COLUNA

José Lorêdo Filho
Editor da Livraria Resistência Cultural Editora e chanceler do Círculo Monárquico de São Luís
José Lorêdo Filho

Por uma ordem econômica justa

A Reforma, a Revolução Francesa e a Revolução Russa destruíram, talvez para sempre, as grandes verdades temporais e espirituais.

José Lorêdo Filho

A modernidade política — o arrefecer da Cristandade e o progressivo surgimento da sociedade liberal — se deu através de um processo larguíssimo, no qual incidiram fatores os mais variados, desde os de natureza teológica e filosófica, passando pelo “deus avulso” (Machado de Assis) da história, com o imponderável alçado não poucas vezes à condição de senhor dos acontecimentos, até o natural reagrupamento dos interesses políticos e econômicos. A Reforma, a Revolução Francesa e a Revolução Russa destruíram, talvez para sempre, as grandes verdades temporais e espirituais. E, assim, perdeu-se grandemente o senso de concretude dos antigos.

O homem — criatura de Deus, tornado Seu filho pelo Batismo, feito à Sua imagem e semelhança, detentor de uma alma imortal, dotado de consciência, razão e vontade, aderido a uma determinada cultura, ser histórico — passou a ser tão somente um átomo perdido em meio ao turbilhão de milhares de outros átomos, em terra de ninguém, sem raízes familiares, sociais e culturais, reduzido a agente insignificante de duas engrenagens gigantescas — o eleitorado e o mercado.

A comunidade política — essa reunião generosa de famílias em bairros, que, por sua vez, reúnem-se com outros bairros e constituem, unidos por laços de fé, sangue e trabalho, o município, realidade ética que se multiplica em províncias e gera, por fim, o poder central, não raro encabeçado por uma família cuja trajetória se confunde com a própria história da nação —, exarando o sentido abstracionista e igualitário dos novos tempos, reduziu-se a um mero agrupamento de indivíduos, alicerçado no culto da vontade e na sacralização da opinião.

É em face desse estado de coisas desolador que o sacerdote argentino Julio Meinvielle (1905 – 1973) escreveu toda a sua obra e, mais particularmente, pois é o que nos interessa aqui, o seu livro Conceptos fundamentales de la economía (3ª ed., Buenos Aires: Cruz y Fierro, 1982), pela primeira vez publicado no Brasil graças aos meus amigos do Centro Anchieta, notável instituição católica sediada em Vitória do Espírito Santo.

Mas — dir-se-á — qual a utilidade da publicação de mais um tratado de economia, a ser difundido em ambiente já tomado de tratados e manuais os mais diversos, nas mais variadas tendências? Há uma justificação realmente importante, e esta reside nas antigas verdades em que se baseia o tratado do Pe. Meinvielle.

Para além das rotundas definições da economia em abstrato e da economia familiar ou doméstica, a noção clássica e cristã da economia política perdeu completamente a sua substância. Isto é uma pequena tragédia, muitas vezes não tão pequena. O grande livro do mestre argentino retoma, sem a menor cerimônia, a economia política como ciência prática, com objeto e princípios próprios — autônoma, sem dúvida, em relação à política mas, inegavelmente, a seu serviço —, cujo objetivo é a geração de riqueza, embora dependente da moral, das tradições, do direito e da política enquanto ciência moral. Tal concepção em tudo se afasta das escolas modernas, em especial da liberal — que nega a indispensabilidade dos princípios morais e religiosos para uma justa organização econômica — e da estatista — que recusa a autonomia de princípios e objeto da economia sob o pretexto de combater o espírito ganancioso dos agentes produtores, comprometendo largamente a eficácia econômica, objetivo dessa ciência prática.

O Pe. Meinvielle é preciso ao indicar os quatro pontos fundamentais que devem nortear uma saudável e justa economia política, a saber:

I — A estreita vinculação do fenômeno econômico com o moral, o costumeiro, o religioso, o político e o jurídico. Poder-se-ia dizer, com Santo Tomás de Aquino, em célebre analogia, que, do mesmo modo que o temporal se ordena ao espiritual, a razão se ordena à fé e a ordem natural se ordena à ordem sobrenatural, a economia se ordena ao homem, ser concreto situado numa dada cultura.

II — Inobstante a necessidade de uma regulamentação que deva presidir ao processo e à atuação dos agentes econômicos, cada uma das partes e dos agentes do processo econômico deve mover-se livremente no que toca às suas atribuições e competências. Aqui estamos diante do caráter supletivo da ação do poder público, em conformidade com o princípio de subsidiariedade, um dos esteios da Doutrina Social da Igreja.

III — A correta delimitação geográfica de atuação dos agentes econômicos a partir de critérios concretos de pátria, não de indivíduo ou classe. Há que se ressaltar a legítima pluralidade, em conformidade com os dois pontos anteriores, quanto ao raio de atuação dos agentes produtores, em dinâmica que comporta tanto os limites municipais e regionais quanto, ainda, nacionais e supranacionais.

IV — Estabelecidos os contornos das respectivas economias nacionais — sendo a economia mundial, pois, um amplo comércio de diversos e variados todos que são as nações —, há que se determinar, entretanto, sob que princípio deve reger-se esse comércio; o princípio deve ser forçosamente o da justiça, que não exclui o princípio da utilidade que deve permear qualquer relação comercial.

De nada valeriam, porém, os quatros pontos fundamentais elencados pelo Pe. Julio Meinvielle sem uma exata compreensão do funcionamento interno de uma empresa — e eis que o mestre argentino faz as distinções necessárias relativamente ao conceito de “empresa comunitária”, defendido ainda hoje pela ingenuidade suspeita de esquerdistas e utopistas em geral como o modelo por excelência a ser adotado.

Os paladinos da “empresa comunitária” advogam que uma empresa deve organizar-se nos moldes de uma “comunidade”, em que empresários e trabalhadores estejam unidos por simples contrato de sociedade, e não ajustados entre si pela relação de justiça comutativa que surge do contrato de regime de salariado entre o proprietário — dono do capital e senhor do risco — e os trabalhadores. Assim, capital e mão de obra contribuiriam, cada um a seu modo, para o bom funcionamento da empresa, recebendo proporcionalmente o que lhes cabe. Para escândalo dos liberais, nada há a censurar, de per si, nesse modelo — senão o triunfalismo dos ideólogos que o defendem como se fora o único legítimo. Para desespero dos estatistas, no entanto, a chamada “empresa comunitária”, nem de longe, é paradigma de eficácia econômica. O mesmo pode ser dito acerca do geral das empresas controladas pelo Estado, sempre mais tendentes à ineficiência, à insolvência e à corrupção, o que não quer dizer, todavia, que certas empresas, pela sua importância estratégica, não possam, e não devam, se encontrar em mãos da autoridade pública. Cabe ao juízo prudencial dos estadistas decidir pela sua eventual conveniência. O problema é que não temos mais estadistas. Mas o livro do Pe. Meinvielle já circula entre nós.

Nem individualista nem coletivista, senão humana e realista — alheia, portanto, ao capricho das opiniões de gabinete ou de feira livre —, assim é a doutrina de tradicionalismo patriótico e hispânico do Pe. Julio Meinvielle. Que o movimento de restauração intelectual e espiritual por que passa o Brasil — ainda tão tímido em certos aspectos — possa se ancorar de vez nas grandes verdades temporais e espirituais.

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