As razões da temperança previdenciária
Cuidar da coisa pública tem outros pesos e medidas que muitas vezes desconhecemos.
Sentado do outro lado da mesa, ouvindo o bombardeio de notícias seletivamente programadas para chamar atenção e impactar seus espectadores, não causam mais espanto as recorrentes histórias contadas em que o INSS figura como o senhor portador da vontade quase que intuitiva de negar benefícios e deixar, do outro lado, alguém passando necessidade.
São histórias contadas pela metade. As enxurradas de fraudes e as caronas que se tentam pegar com direitos anunciados pela previdência deixam de orelha em pé qualquer um que esteja cuidando da coisa pública, mas são notícias omitidas ou pouco contadas a quem mais interessa: o contribuinte.
A primeira desmistificação é entender que o INSS é somente uma sigla, ou seja, não é um monstro andando a passos largos pelas ruas da cidade com vontade de negar benefícios a toda sorte de pretensões. Não.
Ele é composto por pessoas que, deveras, vivem na mesma sociedade em que figuram seus destinatários.
São pessoas que, igualmente, também são segurados, têm irmãos, mãe, vizinhos e amigos que, assim como você, precisam ou precisarão do INSS um dia.
A diferença é que eles, sentados do outro lado da mesa, recebem milhares e incessantes requerimentos tanto daqueles que precisam e têm direito, quanto de uma leva irrefreável de pretendentes a fraudar a previdência e ficar com o seu dinheiro sem trabalhar. É isso mesmo.
Vamos descer do salto e assustar de verdade.
Até a revogação feita pela Lei n.9.528/97 sobre a Lei de Benefícios que equiparava o menor sob guarda ao filho para fins de pensão, não eram poucas as inclusões de menores sob guarda de avós, mesmo com os pais sustentando e estando presentes, unicamente para garantir a perpetuação do pagamento do benefício, já que os filhos daqueles avós já tinham mais de 21 anos de idade.
Mas vamos mais além.
No louvável ritmo de se reconhecer direitos – o que não deve ser alijado da temperança -, infelizmente uma legião de oportunistas pega carona com o direito proclamado para tentar burlar o poder público e ganhar dinheiro fraudando.
Vejamos a união estável. A equiparação do seu instituto com o casamento para fins jurídicos é de louvável justiça, mas aí o seu anúncio joga para a informalidade a comprovação dos fatos, estendendo a benesse dada aos cônjuges com essa ressalva.
E aí, no mesmo ritmo do menor sob guarda, não causa espécie receber uma enxurrada de pretensões de pensão por morte por pessoas que, se valendo da equiparação ao casamento, alegam convivência marital sem de fato terem assim convivido.
Casos de quem trabalhou na casa do falecido ou falecida, de quem já se separou há anos ou mesmo situações de namoro ou concubinato não param de exigir do INSS uma conduta mais prudente na ocasião de analisar e deferir ou não as pensões por morte. Exigir do INSS não; daqueles mesmos servidores que têm vizinhos precisando.
Daí as razões da temperança.
E agora estamos diante de mais um iminente caso de provável oportunidade de fraudes à previdência. Os transgêneros.
Nenhuma observação à justiça da decisão de reconhecimento de direitos a quem muda de sexo. Isso é assunto para outro momento.
Só que, em termos pragmáticos, a evolução tanto jurisprudencial, quanto legal – a teor do provimento do CNJ e das recentes alterações da lei de registros públicos –, tem autorizado a mudança de nome facilitada e de sexo do interessado em cartório, com reflexos em todos os efeitos jurídicos, legais e sociais.
Só que no aspecto previdenciário há uma diferenciação de idade na aposentadoria para homens e mulheres.
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E é aqui que entra o próximo risco de fraude.
Alberto Pereira da Silva tem 62 anos de idade e está cansado de trabalhar como metalúrgico numa empresa onde tem carteira assinada há 20 anos.
Percebe que, como homem, precisará completar 65 anos de idade, ou seja, esperar ainda 03 anos de trabalho, e que seus 20 anos de contribuição lhe garantirão hoje uma média de 60% de todas as suas contribuições. Daqui a 03 anos receberia o equivalente a 66% dessa média.
Mas se ele fosse mulher, teria direito a aposentar de imediato aos 62 anos de idade e seus 20 anos de contribuição lhe garantiriam o equivalente a 70% da média de todas as suas contribuições. Daqui a 03 anos receberia o equivalente a 76%.
Conversa com sua família e resolvem ir no cartório e mudar seu nome para Iracy Alberto Pereira da Silva e dizer que agora é do sexo feminino, mas toca a vida da mesma maneira de sempre.
Agora multiplique Iracy Alberto Pereira da Silva por milhões de pessoas e protocole isso no INSS.
Você, contribuinte, optaria por exigir outros critérios para se conceder essa aposentadoria - como prova da vida social na mesma condição do gênero proclamado pelo requerente ou prazo mínimo para haver mudança - ou entenderia razoável processar o pedido presumindo que está correto bastando a autodeclaração?
Eis então a outra face da lua, que exige de todos nós temperança na ocasião de exigir dos órgãos públicos gestos eficientes, mas resguardados de fraudes que, deveras, se lograrem êxito, resultarão cada vez mais no encarecimento da previdência social no país.
Custo para o nosso bolso. E de nossos filhos.
Cuidar da coisa pública tem outros pesos e medidas que muitas vezes desconhecemos. E na maioria das vezes somos induzidos inconscientemente a apenas exigir um resultado positivo sem se dar conta de que, infelizmente, do outro lado, a temperança não é palavra de ordem.
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