Senado. Ninguém sabe ao certo o paradeiro dessa dinheirama, pois eles não são obrigados a prestar contas. De acordo com o portal do G1, dos R$ 277,2 milhões recebidos pelo estado do Maranhão, apenas 1 milhão, até a data da publicação da matéria, tinha destinação certa e declarada. Dá pra ver que, desses mais de R$ 460 milhões recebidos pelos dois estados, nada foi destinado, efetivamente, para reparar as fissuras dos pilares da Ponte de Estreito. 

Mas esses parlamentares ainda têm a cara de pau de dizer que isso legal. Ora, é legal porque é uma legislação criada por eles e para eles, tal como o senhor de escravos legislava em causa própria para manter a escravidão. Mas, assim como a escravidão foi considerada um crime de lesa-humanidade, o orçamento secreto deve ser considerado um crime de “Autoria Conjunta”. 

No caso da tragédia de Estreito trata-se de um homicídio doloso, quando existe intenção de matar. Não necessariamente porque eles desejassem matar aquelas pessoas, mas porque entre salvar vidas e preservar o orçamento secreto, a segunda opção não só falou mais alto, como gritou ensurdecedoramente! Não é mera coincidência o fato de que quase todos os parlamentares brasileiros têm, por trás de si, um Instituto ou uma ONG para ajudar a “lavar’ essa grana proveniente dos nossos impostos. 

Por último, e não menos importante. Esse caso demostra, inequivocamente, que só os trabalhadores organizados podem dar jeito neste país. Ora, se a burguesia e seus parlamentares não conseguem resolver um problema tão simples, mas, ao contrário, o transformam em tragédia, como resolverão os problemas mais graves que os trabalhadores brasileiros enfrentam cotidianamente? Crer nisso seria tão ingênuo e infantil quanto entregar a guarda de um galinheiro a uma raposa. 

O caso de Estreito, se visto isoladamente, não passará de uma triste exceção de tragédias ocorridas em território brasileiro, mas se for concatenado a outras tragédias com a de Brumadinho, Mariana, as enchentes de Porto Alegre, a destruição da Mata Amazônica e do Cerrado e tantas outras, logo perceberemos que esses pontos formam uma reta que segue na mesma direção, a da irracionalidade e decadência do Capitalismo. Daí que a segunda conclusão é que essa forma de organização social precisa ser superada. 

Aproveitamos para deixar os nossos mais sinceros sentimentos aos amigos e parentes de todos os mortos e desaparecidos.

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