Haja Deus, é fevereiro!
Dos fofões, aos cazumbás, das caixeiras ancestrais, canta o negro, seu lamento e liberdade, do campo à cidade, sobra ao baralho e ao dominó, um suspiro de alegria, modo de vida de nossa gente.
As chuvas de São Pedro chegam para lavar as cantarias e lustrar os azulejos dos casarios coloniais, acinzenta-se a baía de São Marcos a emoldurar a alegria da Ilha. Muda o olhar das pessoas, transforma-se o batuque das zabumbas e tambores, reinventam-se os ritmos e a irreverência ganha as ruas. É fevereiro no Maranhão! Da Ladeira da Antônio Rayol, esquina com a rua de Santana, a inspiração de Chico, poeta e compositor da “Flor do Desterro”, brota um coro de exclamação ritmada como um rompante de euforia que descreve em versos as belezas desta terra, o lado feliz dessa gente da Ilha de Upaon-açu.
Viemos de dois ou três anos de tristezas amontoadas, choros em série a perseguir o calendário nosso de cada dia. Mesmo passada a pandemia, ainda somos alcançados por suas marcas de tristeza, dor e saudade e, para além destas, consequências psicológicas e sociais que a cada dia se descortinam, condenando-nos a todos à perpetuação dessa lembrança cruel. Segundo pesquisa recente publicada no periódico científico The Lancet (2022), foram 53 milhões de novos casos de depressão e 76 milhões de transtornos de ansiedade em 2020. Outro dado, talvez conhecido, mas que merece destaque e reação, se refere às mulheres. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou, diante do isolamento social, 1.350 casos de feminicídio em 2020 – um a cada seis horas e meia. Um vírus maldito que, com a vacina da justiça, precisa ser extirpado do nosso meio. Mas, voltemos ao carnaval.
É de dom Helder Câmara a conhecida frase, quase uma súplica contra a tristeza e em favor da alegria: “Carnaval é a alegria popular. Direi mesmo, uma das raras alegrias que ainda sobram para a minha gente querida (...) brinque, meu povo querido! É verdade que na quarta-feira a luta recomeça, mas ao menos se pôs um pouco de sonho na realidade dura da vida!”. E todos sabemos o quanto isso é necessário em meio ao caos da desesperança que estamos, com força, deixando para traz.
Desse enredo, mistura de canto e de luto, de dor e luz, é que sobrevivemos na certeza de que de novo é fevereiro, outra vez é carnaval. Já dizia Vinicius de Moraes, “porque o samba é a tristeza que balança. E a tristeza tem sempre uma esperança”. É dessa esperança que suspiramos. Ela nos une, não nos separa, nos amima, não nos oprime, nos junta no samba e assim permanece como vida, como metáfora para o dia a dia. Vêm dela a alegria, a sutileza e a genialidade do poeta, que saúda o imperador e seu império, exalta o Divino, venerado na Casa das Minas, festejado na casa de Nagô. Dos fofões, aos cazumbás, das caixeiras ancestrais, canta o negro, seu lamento e liberdade, do campo à cidade, sobra ao baralho e ao dominó, um suspiro de alegria, modo de vida de nossa gente. São dias de gloria, de mandar a tristeza embora, de salvas e guanicês, emergindo da Beira Mar dos poetas, da Madre Divina sublime Mãe Senhora de toda a nossa gente, da passarela do samba, dos becos e das esquinas, dos terreiros de um Maranhão que canta e guarda em si o dom de ser feliz na simplicidade que é fazer da nossa festa quase um canto de gratidão.
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Salve Chico da Ladeira, que agora faz folia no céu, salve Augusto Tampinha. Salve os fazedores da alegria, os imortais de fevereiro. Haja pão, festa e justiça e não nos falte a alegria, porque acima das dores do dia a dia, das ausências sempre presentes, haja Deus, é carnaval.
Brinquemos felizes, por que a vida, a vida, é um grande carnaval.
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