Rússia X Ucrânia: follow the money
Guerra é disputa territorial. Mas é fundamentalmente uma disputa por energia.
Quando o professor Tomaz me fez a demanda, me assustei: escrever sobre a guerra Rússia X Ucrânia. Imediatamente redargui que tinha muitos poucos elementos para me manifestar. Tenho uma certa familiaridade com o extremo oriente, já que fiz toda a minha pós graduação no Japão e tenho uma relação de quase uma década com a China.
Mas a guerra está nas manchetes e no nosso dia a dia. Ocupa nossa vida. Como? Por exemplo, o preço do petróleo subiu, o que alguns usaram como argumento para o também aumento do preço dos combustíveis nas bombas do posto da esquina.
Guerra é disputa territorial. Mas é fundamentalmente uma disputa por energia. Creio que essa seja uma forma interessante de abordar o que hoje acontece no mundo: energia. Afinal, qual foi uma das primeiras iniciativas da OTAN? Sufocar a Rússia com sanções econômicas. Tentar restringir a venda de petróleo e gás russo para outras regiões.
Conseguiu? A essa questão, respondo com o comunicado da TotalEnergies, uma das gigantes de energia do planeta: “Ao contrário do petróleo, é evidente que as capacidades logísticas de gás da Europa dificultam a abstenção de importação de gás russo nos próximos dois a três anos sem impactar o abastecimento de energia do continente.” Ou seja, a Europa não vai conseguir viver sem o gás russo por pelo menos os próximos três anos!
Vamos entender um pouco mais da matriz energética da Europa. Ela é fundamentalmente dependente da Rússia. Historicamente. Tanto que um dos grandes enfrentamentos acessórios à guerra foi o encerramento do contrato da duplicação do gasoduto Nord Stream, que vai da Rússia à Alemanha via mar Báltico. E tem uma extensão de mais de 1200 km. É a mesma distância entre Brasília ao Rio de Janeiro.
E porque este artigo, afinal, tem no título “follow the money”? Bem, ela é uma expressão inglesa para entender certos movimentos: saber para onde vai o dinheiro. E esse é um ponto crucial para compreender um pouco da movimentação dos Estados Unidos e Europa contra a Rússia. E, lateralmente – só aparentemente lateralmente – contra a China.
Ora, só tem sentido entender a Europa – entenda-se Alemanha – se desfazer do gás russo se houver oferta de outro local. Claro que qualquer um pensaria no Oriente Médio. Mas há uma novidade nos últimos 10 anos. Os Estados Unidos deixaram de ser importadores de petróleo e gás natural para serem exportadores!
Os EUA hoje têm uma estrutura de gasodutos em todo o seu território que garante preços muito baixos! Avançaram extraordinariamente em tecnologia do gás de folhelho além de uma legislação ambiental robusta.
A outra novidade pode ser também vista na figura. Ela mostra a distribuição do PIB mundial das maiores economias nos últimos dois mil anos, disponibilizada pela Angus Maddison. O que vemos é a ascensão e queda das potências durante a história. Em particular, temos Europa, EUA, Índia, Oriente Médio e China.
A participação da Índia nesses dois mil anos cai, enquanto a Europa sobe gradativamente até meados do século 19. Os Estados Unidos são a grande novidade desse século, enquanto a China sofre uma oscilação: sempre teve participação ativa no PIB mundial, exceção feita a 100 anos que se iniciaram em meados dos anos 1870, mas retorna ativamente nos anos 1970.
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O que é mais interessante é olhar como o PIB do planeta gravita nesses dois milênios. O eixo se desloca do Oriente ao seu pico no Oceano Atlântico em torno de 1950 e depois retorna consistentemente na direção do Oriente.
Essa figura ilustra bem a reação europeia e americana a uma contínua ascensão chinesa. Não é muito difícil portanto entender a opção russa pelo comércio com o país oriental. O movimento das placas tectônicas provoca abalos em locais que não são os epicentros do terremoto da geopolítica. EUA e Europa em batalha com a China provocam esse abalo, ou melhor, guerra na Rússia e Ucrânia.
E o que tem isso a ver conosco? Muito. O Brasil é um país que sempre investiu em uma matriz energética muito diversa. Hidroelétrica, solar, eólica, termoelétrica, etanol, gás natural, gasolina, diesel. Melhor: a mais limpa do mundo, em termos proporcionais à sua população. Ninguém chega onde chegamos aqui investindo pouco. O Brasil foi vitorioso!
Lições? Há algumas.
Com a reconfiguração planetária, o Brasil tem de jogar o papel que sempre fez de articulador e aproveitar a disputa entre as potências para ocupar mais espaço internacional no debate energético;
O óbvio ululante: o Brasil tem de investir no que foi o sucesso da Europa, EUA e China - conhecimento. O PIB nesses países só aumentou depois que houve uma revolução tecnológica e científica.
Passa também pelo comum de todos esses países: pensar a longo prazo. 20, 50 ou 100 anos. Nessa disputa o Brasil certamente acabará ganhando conforme souber se colocar;
Não ser dependente de um único país – basta ver o que hoje acontece com o gás da Europa. De fato, desde 2015, o Brasil incrementou sua dependência da importação do diesel dos EUA de 30% para mais de 80%. Gás em 50%. Qualquer retaliação nos deixará reféns;
Consolidar sua matriz energética para deixar de ser importador de qualquer combustível. Hoje a política de combustível atrelada ao preço do petróleo internacional nos fazem reféns;
Investir em novas tecnologias. O mundo se encaminha para uma matriz limpa. Temos mais de 70 anos dominando a tecnologia do etanol e podemos ter um papel relevante na reconfiguração que aponta para o hidrogênio verde.
*Allan Kardec Duailibe Barros Filho, PhD pela Universidade de Nagoya, Japão, professor titular da UFMA, ex-diretor da ANP
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