SÃO PAULO - A brasileira Silvia Novais, modelo de 24 anos, 1,77 m e 55 kg, eleita na semana retrasada Miss Itália no Mundo 2011, passou a sofrer ataques racistas de grupos de intolerância pela internet desde que venceu o concurso na Europa como a mais bela descendente de italianos. Seu bisavô materno nasceu em Florença, mas isso não impediu que ela escapasse do preconceito.
Logo após superar outras 39 candidatas na final, no dia 3 de julho, em Reggio Calabria, Sul da Itália, Silvia teve sua foto como miss reproduzida em um fórum de discussão de um site internacional de nacionalistas brancos, alguns adeptos de Adolf Hitler e contrários à escolha dela como miss. Abaixo da imagem da baiana com a coroa e a faixa, foram feitas diversas ofensas racistas. Num dos insultos, ela foi xingada em inglês de “negra nojenta”. Também há comentários em português e em italiano.
“A disgusting negra can't be italian, maybe she has an italian grandfather of grandfather of grandfather...”, escreveu um dos membros do site Stormfront.org, em um dos comentários do fórum ‘Brasileira vence concurso Miss Itália no Mundo 2011’, iniciado em 10 de julho. Numa tradução livre para o português, ele disse: “A negra nojenta não pode ser italiana, talvez ela tenha um avô italiano do avô do avô ...”
A Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil de São Paulo, investiga o Stormfront (frente de tempestade) por suspeita de ser uma comunidade neonazista que recruta brasileiros. O grupo foi criado na internet nos Estados Unidos no início dos anos 1990 e já arregimentou muitos paulistas com o slogan “White Pride World Wide” (algo como Orgulho Branco ao Redor do Mundo). Segundo a polícia, para difundir a manutenção e expansão da raça branca, seus integrantes combinam ataques a negros, judeus, homossexuais, nordestinos e imigrantes ilegais.
O G1 não conseguiu localizar os responsáveis pelo Stormfront para comentar o assunto. No site, há citações e fotos de oficiais de Hitler, suásticas e símbolos nazistas. Também há um recado em inglês que informa os visitantes sobre o conteúdo que vão encontrar: "Somos uma comunidade de nacionalistas brancos. Há milhares de organizações que promovem os interesses, valores e patrimônio de não brancos. Promovemos o nosso. Você está convidado a navegar nos nossos 7 milhões de postos, mas você deve se registrar antes de postar em qualquer fórum, exceto aqueles designados como aberta a convidados”.
O Stormfront ainda informa que sua "missão é fornecer informações não disponíveis nos meios de comunicação controlados e construir uma comunidade de activistas Brancos, trabalhando para a sobrevivência de nosso povo".
Dentre as regras de postagem dos comentários no site estão: "Não use linguagem abusiva, vulgar ou desrespeitosa. Evite epítetos raciais. Não faça críticas pessoais a outros usuários que são cruéis, duras ou agressivas".
Apesar disso, investigadores afirmam que isso não é seguido pela comunidade do Stormfront, que é considerada neonazista. Segundo os policiais, ainda não foi possível identificar quem produz o conteúdo do site.
Miss
Procurada pelo G1 para comentar as mensagens racistas que sofreu na web por ter ganho o concurso de Miss Itália no Mundo, Silvia afirmou que ficou bastante triste com as ofensas. “Minha mãe é negra, mulata e meu pai é branco. Me considero negra e tenho orgulho da minha cor. Por esse motivo, não gostei dos comentários”, disse a miss, que mora com a família em Campinas, no interior de São Paulo.
O próximo passo da miss será estudar junto com seu advogado a possibilidade de registrar queixa crime de injúria racial contra quem a ofendeu no site. Injúria é atribuir a alguém fato negativo que ofenda sua honra, dignidade e decoro. A pena para esse tipo de crime pode resultar em prisão. Em alguns casos, as vítimas também pedem indenizações por danos morais em ações judiciais.
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“A liberdade de expressão não pode ser usada para propagar racismo. Divulgar fotos minhas nesse site representa me eleger alvo do movimento neonazista”, disse Silvia.
A miss viu os xingamentos ao lado do namorado, Maurício Montrezol, empresário de 26 anos, que é branco. “É triste ver como existem pessoas assim em pleno século 21. O Brasil é um país miscigenado e é lindo ver a mistura de raças no mundo. Para que tanto ódio comigo? Eu não sei falar italiano, mas vou aprender. E só segui o que estava no regulamento do concurso. Eles aceitam representantes de descendentes da beleza italiana até a quinta geração. Meu avô materno era italiano.”
'Criada de Nero'
Em outro post do site Stormfront, um participante, que disse morar em São Paulo, chamou Silvia de “criada” de Nero (imperador romano, considerado tirano por alguns historiadores). “Isso é beleza italiana? Se fosse na Roma antiga, essa 'italianinha' seria uma criada de Nero!”, escreveu um integrante da comunidade.
"Era só o que faltava... Alguém está vendo alguma 'beleza italiana' nessa brasileira do dia a dia? A mulher que me atende na padaria da esquina da minha casa é mais bonita que a vencedora desse concurso... As pessoas em geral não têm mais o conceito de beleza, nem isso se tem mais! Estamos definitivamente perdidos ... O que deseja essa horda de escravos, de traidores, de reis conjurados?", disse outro integrante, responsável por criar o tópico de discussão sobre a vitória de Silvia no Miss Itália no Mundo.
Várias pessoas fizeram comentários ("Acho que isso que fizeram com ela se chama caridade!”; era só o que faltava: cotas para concurso de miss...; foram para a final uma negra, uma outra menina e uma prima minha (linda, loira de olhos verdes). Adivinhem quem levou o título de miss? A nega claro...")
Preconceito na carreira
Formada em educação física e trabalhando como modelo, Silvia disse que essa não é a primeira vez que é vítima de racismo. Apesar de ter disputado o Miss Itália no Mundo, ela conta que não sofreu preconceito no país europeu, mas sim no Brasil. Mas em nenhuma dessas vezes, ela quis registrar um boletim de ocorrência na Polícia Civil por injúria racial.
“Em 2009, quando fui escolhida Miss Campinas e depois Miss São Paulo sofri preconceito. Algumas pessoas que conheço também fizeram comentários racistas por causa da minha cor. Disseram que eu estava mais para empregada doméstica. Na plateia do Miss São Paulo, minha mãe também escutou insultos, como que a empregada dessas pessoas era mais bonita do que eu. E que era um absurdo uma negra ganhar. Mas por mais que eu tenha sofrido ao escutar essas coisas, fiquei na minha e venci”, disse Silvia, que é do casting da Agência de Modelos Monica Monteiro, e também já disputou o concurso de Miss Brasil.
Disposta a quebrar barreiras, a miss Itália no Mundo quer continuar a carreira de modelo, mas disse que é difícil encontrar trabalho em um mundo fashion que parece valorizar mais os brancos aos negros e mulatos. “Estive pensando nessa semana que a primeira miss Brasil negra foi a Deise Nunes em 1986. Num país cheio de tantas misturas e negras lindas é raro ver uma negra ganhar o Miss Brasil.”
Os próximos passos de Silvia são: se casar com o namorado e estudar italiano. “Ele [Maurício] me aceita como eu sou e me incentiva muito a superar esse racismo e o preconceito que existem no meu trabalho. Agora estou estudando italiano. E estou na luta. Vou vencer essa barreira do preconceito. Me considero negra, com o maior orgulho.”
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