Psicologia, educação e literatura
Entrevista concedida ao prof. dr. José Neres, escritor e membro da Academia Maranhense de Letras, e publicada originalmente na Revista Tijubina, número 5, em maio de 2024.
Entrevista concedida ao prof. dr. José Neres, escritor e membro da Academia Maranhense de Letras, e publicada originalmente na Revista Tijubina, número 5, em maio de 2024.
O professor, escritor e psicólogo Isaac Pereira Viana é um jovem intelectual com grande atuação na docência, na ficção e na pesquisa científica. Atualmente é uma das maiores referências nos estudos sobre inclusão de crianças com Transtorno do Espectro Autista no ambiente escolar. Paralelamente a isso, ele também tem desenvolvido trabalho de divulgação de obras literárias, tendo também uma vasta produção de textos ficcionais.
Atendendo ao pedido da Editoria da Revista Tijubina, o professor Isaac Viana concedeu a entrevista abaixo, na qual comenta diversos assuntos de interesse de todas as pessoas interessadas em Literatura, em Psicologia e em Educação.
Tijubina - Seu livro Breves reflexões em literatura deixa claro para os leitores sua paixão e seu envolvimento com a leitura de obras literárias. Quando e como surgiu esse interesse pela literatura?
Isaac Viana - O meio em que crescemos, embora não determine, pode dizer muito sobre o que iremos nos tornar. Cresci numa família muito devotada ao cristianismo protestante. Meus pais são pastores. A religião cristã tem como principal manual de fé um livro – ou, melhor dizendo, um conjunto deles.
Quando criança, li os sessenta e seis livros da Bíblia protestante, no mínimo, duas vezes. Lia por prazer e não por temer o fogo do inferno, retratado no Apocalipse. Não sei se, tecnicamente, posso chamar a Bíblia de literatura, mas, sem dúvida, ela me consolidou como leitor.
Depois disso, recorri aos livros de teologia do meu pai. Ele tinha uma pequena biblioteca em casa, que, a priori, era suficiente para sanar as dúvidas do meu pequeno cérebro, suspenso entre o céu e a terra, em busca de respostas, desde as mais pragmáticas até as de ordem existencial.
Foi na adolescência, no entanto, que tive meu primeiro contato com a literatura brasileira, enquanto cursava o ensino médio no Liceu Maranhense. Meu interesse por outras temáticas começou a ser expandido.
Durante a graduação no curso de Psicologia, na Universidade CEUMA, de modo extracurricular, foi quando realmente comecei a aprimorar meus conhecimentos literários. A partir da leitura de autores de profundo arcabouço psicológico, destacando-se, dentre eles, o russo Dostoiévski, contemplei a possibilidade de profícuo diálogo entre psicologia e literatura, e, desde então, tenho me debruçado sobre a arte literária ao mesmo tempo em que exerço a psicologia como ciência e profissão.
Tijubina - De todas as obras que você já leu e comentou, poderia citar os cinco livros que você considera mais relevantes para sua formação pessoal, profissional e cultural?
Isaac Viana - Sempre acho difícil pensar em listas; elas podem mudar de acordo com as circunstâncias. Mas, pensando no contexto do meu Breves reflexões em literatura, que conta com uma lista de cinquenta obras lidas e comentadas – tendo sido bastante difícil escolher apenas cinquenta, por sinal –, aponto cinco que vêm à minha memória com maior frequência: Cem anos de solidão (Gabriel García Márquez), Butcher’s crossing (John Williams), Fahrenheit 451 (Ray Bradbury), As brasas (Sándor Márai) e Vidas secas (Graciliano Ramos).
Sinto que posso ter cometido algumas injustiças nessa lista, mas esse é o problema das listas. Deixei de fora O velho e o mar (Ernest Hemingway), Silêncio (Shusaku Endo), O senhor das moscas (William Golding)... Espero que o leitor me perdoe.
Tijubina - Em seu mais recente livro, você estuda em profundidade a necessidade de inclusão de crianças com Transtorno do Espectro Autista na educação infantil, um tema de imensa relevância para a sociedade. Qual conselho você daria para uma família que acaba de receber a notícia de que tem um filho ou filha com TEA?
