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Allan Kardec
É professor universitário, engenheiro elétrico com doutorado em Information Engineering pela Universidade de Nagoya e pós-doutorado pelo RIKEN (The Institute of Physics and Chemistry).
Coluna do Kardec

São Luís: cidade portuária

Por que não nos reconhecemos como cidade portuária? Eis a questão.

Allan Kardec

Atualizada em 02/05/2023 às 23h38

 

Arco-norte/milho e soja

 

Roterdã. Antuérpia. O Porto. Istambul. Nova York. Santorini. Xangai. Cingapura. Shenzhen. Hong Kong. Estocolmo. Iles Des Saintes. Pireu. Santos. Casablanca. Alexandria. Los Angeles. Hamburgo. Laem Chabang. Nagoya. Ningbo-Zhoushan. Algeciras. Jeddah. Felixstowe. Barcelona. 

Grandes portos. E há muitos e muitos mais!

E São Luís, por que não nos reconhecemos como cidade portuária?

Para quem viveu os anos 80, sabe que todo áudio ou vídeo tínhamos de “rebobinar”. Ou seja, retornar a fita para o início. Para recordar. Vamos fazer isso nas poucas linhas deste artigo para tentar responder a essa pergunta.

Primeiramente, uma afirmação: não temos tradição em logística. Melhor, o Brasil não desenvolveu tradição em logística. No início do século 20, em vez de trem, os brasileiros decidiram que o melhor negócio eram as rodovias. 100 anos depois, sabemos no que deu essa decisão: basta pegar a estrada... Enfim, além de abandonar as ferrovias, não construímos dutos para transporte de gás nem combustíveis líquidos. E reforçamos a cabotagem – o transporte pelo mar entre portos brasileiros.

Se havia estratégia nessa agenda, ninguém sabe, mas um estudo mais amiúde da logística de distribuição, por exemplo, de combustíveis do Brasil, vai revelar um enorme vazio: não há basicamente logística no centro do país, seja em minério, grãos ou combustíveis. O centro do Brasil é como um coração de um amante abandonado: não recebe sangue.

O Brasil há 500 anos se movimenta pelo seu litoral. Interessante que o desenho das rodovias segue a rota dos navios. Os gasodutos também. Há cinco séculos o Brasil reforça todo o seu desenvolvimento em rodovias, gasodutos e transportes ditado pelo caminho do mar, como se não tivesse e não houvesse interior pulsando.

A grande novidade foi a Ferrovia Norte-Sul, que demorou 40 anos para terminar. O ex-governador José Reinaldo Tavares me contou o quanto a imprensa cobrou, execrou, bateu, desancou ele, que era ministro dos Transportes, e o ex-presidente José Sarney nos idos de 1985. Essa mesma turma tece loas ao desenvolvimento nacional – facultado por aquela ideia visionária – em 2022. Basta abrir qualquer jornal ou revista de hoje, de ontem, de há uma semana ou de um ano atrás. Como me disseram os chineses quando tive em Wuhan: abre as janelas e verás o desenvolvimento.

A Ferrovia Norte-Sul deságua no Porto do Itaqui. A Estrada de Ferro Carajás deságua no Ponta da Madeira. Vem aí o Porto de São Luís, para minérios e mais adiante, o Porto de Alcântara. Qualquer estudioso do Brasil sabe que o futuro do país passa pelo Maranhão. Aí, como digo sempre, resta aos maranhenses a decisão se vão ocupar a frente ou a traseira do ônibus do progresso.

Com essa imensa iniciativa, o Brasil percebeu a importância das ferrovias – conscientemente ou não. Há hoje grandes projetos, como a Ferrovia de Integração Centro Oeste (FICO) que vai de Mara Rosa, no Goiás, onde se conecta com a ferrovia Norte-Sul, a Água Boa, Mato Grosso, no vale do Araguaia, que mostra um dos maiores índices de expansão agrícola do Brasil. Há também a Ferrovia Oeste Leste (FIOL), que corta o Nordeste e vai da Bahia ao Tocantins. A Ferrogrão, ao Oeste do Brasil. E mais uma ligando Balsas a Imperatriz. 

