COLUNA
Ibraim Djalma
Ibraim Djalma é procurador federal
Ibraim Djalma

O Suplício de Tântalo e o pente fino no INSS

Na mitologia grega, Tântalo era rei da Frígia, filho de Zeus e da princesa Plota.

Ibraim Djalma

Na mitologia grega, Tântalo era rei da Frígia, filho de Zeus e da princesa Plota.

Gozava do privilégio de sentar-se a mesa dos deuses por ter-lhes conquistado sua confiança, compartilhando de suas conversas e segredos mais íntimos.

Valendo-se disso, resolveu ousar testando a divindade dos deuses ao roubar-lhes o néctar e a ambrosia da imortalidade exclusivas do Olimpo (a casa dos deuses) e oferecer-lhes carne do seu filho primogênito em um banquete, após tê-lo matado.

Os deuses, oniscientes, descobriram e ficaram furiosos, condenando-o exemplarmente a um eterno suplício de fome e de sede.

Lançado ao Tártaro - um vale abundante em vegetação e água - Tântalo tinha disponível ao seu redor uma farta gama de alimentos e água, mas ao se debruçar para beber, a água baixava e desaparecia. Por cima da sua cabeça pendiam ramos de árvores com frutos saborosos, mas ao tentar pegá-las, o vento as retirava do seu alcance.

A mitologia grega tem muito a nos acrescentar. Seus contos guardam essências que moldam o comportamento humano - às vezes em perspectiva individual, outras em um viés coletivo - traduzindo metaforicamente muitas hipóteses das condutas do homem e a forma como enfrenta seus desafios e paixões.

A Súplica de Tântalo nos dias atuais agora é reencarnada na realidade da previdência social no Brasil e suas recorrentes buscas por melhorias, acompanhadas logo em seguida de uma contumaz e indesejada desesperança.

Ao longo dos tempos, a Previdência tem adotado diversas formas para buscar solução financeira para a manutenção do regime - reformas constitucionais, minirreformas administrativas, planos de ações fazendários e medidas revisionais -, resgatando por um breve tempo a esperança de sua saúde financeira, tal qual Tântalo o faz ao tentar beber a farta água ao seu redor.

Na prática, o INSS tem reforçado a política de revisão dos seus benefícios - o famoso pente fino - com projeção de ter uma economia de 30 bilhões de reais em 2025. Isso inclui revisão o Benefício Assistencial ao Idoso e Deficiente, benefícios por incapacidade, além de outros programas de pagamento mensal.

A medida é mais que louvável, já que a premissa básica da previdência social é pagar a quem efetivamente possui direito e não servir de suporte de renda a quem pode ainda trabalhar e produzir riqueza. O que deveria ser de toda política pública, já que os pagamentos indevidos são futuramente suportados pela própria sociedade.

Trata-se de um programa de revisão que já deveria existir desde que a Previdência foi criada em 1960 e seguir permanente até os dias de hoje.

Mas o pente fino deve existir somente na previdência social?

O problema surge quando todo esse percurso adotado pelo INSS negligencia os reais motivos pelos quais a água do Tártaro baixa sempre que Tântalo precisa bebê-la, fazendo com que a desesperança reine novamente quando o assunto é sustentabilidade do regime previdenciário.

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E essa negligência está na falta de percepção de que todo esforço revisional autárquico será em vão se outros mecanismos de gastos públicos de cifras também bilionárias não forem da mesma forma objeto de pente fino.

Sem aprofundar sobre o debate acerca da sutil, porém, impactante reconfiguração do papel dos Poderes na sociedade, uma notícia de repente anestesia qualquer empolgação pelo acerto das contas públicas na previdência: o crescente aumento em cifras bilionárias de emendas parlamentares a cada ano.

Trata-se de um instituto criado para que os parlamentares participem da destinação das verbas públicas genuinamente controladas e geridas pelo Poder Executivo.

Para este ano de 2024 a previsão é de pagamento de R$52 bilhões em emendas parlamentares. 08 bilhões em emenda pix, aquela de transferência simplificada e cujo destino está a critério dos Municípios e Estados, e sabe-se lá como é feito o controle e a transparência desses valores que sensivelmente poderiam arranjar a previdência ou pelo menos fazer valer os atos de contenção anunciados pelas revisões de benefícios.

Na prática, o Poder Legislativo estagia nas antessalas do Poder Executivo destinando verbas de seus interesses ao país afora, com mecanismos de controle que têm gerado animosidade, conferindo credenciais eleitoreiras aos parlamentares, para além de um destino financeiro pulverizado por discursos calorosos de democracia, participação orçamentária ativa, estado de direito e toda sorte de conceitos vagos sobre os quais se regozijam aqueles que ocupam o lugar de fala. E de ação.

Nesse panorama, em paralelo a esse mar de eufóricas destinações financeiras de emendas parlamentares, cuja lei de parceiras as isenta de chamamento público – art.29 da Lei n.13.019/14 – paira a certeza de que, do outro lado, o pagamento de benefícios assistenciais e previdenciários garantem em concreto um mínimo de renda a milhões de famílias. Ou seja, uma despesa palpável.

Daí, portanto, surge uma necessidade dupla de pente fino pelo INSS. Tripla, na verdade.

A de que seus benefícios devam ser canalizados somente aos que realmente possuem e mantém o direito, além da ostensiva revelação de que se trata de gasto público bem mais concreto e evidente que outros caminhos percorridos debaixo de escaladas argumentativas, que seguem sem pente fino. Nem grosso.

E a terceira, que prefiro chamar não de necessidade, mas de estímulo, está no exemplo do pente fino para se estender a toda sorte de políticas públicas que puderem ser revisitadas a olho clínico.

O uso do dinheiro público - seja para a sustentabilidade do regime previdenciário, seja para garantir a prestação de outras políticas públicas -, é um caso emblemático da abundância de comidas e águas ao redor do vale, tal qual a súplica de Tântalo, cuja esperança se renova a toda nova medida político-administrativa, mas sucumbe logo na próxima curva.

Talvez seja hora não de acabar com o pente fino no INSS, mas de ampliá-lo para outros destinatários do dinheiro público, como as cifras bilionários de emendas parlamentares, tal qual sinalizou o Ministro Flávio Dino na ADI 7695 ao fazer assertivas modulações.

A mitologia grega traz grandes fundamentos em seus contos. E a previdência só terá esperança de sustentabilidade quando o assunto for mais amplo que o balanço entre arrecadação e despesas próprias, sob pena de sermos condenados ao suplício do rei de Frígia, amargando a cada esperança de reforma previdenciária uma seguida e indesejada frustração.

Diagnosticar esse panorama, incluindo outros mecanismos de despesas atualmente sem pente fino, talvez traga a Tântalo a esperança de beber um pouco da abundante água do Vale de Tártaro, já que a verba pública chegará à palma de suas mãos e demorará um pouco mais para escorrer entre os dedos.

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