Abaixo as armas
Armas são um desastre do ponto de vista da defesa pessoal, ao contrário do argumento que é utilizado pelos negociantes: de que elas são essenciais para a autodefesa.
Falei, há poucos dias, do Estatuto do Desarmamento, que está completando 20 anos, e de sua importância para a redução da violência. Lembrei que a proibição de comercialização de armas de fogo e munições tinha sido, infelizmente, derrubada por um plebiscito — instrumento legislativo de desastrosa aplicação em nosso País.
O Estatuto do Desarmamento começa agora a ser reativado depois de um período catastrófico, que permitiu um aumento vertiginoso das armas em mãos de civis. Armas são um desastre do ponto de vista da defesa pessoal, ao contrário do argumento que é utilizado pelos negociantes: de que elas são essenciais para a autodefesa.
Ora, o Estado se formou quando a sociedade entendeu que a única forma de superar o que Hobbes chamou de o medo da morte é se organizar para a resistência coletiva. O Estado começa, portanto, recebendo a delegação da segurança coletiva, de maneira a que não seja necessário aos cidadãos se especializar em sobreviver ou matar para sobreviver. Estabelece-se que o Estado tem o monopólio da força. O que significa isto? Que só o Estado, isto é, seus braços para ação externa, as Forças Armadas, e para ação interna, as Polícias, podem exercer a força para proteger os cidadãos, individualmente ou em conjunto. O papel das duas Instituições é este, de ser um escudo contra todo e qualquer indivíduo ou organização que atente contra a vida dos que lhe cabe defender. Para exercer essa força, essas Instituições devem ser armadas com os instrumentos necessários.
O raciocínio lógico indica que qualquer instrumento, qualquer arma nas mãos de indivíduos ou organizações que não estejam investidos desse monopólio é uma lesão a ele e torna mais difícil a paz. Essa a ideia por trás do Estatuto do Desarmamento, que se fragilizou quando se tornou permitido o comércio de armas. O severo controle e a compra das armas pela União, no entanto, foram medidas de grande efeito, que foram lentamente reduzindo a catastrófica violência que tomou conta do País.
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Meus leitores sabem que tenho repisado o tema da violência ao longo dos anos, e quero me justificar. É que vejo, além dos terríveis dados estatísticos e dos gigantescos prejuízos econômicos que deixam o Brasil de joelhos diante das nações civilizadas, as tragédias individuais. Penso no que significa a interrupção da vida que nos é dada por Deus para crescermos e nos multiplicar, para cumprir, cada um, seu papel na sociedade, para exercer, cada um, sua parcela de felicidade, amar, constituir uma família. E me choca também saber que o verdadeiro morticínio que enfrentamos — maior que a maior parte das guerras, maior do que qualquer guerra em que lutamos — é discriminatório, atingindo de maneira sórdida os jovens negros, numa dupla demonstração de racismo e de etarismo.
Pois bem: o liberou geral que aconteceu nos últimos anos mostrou-se absolutamente desastroso. Até então era difícil o controle das armas que chegavam às mãos dos bandidos; com as novas licenças — parece até que eram licença para matar, como chegaram a propor para os policiais — tornou-se virtualmente impossível. O crescimento da ordem de 900% do número de pessoas que pode comprar armas legalmente, multiplicado pelos números inexplicáveis de armas que podiam ter colocou mais armas nas mãos desses atiradores (quase 800 mil) que em todas as polícias militares (cerca de 650 mil); e, é claro, isto era só uma porta de entrada para as armas chegarem às mãos dos criminosos. E é isso o que se constatou em todo o País. As armas eram adquiridas por agentes que obtinham licenças como caçadores (!), atiradores esportivos (!), colecionadores (!), e esses as revendiam ou entregavam para os verdadeiros destinatários, o crime organizado, as milícias, os escritórios do crime.
Estou inteiramente de acordo com o Presidente Lula quando ele propõe uma redução drástica dos “clubes de tiro” em todo o País. É, na melhor das hipóteses, uma diversão mórbida; no caso mais comum, uma escola do crime. Seu retrato está numa imagem terrível do fotógrafo Eduardo Anizelli, da Folha: um veículo policial de cuja mala escorre uma torrente de sangue humano!
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