Doença, deficiência e incapacidade no âmbito previdenciário
A única constante no âmbito previdenciário é a mudança.
Por ser essencialmente uma espécie de seguro, as mudanças demográficas, as drásticas diminuições de natalidade, as variações da expectativa de vida e da mortalidade, além de um rol inesgotável de outros fatores, empurram a previdência para essa irrefreável necessidade de se adaptar o tempo todo para se manter sustentável. E mais. Recorrentes inovações legislativas, atualizações jurisprudenciais, mudanças interpretativas de toda sorte também fazem parte dessa constante no direito previdenciário, na tentativa de readequar sua função às mudanças reais da sociedade. É quase uma premissa inquebrável.
Entretanto, invariavelmente, um conceito tem se desvirtuado bastante nessa paisagem mutante. Refiro-me ao que realmente confere direito aos benefícios por incapacidade: a incapacidade em si.
O título provoca um embaraço muito comum no cotidiano entre os conceitos de:
Doença, deficiência e incapacidade.
Os três são vistos como critérios para a concessão de benefícios por incapacidade, mas o termo do benefício – por incapacidade – não apenas sugere o foco durante a perícia, como também obscurece a oportunidade dos outros conceitos - doença e deficiência - de se destacarem. É natural que tanto as doenças quanto as deficiências sofram alterações com o tempo por diversos aspectos. O surgimento de novos vírus, bactérias, exposições no trabalho e suas interações com o meio, conceitos de deficiência ampliados ou reduzidos com a evolução das tecnologias e os parâmetros de trabalho adquirindo novos contornos nunca antes imaginados, todos esses fatores confirmam a volatilidade conceitual que segue os passos evolucionários da sociedade.
No entanto, a incapacidade permanece constante. As restrições do segurado em relação à sua capacidade para o exercício do trabalho sempre foram o alicerce dos benefícios previdenciários por incapacidade. Isso independe de essas limitações serem decorrentes de doenças ou deficiências novas, e pouco importa se o empregado exerce uma atividade que sequer era imaginada há 20 anos.
Existe uma coerência na avaliação da incapacidade que a diferencia das variáveis mutáveis do sistema previdenciário.
A verdade é uma só. É a incapacidade que determina o direito aos benefícios, e essa incapacidade pode ser desencadeada tanto por doenças quanto por deficiências e até mesmo por acidentes, que até agora não foram mencionados. Não são todos iguais.
O médico perito se concentra na incapacidade, avaliando seu grau de acordo com o impacto produzido por esses outros fatores.
Por isso, seu vizinho pode ter uma hérnia de disco e não conseguir se afastar do trabalho, enquanto uma amiga de uma amiga pode ter a mesma condição e estar recebendo benefícios. É uma análise clínica específica que considera diversos fatores pessoais, físicos, ambientais e sociais.
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E esses casos se multiplicam no período pós-pandemia, em uma nova "pandemia" silenciosa: as doenças mentais incapacitantes.
Note que as doenças estão novamente adquirindo novos aspectos, mas o fator incapacitante permanece inalterado.
Aliás, o conceito de doença não é simples. Na verdade, é bastante amplo, já que é definido por exclusão. Em resumo, é a ausência de saúde. Esse estado, ao afetar um indivíduo, causa distúrbios nas funções físicas e mentais e pode ter origem interna – no próprio organismo – ou externa, como vírus ou bactérias.
Por outro lado, o Estatuto da Pessoa com Deficiência oferece uma definição clara de deficiência ao afirmar que é considerada pessoa com deficiência aquela que possui um impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o que a coloca em desvantagem em relação às outras pessoas.
Percebe-se, portanto, que nem toda pessoa doente está necessariamente incapacitada, já que uma gripe leve ou dor de cabeça frequentemente não afeta sua capacidade de trabalho.
Da mesma forma, nem toda pessoa com deficiência é incapaz. Descobri que um amigo era surdo de um dos ouvidos após décadas de amizade, e ele trabalhava no mercado sem restrições.
Por outro lado, qualquer pessoa que se torne incapaz e cumpra os demais requisitos da previdência tem direito a algum benefício por incapacidade.
Em resumo, não há mais confusão. A incapacidade é o foco central. E sempre será. Entre as muitas variáveis que entram e saem constantemente do direito previdenciário, a incapacidade parece ser constante.
Portanto, antes de questionar se alguma doença ou deficiência confere direito ao afastamento pelo INSS, compreenda que elas são apenas critérios para avaliar a incapacidade. É essa incapacidade que é a constante que define seu direito.
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