Isaac Viana - É natural que, num primeiro momento, a família enfrente uma espécie de luto. Afinal de contas, trata-se da “morte” de um filho ideal. No entanto, passado esse momento, é de fundamental importância que esses familiares busquem uma rede de apoio (parentes, amigos, profissionais...), para que, fortalecidos, procurem o que há de mais efetivo, em questão de acompanhamento terapêutico, que garanta o máximo de desenvolvimento possível para a criança. Quanto mais precoces as intervenções, mais efetivas elas tendem a ser.
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Tijubina - Além de uma produção técnica sobre assuntos diversos, você também transita pelos campos da criação literária, participa de concursos e escreve prosa de ficção, tendo inclusive sido diversas vezes premiado. Como se dá seu processo de criação literária?
Isaac Viana - Comecei a escrever ficção apenas recentemente. Em 2020, tive meu primeiro conto publicado. Nesse sentido, sinto que ainda estou me descobrindo dentro do campo da criação literária. No entanto, partindo do que já escrevi até o momento nessa seara, que são contos, publicados em antologias em algumas cidades do Brasil, posso dizer que, na maior parte das vezes, costumo me inspirar em vivências cotidianas, sejam minhas ou de outras pessoas, que, de tão rotineiras, costumamos não notar em suas nuances. É sobre isso que mais gosto de escrever.
Naturalmente, também me inspiro muito em escritores que gosto de ler. Tento fazer algo parecido, e, seja por falta de talento ou simplesmente porque a arte é um negócio inimitável mesmo, acabo imprimindo minha própria identidade ao que faço. Recentemente, por exemplo, escrevi uma série de contos e enviei para um leitor crítico de São Paulo. Um mês depois, ele me escreveu de volta, dizendo, dentre outras coisas, que meus textos lembram os do Luís Fernando Veríssimo. Me dei por satisfeito, embora, enquanto escrevia esses contos, quem não me saía da cabeça era o Tchekhov.
Tijubina – No meio de um mundo acadêmico e profissional cada vez mais tecnicista, qual a importância da leitura de obras literárias para a formação de um(a) psicólogo(a)?
Isaac Viana - Acredito que o tecnicismo seja uma distorção de uma característica natural e saudável do ser humano: a de criar instrumentos, técnicas, que facilitem sua rotina. O mundo moderno, ou pós-moderno, como queiram, gerido por uma mentalidade que coloca o dinheiro acima da vida, impõe uma forma de viver que é incompatível com as reais necessidades humanas. Sempre achamos precisar de mais do que já temos. E isso também se aplica ao âmbito profissional e acadêmico. Muitas vezes, somos levados a pensar que quanto mais graduações, especializações, pós-graduações, certificados, etc., temos, mais qualificados estamos. A antiga confusão entre quantidade e qualidade.
Ora, se somos levados a pensar que quanto mais formações técnicas, melhor, que tempo nos sobra para sermos nós mesmos? Falo da vida cotidiana, despretensiosa, em que ninguém é um rótulo, mas, sim, um ser humano, por inteiro, que trabalha, mas que também ama, odeia, ri, chora e perde tempo com coisas inúteis, inclusive, dando a tudo isso a mesma importância.
Acredito que a leitura de obras literárias, embora possa ter, e normalmente tem, um caráter formativo, inclusive acadêmica e profissionalmente, é desse âmbito das coisas inúteis. Ou seja, a pessoa que senta para ler um livro de literatura não deveria fazê-lo tendo em mente quantos dígitos a mais irá agregar ao seu salário por estar lendo. Leio literatura porque sou homem e é isso o que os homens fazem.
Posso ser um psicólogo melhor porque leio obras literárias? Talvez sim, mas, antes de ser um psicólogo melhor, quero ser um homem inteiro. É Fernando Pessoa, pela pena de Álvaro de Campos, no poema Lisboa Revisitada, quem tem uma das melhores definições sobre mim:
Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Tijubina - Para terminar, o que seus fãs e admiradores de sua obra podem esperar em termos de publicação (literária ou não) para os próximos anos?
Isaac Viana - No momento, estou trabalhando em dois livros, um de contos e outro de ensaios. Como meu processo de escrita é lento, ainda não tenho prazo para terminá-los.
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