COLUNA
Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

O Maranhão, o Carbono e a Rota da Seda

Como o Maranhão poderá se inserir em duas grandes oportunidades: Rota da Seda e Carbono Zero.

Alan Kardec

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38

 

O Porto do Itaqui foi incluído em estudo do Professor Lee, um dos maiores especialistas do mundo em Rota da Seda

 

Tenho um amigo empresário que sempre me disse “Allan, o fácil eu deixo pro concorrente, eu faço o difícil!”. Tenho outro grande amigo que admiro muito que age da mesma forma, mas no serviço público. A capacidade de leitura do mundo de José Reinaldo Tavares é admirável – pessoa que conheço há algumas décadas, mas que trabalhamos intensa e recentemente em agendas que acho importante compartilhar neste espaço.

Há poucos anos, surgiu uma nova moeda que revolucionou o mundo: a bitcoin. Depois dela, surgiram várias criptomoedas que ocuparam um espaço estimado de 1,7% nas finanças do mundo. Nos anos recentes surgiu uma outra: o carbono. Com a transição energética, essa é a única moeda “negativa” do mundo: ninguém quer ter. Mas é de tal modo forte que mudou a face da energia do planeta. Tanto que a grande maioria das empresas de petróleo se tornaram empresas de energia, diversificando o investimento para eólica, solar e, recentemente, hidrogênio verde.

Se livrar do o dióxido de carbono, o conhecido CO2, virou uma tarefa planetária que, como sempre, é complexa, difícil, desorganizada onde cada país defende seus próprios interesses e dá suas soluções. O Brasil se encontra em uma posição confortável: é o país com a matriz energética mais limpa do planeta! Claro que em termos proporcionais, percentuais – que é a medida justa de comparação.

Necessário abrir um parêntesis de novo aqui – algo que fiz em artigo anterior. A transição energética se baseia em a Humanidade sobreviver. Mas quem pauta a discussão de carbono zero são aqueles que já atingiram uma capacidade muito grande de consumir energia – por ganhar mais, ter emprego, renda, casa, carro, TV, telefone, forno elétrico, etc. São os que, proporcionalmente a seu salário, geram mais CO2. Ora, não podemos excluir do debate aqueles que nem isso têm: consomem basicamente lenha e acendem velas para iluminar suas habitações pobres na noite escura. Vivem como se estivessem no mundo de 200 anos ou mais - antes da Revolução Industrial - consomem carboidratos industrializados ou vivem de agricultura e pesca de subsistência ou subempregos. No Brasil são estimados 25% que vivem abaixo da linha da pobreza: 50 milhões de pessoas.

Por outro lado, a indústria de petróleo e gás está com agenda intensa de diminuição da emissão de gás de efeito estufa. A Petrobras, por exemplo, está usando técnicas de inteligência artificial e processamento de dados de última geração para perfurar um poço, em uma nova agenda mundial chamada de “greenfields de nova geração”. Com isso ela reduz a incerteza, o número de intervenções durante o processo assim como a pegada de carbono.

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As empresas usam várias estratégias. Uma delas é a captura e estocagem de carbono (CCS, do inglês Carbon Capture and Storage) que é um conjunto de técnicas para armazenar carbono. Uma das possibilidades é justamente a estocagem em blocos petróleo cujas atividades se encerraram – conhecidos como “campos depletados”. Como toda a estrutura construída ainda continua disponível, injeta-se CO2 e tampa-se. Em ação similar, a famosa revista Nature no ano passado publicou um artigo em que os autores propuseram uma técnica de armazenar carbono no processo de construção civil. 

A outra forma óbvia que tem sido usada intensamente é a “compra de créditos de carbono”. Você tem uma atividade que é poluente e a compensa com outra que absorve o mesmo tanto. Claro que estou falando da forma mais conhecida para absorção de CO2, que são as plantas. Uma pessoa na China, por exemplo, pode emitir um poluente e compra créditos de um local que o absorve. A soma de emissões para o planeta então zera – essa é a lógica.

José Reinaldo quer juntar a necessidade da China em compensar carbono com a exuberância do Maranhão em produzir créditos e vender para aquele país. O Maranhão tem muitas áreas degradas que estão sob o guarda-chuva da proteção ambiental. Essas áreas podem – e devem – ser aproveitadas em um processo em que o Estado se beneficie e traga renda. 

Para que isso aconteça, o Maranhão tem de dialogar com a China, com quem já tem um intenso comércio via Porto do Itaqui. Talvez você se assuste com essa informação, mas os navios que partem da nossa costa para abastecer a China são em sua maioria japoneses. A ideia então é trazer os chineses para conhecer o Maranhão, em especial os elaboradores da Rota da Seda. Ora, em um estudo do grupo do Professor Paul Lee da Universidade de Zhejiang, o Itaqui foi incluído como um porto que poderia ser incluído na logística da Rota da Seda. 

Como os chineses são grandes mercadores, eles enviam navios com containers para cá – que retornam vazios. O Maranhão então tem de atrair empresas e aproveitar para ocupar essas embarcações em seu retorno. É comércio! Por isso a importância da Zona de Processamento de Exportação (ZPE) a ser implantada em Bacabeira. Nossos vizinhos Piauí e Ceará já as criaram e estão de vento em popa. Com a exuberância de nossos portos – já reconhecida internacionalmente – seria pouco inteligente não utilizar. Por isso o Governador Brandão está pedindo pressa nas ações.

Como professor e pesquisador, acho estranho não pensar em longo prazo. Afinal, somos quem forma a próxima geração – e as seguintes. Nenhum investimento de grande porte – milionário ou bilionário – acontece sem planejamento, estratégia e tática. E eles estão acontecendo e vão acontecer!

*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP, membro da AMC, presidente da Gasmar.

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