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Coluna do Sarney
José Sarney é ex-presidente da República.
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O Brasil precisa de democracia

No campo dos direitos e das garantias temos uma desigualdade muito avassaladora.

José Sarney

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A ideia de Jefferson de que todos os homens são iguais e detentores de direitos inalienáveis gerou a essência da primeira constituição francesa, concentrada na declaração universal dos direitos do homem; a de Lincoln, o governo do povo, pelo povo e para o povo, formara a base da constituição de Madison, que logo viu que lhe faltava a “bill of rights”. 

Postas estas vertentes, a democracia se solidifica em Estado, e Estado de Direito, em que prevalece o regime da lei e não o do homem. Mas a palavra é frágil — e essa é a sua força: cabe aos homens, a cada dia e a cada instante, evitar que essa ideia seja distorcida, fazer com que esse “verbum” seja cumprido. 

Quando, em 1985, assumi a Presidência, num momento dilacerante de grandeza e sacrifício de Tancredo Neves, a Constituição em vigor tinha um razoável capítulo de direitos e más regras de formação do Estado, mas faltava o cumprimento das garantias básicas e o exercício das rotinas democráticas. Antecipando a nova Constituição, pude restabelecer várias liberdades: de expressão, de imprensa, de manifestação política e sindical, de voto, entre outras.

Convoquei e garanti a Constituinte, que criou excelentes textos de garantias de direitos, mas um sistema de governo, uma estrutura de Estado projetados dentro dos parâmetros que haviam falhado por quase cem anos: um presidencialismo dito federativo baseado em práticas eleitorais espúrias. 

Pela excelência de alguns homens públicos, a Democracia — palavra mais adjetivada que menos precisa de adjetivos — tem sobrevivido nesses 36 anos. E enfrentado diuturnamente uma multidão de atentados de que foi e é vítima. 

No campo dos direitos e das garantias temos uma desigualdade muito avassaladora. A demonstração de situações factuais poderia se estender de maneira enciclopédica, mas basta lembrar o reconhecimento, pelo STF, de um “estado de coisas inconstitucional”, no caso dos presídios; ou nossa persistência na primazia mundial das mortes violentas; ou a continuada fome num país que se gaba da produção de alimentos. 

Na vertente da estrutura do Estado reconheçamos a situação de crises que se alonga na história do País. O Poder Executivo, manietado em sua capacidade de agir por situações tópicas — orçamentárias, legais etc. — também o é por ser, com raras exceções, contramajoritário e, sempre, desprovido de uma estrutura efetiva. A própria federação é uma ficção pesada e antifuncional. 

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O Poder Legislativo, baseado numa forma de eleição que dá todas as vantagens aos interesses corporativos, eliminando a viabilidade de partidos programáticos com estrutura democrática e capacidade majoritária, tornou-se um território por onde só muito raramente se debate o interesse público e a busca da justiça social.

O Poder Judiciário enfrenta um número agigantado de processos, contrastando com a possibilidade de justiça expedita — isto é, axiomaticamente, de Justiça. 

Mas a democracia é persistente. Ela é uma ideia e, portanto, difícil de matar, difícil de morrer. Podemos ter governos mais ou menos eficientes; podemos ter homens públicos melhores ou piores, mas a ideia de que todos e cada um devemos ter parte no Estado, a ideia de que devemos ter um Estado, a ideia de que somos todos iguais, a ideia, que combina todas essas — repetindo ainda Lincoln —, do governo do povo, pelo povo e para o povo é imortal.

O Brasil precisa urgentemente renovar sua estrutura democrática e avançar na efetivação dos direitos e das garantias estabelecidos na Constituição. Para avançar na justiça social precisa implantar uma democracia representativa de fato. Acabar com o voto proporcional uninominal, de fato responsável, entre nós, pela dizimação dos partidos programáticos — os únicos legítimos. Acabar, ao implantar o voto distrital com listas, com a inundação de dinheiro que anula as ideias e privilegia o espetáculo. Acabar com o corporativismo na política, efetivamente vetando a participação dos que têm interesse em jogo nas decisões legislativas ou executivas. 

Depois de corrigida e consolidada a representação parlamentar, o Brasil deve implantar o parlamentarismo, o melhor sistema de governo, cuja experiência parcial no Império foi bem superior à do longo e desastroso ensaio presidencialista.

A democracia é o único caminho para o grande objetivo da sociedade humana: a justiça social, a aliança de todos para a proteção de cada um. O Brasil precisa de Democracia. 

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