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Um século depois, o Brasil está corrigindo seu erro histórico de não investir em transporte de baixo custo, como fizeram a América do Norte, a Europa e a Ásia. Vários de meus amigos que foram ao Japão falam do Shinkansen, ou trem bala. Que a China, França e outros países hoje também têm. Para chegar lá, eles tiveram que colocar trilhos e conectar seus países, primeiramente em trens mais lentos.

Por exemplo, a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), do Governo Federal, divide o complexo de soja e milho em dois cenários: o de exportação e o de consumo interno. No cenário de exportação, a logística concentra-se basicamente em rodovias rumo ao Sul do Brasil e pelo oeste do território nacional. Enquanto isso, a logística do consumo interno concentra-se no eixo central oriental do Brasil. Nos dois contextos, há uma clara convergência para Maranhão. 

O mais interessante é a clara tendência de reversão no volume de exportação pelo Arco Norte – que compreende toda a região acima de Brasília - para o Porto do Itaqui. Há 10 anos, o escoamento de grãos do Brasil estava no placar 80 X 20, onde a absoluta maior parte, os 80%, era basicamente via Porto de Santos, e nós ficávamos com 20%. Hoje empatamos! 50 x 50. O Porto do Itaqui em uma década já ocupa metade da movimentação de grãos do Brasil!

Quem vai ao Complexo Portuário encontra um espaço exuberante onde os caminhões estacionam e dão vida a uma atividade estuante. Afinal, na entressafra são estimados em torno de 800 caminhões por dia circulando, enquanto no pico da safra chegam a 1800! Como perguntei há alguns dias e repito: qual cidade ou gestor do mundo não queria isso?

Na última quarta feira, a Santos Brasil anunciou R$ 600 milhões de reais em investimentos no Maranhão na área de logística portuária, com a construção de tanques para armazenamento de combustíveis. Um mês antes foram entregues o Berço 99, construído pela Suzano, e a expansão do Terminal 1, da Granel Química. No primeiro, foram investidos R$ 390 milhões e no segundo outros R$ 85 milhões.

Mais, no início deste ano, a Alumar informou investimento de R$ 910 milhões, retomando a produção em solo maranhense. Ainda, no final do ano passado, a Cosan anunciou a aquisição de 100% da operação do Porto de São Luís e está criando uma joint venture para a exploração de minério de ferro, desembolsando R$ 720 milhões. 

Bom, meus amigos, estes são só os exemplos mais recentes, que servem para ilustrar a pergunta que faço desde que voltei dos meus estudos no Japão: o que estamos fazendo na preparação de pessoal para essa área? Como estão organizadas as escolas, as universidades, enfim, a cidade para receber um aporte de recursos dessa envergadura?

Bom lembrar o sucesso que foram as universidades até agora: os dois últimos dirigentes máximos do Poder Executivo, Carlos Brandão e Flávio Dino são egressos da UEMA e da UFMA, respectivamente. O presidente do Tribunal de Justiça, Paulo Velten, também é egresso da UFMA. O mesmo serve para o presidente da Assembléia Legislativa, Othelino Neto. Quase todo o alto escalão dos poderes hoje é de egressos dessas duas universidades.

O dirigente máximo ser de uma determinada instituição implica no sucesso acadêmico de toda uma geração. É a vitória de vários meninos e meninas do passado e, claro, de seus professores. Neste momento, portanto, cabem algumas perguntas: estamos preparando nossos filhos para serem os dirigentes da Alumar, Vale, Cosan, Suzano e outras empresas que aqui se instalem? Temos cursos em engenharia naval? Ou em logística portuária ou ferroviária? O Porto do Itaqui se antecipou e investiu R$ 40 milhões em pesquisa na área portuária, em programa único no Brasil. Mas e os cursos de graduação? E de pós graduação?

Para respondermos a estas questões, tenho a impressão que o primeiro passo é reconhecer o que somos: uma cidade portuária!

*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP

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