COLUNA

Lourival Souza
Diretor da Belonave e Mestre em Economia Política (SMC University, Suíça).
Lourival Souza

SEGURANÇA PÚBLICA: o massacre da ideologia

Acompanho há quase vinte anos as discussões sobre a segurança pública e confesso que em poucas oportunidades vi algo que pudesse chamar de opinião embasada, no mais, é um lero-lero ideológico.

Lourival Souza

Mesmo evitando portais e noticiários, não tem jeito, as notícias dos crimes chegam aos meus ouvidos. A tentativa de me alienar não é de graça. Ninguém aguenta tanta notícia ruim, especialmente pelo caráter de tragédia anunciada da crueldade diária composta na sua maioria por aquilo que é o certificado de humilhação de todos nós e falência da autoridade: criminosos reincidentes. Pelo que vejo, este sentimento não é exclusivo da população, mas dos policiais - que já apresentam sinais de esgotamento – ao ver seu esforço e risco recompensados com a soltura destes elementos. Recomendo que assistam aos podcasts focados nestes temas. 

Acompanho há quase vinte anos as discussões sobre a segurança pública e as opiniões dos especialistas na grande mídia. Confesso que em poucas oportunidades vi algo que pudesse chamar de opinião embasada, no mais, é um lero-lero ideológico. Esse é o mal da ideologia: distorcer a realidade para que ela caiba no discurso. O correto é o oposto, se raciocina a partir dos fatos. Mas, no Brasil, o mais importante em matéria de opinião não é embasá-la, é utilizá-la como instrumento de grupo a ou b. Destas tais opiniões, duas merecem o comentário de hoje: “a pobreza é a causa do crime” e “repressão não resolve”. Para que fique claro, meu ponto não é desconsiderar o fator econômico e nem achar que qualquer delito deva implicar em cadeira, mas lançar uma luz sobre a ênfase errada que se dá nas discussões.

Já pensei que o crime era um problema estritamente econômico, mas mudei de ideia quando assisti a uma entrevista de Hugo Acero. Sociólogo e ex-secretário de segurança cidadã de Bogotá de 1995 a 2002, sua gestão diminuiu os assassinatos em 80% em meio a mundialmente conhecida violência colombiana dos anos 90. Ao analisar os dados das cidades mais violentas da América, percebeu que algumas, apesar do mesmo contexto econômico, apresentavam criminalidade discrepante. Qual razão disso? O fator cultural. Havia um nível tal de civilidade que inibiam as ações criminosas. Com base nisto, pautou o seu trabalho. Não deixou a repressão de lado, mas educou o bogotano a não estacionar de qualquer forma, a usar os espaços públicos de forma ordeira e por aí vai. Para minha surpresa, descobri uma semana depois que ele viria à São Luís. Fui à palestra. Durante sua apresentação, mostrou a foto de uma rua desorganizada tomada por carros e camelôs, virou-se para um oficial da PM e perguntou: “Quantos policiais você precisa para garantir a segurança desta rua?”, “Uns oito”, respondeu. Então, mostrou outra foto da rua completamente ordenada, vira-se novamente e o oficial responde: “Dois!”

Se pensarmos com calma e longe dos slogans, é um tanto óbvio que a visão economicista é frágil e preconceituosa. Se fosse verdadeira, todo morador de periferia era um soldado do crime, mas não é. Na verdade, são reféns da minoria criminosa. Se ambos partilham da pobreza, porque todos não escolhem o crime? A resposta, a meu ver, está no outro tipo de pobreza que não se fala por aí: cultural e/ou moral. A necessidade material, sem dúvida, é um fator relevante que instiga ou tenta aqueles que podem resolver seu problema através de um delito. Mas só a necessidade não é capaz de tornar alguém tão insensível e cruel como os assaltantes/assassinos que assistimos todos os dias.

A bem da verdade, quando um alguém cresce em uma família desestruturada, sem boa formação moral, sem figura de autoridade, sem ocupação, sem boas referências, alimentado por ressentimentos e coisas desse tipo, provavelmente se tornará problemático e suscetível a engrossar as fileiras do crime. Lá, ele não quer juntar dinheiro para abrir uma empresa ou ir a faculdade, ele quer ser alguém nesse meio, quer vestir-se como as figuras de referência, quer subir na hierarquia, ter mais status. É por essa razão que as escolas militares fazem um grande sucesso nas periferias. Elas fornecem a disciplina e a figura de autoridade que muitas famílias não tem (já ouvi isso de uma mãe). Detalhe, essa disciplina era algo comum nas escolas de antigamente. Quais especialistas estão a falar disto? Quais estão a criticar a cultura do crime e do ressentimento?

Agora, vamos para outro ponto: repressão. Concordo que só isso não resolve o problema, mas não dá para negar a sensível diferença que faz no controle da criminalidade. Por aqui, a captura não significa prisão e a prisão não significa que fique por lá, vide a progressão da pena e outros direitos. Um instrumento, a meu ver, mal aplicado. Confesso que não me debrucei sobre estes dados, mas é muito difícil alguém cumprir a pena máxima no Brasil. Já o crime conhece bem o potencial da repressão. É vergonhoso escrever isso, mas uma placa de “proibido roubar na comunidade” intimida mais os bandidos a polícia e Justiça. 

Mesmo assim, há quem queira oficializar o afrouxamento baseado nas experiências estrangeiras como EUA e Canadá. Bem, para quem não sabe, nestes locais a discussão já é outra: querem rever esta política uma vez que os resultados são desastrosos.  Na Holanda, o uso de drogasv nas zonas liberadas não conseguiu conter a presença de criminosos. Conheci um desses frequentadores de Amsterdã que me contou da forte presença da máfia albanesa e outros grupos do leste europeu. No EUA e Canadá, há uma epidemia do Fentanil que produziu suas “cracolândias”, recomendo que pesquisem. Na Califonia e em Nova Iorque, afrouxaram as punições para pequenos furtos, mas os crimes aumentaram. Pessoas chegavam a escalar trens de carga para roubar encomendas. Por outro lado, em El Salvador, empreendeu-se uma grande repressão que prendeu o equivalente a 1% de sua população. Em sua maioria, membros de gangues. O país está numa verdadeira “lua-de-mel” com indicadores de segurança comparáveis a Suíça. Mas, não faltam críticos por aqui, claro. 

Novamente, não quero simplificar a realidade, mas uma coisa é certa. Só teremos paz longe das ideologias. 

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