Opinião

De quadrados para cancelados

Joaquim Haickel

Atualizada em 26/03/2022 às 19h04
(divulgação)

A história, de tempos em tempos, passa por períodos de grande tensão. Como uma vara de bambu, o tempo tem uns nós que servem, não sei ao certo se para separar ou para ligar etapas da evolução da vida na terra, e consequentemente da humanidade. Acredito que estejamos vivendo neste momento em um desses nós.

Passando uma vista rápida pela timeline da história, é possível observarmos claramente alguns desses calombos que serviram para consolidar ou para mudar radicalmente a direção dos acontecimentos.

Os anos que compreendem a ascensão e queda de Júlio Cesar só serviram para precipitar o surgimento do Império Romano, bem como seu declínio quatrocentos anos mais tarde, o que prova que alguns nós na régua da história, até parecem ser pequenos, mas podem demorar séculos.

Mais que em seu próprio tempo, a história de Jesus, teve maior repercussão no tempo de Constantino, quando efetivamente o cristianismo passou a existir e a ser definitivo.

Se a revolução industrial transformou a sociedade agropastoril do século XVIII em uma sociedade movida por máquinas e empresas complexas, e isso ocorreu relativamente há muito pouco tempo, a revolução digital que estamos atravessando, irá radical e definitivamente mudar a história da humanidade.

Ao constatar que estamos exatamente em um desses nós, me preocupo em saber quanto tempo ele irá demorar e o que irá modificar em nossas vidas, e como nós as construiremos depois disso.

Uma coisa é certa, as mudanças trazidas por esses períodos acontecem e costumam ser radicais, mesmo que nem todas permaneçam para sempre.

Veja, eu não estou falando de modas e modismos, coisas voláteis e passageiras, como simples tecnologia que caducam e ficam obsoletas, como é o caso dos CDs e DVDs. Estou falando de coisas perenes como a filosofia por trás dessas tecnologias e as mudanças estruturais que elas trazem consigo, como o poder da indústria fonográfica e audiovisual, capazes de ditar subliminarmente normas e comportamentos sociais em todo o mundo, de uma só forma e ao mesmo tempo.

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O avanço tecnológico é a maior vitória da humanidade, o problema é a velocidade que esse avanço tem atingido e como ele é assimilado pelas pessoas.

Que ele é bom, não resta a menor dúvida, a questão é o custo dele. Não o custo financeiro, mas o cultural. Não no que diz respeito ao que ele cria, mas ao que diz respeito ao que ele muda, torna obsoleto e faz desaparecer.

Veja só o caso dos escultores. Se por um lado as impressoras 3D, daqui a alguns anos vão fazer com que a atividade desses artistas praticamente desapareça, por outro quem continuar esculpindo manualmente, será reconhecido e respeitado por sua raridade!

Mas não era exatamente sobre isso que eu desejava falar. Queria mesmo falar era sobre o fato de que o nó pelo qual estamos passando, motivado por essa imensa revolução tecnológica, inclusiva e democrática, por mais incrível que possa parecer está impondo comportamentos autoritários e excludentes contra aqueles que pensam ou agem de maneira discordante da corrente detentora do poder que emana desse sistema, e aqui não cabe nenhuma forma de julgamento de valor. Falo do direito inato de discordar, de ser diferente do seu diferente, não importando quem ele seja.

Criaram um monstro devorador de quem não se comporta como desejam os detentores desse poder. Um monstro parecido com aquele criado pelos impérios invasores da antiguidade, em suas jornadas de conquista e dominação. Monstro igual aquele, imposto pela revolução advinda da massificação da propaganda dos anos 1960, onde quem não usasse jeans e tomasse Coca-Cola, era o quadrado, o “cancelado” daquela época. O termo “cancelado”, mesmo ainda não existindo naquela época, já significava a mesma coisa, absurda e inadmissível dos dias de hoje, onde aqueles que não pensam ou agem como prescrevem os detentores desse abusivo poder de impor a todos um padrão, são submetidos de maneira tão violenta quanto a fúria dos piores escravocratas e dos mais repugnantes nazistas em seus tempos.

Discordar dessa turba pode até ser considerado um suicídio, mas está mais para uma chacina, praticada com os mesmos requintes de loucura e crueldade que aqueles praticados pelas velhas e abomináveis KKK e SS.

Por favor não pense que eu estou exagerando. Longe disso! Tudo que eu digo e tudo que qualquer pessoa disser, ainda será pouco perto deste inominável crime que está acontecendo neste momento.

Conheço um pouco sobre os mecanismos que movem as engrenagens da história. Entendo as reações que as ações causam. Sei que como tudo na vida, as causas trazem inevitáveis consequências. Quaisquer que sejam as que resultarem desse tempo de terror, menos sangrento, porém tão pavoroso quanto a Revolução Francesa, elas virão. Só espero que não demore tanto tempo e que não sejam tão violentas.

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