O sertanejo Flavio
Breve homenagem ao combativo humanista Flavio Dino.
Cheguei um dia em João Lisboa, para visitar Salvio Dino. A tarde caia encorajando o vento a avisar o sol que deveria refrescar a terra. Um grande muro rodeava a casa ampla, cercada de pés de caju, manga e as mamonas insistentes por ali. O carro fez poeira e Salvio Dino já se encontrava na porta, aguardando em pé, com suas cãs alvas e a pele morena curtida pelo sol do sul do Maranhão.
Recebi um abraço imenso e um sorriso acolhedor, mas não sopitei a curiosidade e perguntei o que tinha acontecido com o portão, porque não precisei abrir nenhum e tampouco parecia que tinha havido algum antes. Ele me respondeu candidamente: “Kardezim, casa de político não pode ter portas que se fecham para o povo”.
Estávamos em campanha para o então candidato a deputado federal, Flavio, seu filho. Eu retornara mais cedo de Grajaú, a terra dos avós deste e, portanto, dos pais daquele. Na estrada empoeirada do barro vermelho, Flavio fez questão de dirigir e falar de literatura, relembrando a terra de seus pais. Grajaú vem de “karazao-hu”, nome de origem guajajara, que significa “cesta grande feita de buriti”, que os indígenas carregavam nas costas.
Na conversa, ele recordava de um vate grajauense, Amaral Raposo, único autor no mundo que fez um discurso sem verbo. Isso mesmo que você leu, sem verbo! Inspirado por estas e outras, Flavio, já deputado federal, deu guarida a um movimento imenso da população, que foi a de criar o campus de Grajaú, da Universidade Federal do Maranhão. Mobilização popular na veia.
“Kardezim, eu tenho o couro grosso, como todo sertanejo!”. Na aridez ou na fartura do Nordeste, Salvio certamente foi a coluna vertebral da inspiração do filho, lembrando Euclides da Cunha em sua famosa frase “o sertanejo é, antes de tudo, um forte!”
Essa postura talvez explique a afinidade com outro sertanejo convicto, Carlos Brandão, grande amigo de Flavio. A título de curiosidade, ninguém sai da casa do atual governador do Maranhão sem estar com o bucho cheio: bolo de macaxeira, de tapioca, canjica ou bolo frito. Tudo com café feito na hora. Não sabe ele que já tenho 54 anos e tenho de parar com o açúcar.
Um dia Flavio me liga. Foi logo após a guerra da Covid. O Maranhão foi, de longe, o Estado que mais salvou gente nessa luta desigual contra um vírus terrível! Tínhamos trabalhado bastante durante a luta na pandemia, sendo que minha contribuição foi nas estatísticas – mas isso não vem ao caso. “Kardé” – disse ele – “tem uma criança aqui cujo pedido de presente de aniversário é conhecer um laboratório de Ciência”. Claro que organizamos a visita, mas só depois que vi que ele e Daniela, sua incansável esposa, tinham uma creche em casa – nunca vi tanta criança descer de um carro!
Continua após a publicidade..
Me juntei com outros colegas da universidade e mostramos à meninada alegre equipamentos de robótica, pipetas, microscópios, além de pequenos e grandes animais. Foi uma festa em que vimos o então gestor do estado se envolver alegremente nas conversas e se ombrear conosco e com as crianças, no divertimento das descobertas científicas que os pesquisadores mostravam. Só muito depois, ele só lembrou de chamar os pequenos quando já passava de meio dia e já estávamos todos nos laboratórios há algumas horas.
A humanidade, ou melhor, o humanismo é produto de algumas alegrias, mas igualmente de grandes cicatrizes. Uma vez Flávio, ainda governador, me chamou para um evento no Tocantins, para conversar com alguns investidores japoneses. No retorno, estávamos nós dois conversando no voo de volta e eu resolvi abordar um assunto. Ele estava, naquele momento, em um embate com um gigante da política brasileira. Perguntei: "Tu não tens medo?" "Quem enterra um filho não tem medo de mais nada no mundo!" – referência a seu eterno Peixinho, o Marcelo.
Em nosso humilde posto, neste momento duro da humanidade e do Brasil, de enfrentamentos e batalhas, levanto a voz novamente, como o fiz em Grajaú há quase duas décadas. Naqueles dias, de braços dados com o grajauense Salvio Dino, relembrando o brado dos gladiadores quando enfrentariam as lutas no Coliseu Romano:
Coragem, Flavio! O Sertão te admira e te saúda!
*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.
Saiba Mais
As opiniões, crenças e posicionamentos expostos em artigos e/ou textos de opinião não representam a posição do Imirante.com. A responsabilidade pelas publicações destes restringe-se aos respectivos autores.
Leia outras notícias em Imirante.com. Siga, também, o Imirante nas redes sociais X, Instagram, TikTok e canal no Whatsapp. Curta nossa página no Facebook e Youtube. Envie informações à Redação do Portal por meio do Whatsapp pelo telefone (98) 99209-2383.
+Notícias