COLUNA
Diogo Gualhardo
Diogo Gualhardo Neves advogado e historiador.
Diogo Gualhardo Neves

MORRERAM! A IRONIA E A INTELIGÊNCIA MORRERAM! Oremos por elas… e por nós!

No Brasil, essa figura de linguagem é tão mal compreendida ou mesmo não identificada que, nas redes sociais, quem a utiliza precisa advertir explicitamente o leitor, quando prescindiria de fazê-lo.

Diogo Gualhardo Neves

Atualizada em 02/05/2023 às 15h52
Diogo Gualhardo Neves é advogado e historiador. (Ipolítica)

Em nosso idioma, a figura de linguagem da ironia permite ao orador dizer o contrário daquilo que pensa. Em geral, para não deixar dúvidas, é usada para descrever coisas absurdas, impensáveis e até mesmo impossíveis de serem realizadas.

Mas, existe um problema, e grave. O orador, ao se utilizar da ironia, confia que o ouvinte ou leitor tenha um mínimo de perspicácia para perceber que a proposta, de tão errada, tem no seu oposto a coisa correta. Ou seja, essa figura de linguagem depende de duas pessoas, quem emite a mensagem e quem a recebe. Já dá para perceber o motivo dos infaustos falecimentos: escasseiam rapidamente pessoas com boa percepção da realidade.

No Brasil, essa figura de linguagem é tão mal compreendida ou mesmo não identificada que, nas redes sociais, quem a utiliza precisa advertir explicitamente o leitor, quando prescindiria de fazê-lo. Leio, cabisbaixo, com boa frequência a conclusão: “…contém doses de ironia”.

Entendo o escritor cauteloso. Ele teme que suas palavras sejam tomadas pela simples literalidade e ele seja “cancelado” por elas. 
Tal fenômeno tem uma explicação em nossas raizes ibéricas. Portugal e Espanha guardam a tradição da palavra posta, sem margem a outras interpretações, tal como se fossem decretos. Poucas são as exceções e, dentre elas, o padre Antônio Vieira, que assim fez fama. Machado de Assis também.

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Comumente, quem fala ou escreve é tido por autoridade, e se é autoridade, não pode brincar como quem usa a ironia. Sua palavra é ideia e comando. Talvez séculos de governos autoritários, civis e religiosos, tenham contribuído para sua extinção daquele e deste lado do Atlântico.

Felizmente, ela sobrevive em outros idiomas, como na língua dos britânicos - e não quero acreditar que eles sejam mais inteligentes que nós - onde é bastante usual, inclusive em telejornais, como sarcasmo, cujas principais vítimas são políticos e artistas. Prefiro acreditar que o ouvido anglófono seja mais acurado para a ironia por causa de seu longo histórico parlamentar, de verdadeira democracia, ou do afamado humor inglês, aproveitado pelos americanos. Aliás, a ironia é principalmente humor, e humor, em geral, é liberdade, e inteligentes querem e lutam por ela.

De qualquer forma, só me resta lamentar, nestes dias tristes, nublados e infelizmente muito literais, orando pelas almas da ironia e da inteligência, que certamente estão em melhor lugar, e por nós também, que as perdemos e aqui ficamos.

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