BRASÍLIA - Processar alguém por crime de racismo ou por injúria racial é possível e, segundo especialistas em Direito, necessário para reforçar o debate sobre o assunto no Poder Judiciário. Mas nem sempre as pessoas sabem exatamente quais são os procedimentos que devem ser adotados. Muitas vezes a dificuldade está em identificar situações que podem configurar crime, mas, de tão comuns na sociedade, parecem normais.
Advogado e professor de cursos de Direito, Douglas Martins enumera situações que podem indicar práticas racistas: “Ao ser impedido de ingressar em determinado espaço franqueado a todos, por razões de origem racial; ao ser preterido em processo seletivo devido à cor da pele; ou ao ser discriminado na prestação de serviços e práticas do gênero, a vítima deverá comunicar o fato ao Ministério Público para que seja distribuída ação penal”.
O diretor executivo do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), Hédio Silva, sugere que a primeira coisa a fazer nessa hora é manter a calma para anotar o máximo de informações. Ele reconhece não ser fácil, mas diz ser necessário "que nesse tipo de situação de violência inominável, que obviamente tira a pessoa do estado emocional normal, não se deixe de anotar dados, circunstâncias e nomes de pessoas que se disponibilizem a testemunhar no inquérito policial ou no processo criminal”.
“Quanto mais informação, detalhes e dados forem registrados, melhor. Anotem em qualquer pedaço de papel, porque a experiência nos mostra que é grande o risco de, depois, eles caírem no esquecimento. E eles serão de grande utilidade no encaminhamento do inquérito policial e na produção de provas e darão margem a ação penal, cível, trabalhista ou o que for”, explica Hédio, que é doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica e foi secretário de Justiça de São Paulo entre 2005 e 2006.
Militando há 30 anos contra a discriminação racial, o advogado destaca que primeiro é importante o indivíduo acreditar que as ações contra práticas racistas estão a favor da pessoa que é discriminada.
“Não deixe de levar o problema ao conhecimento do Judiciário. É durante os primeiros dias que a pessoa se sente mais violentada. Depois, com o passar do tempo, ela pode acabar desistindo da ação, o que em nada ajuda. Não desista nunca. Assim, a gente levará cada vez mais o debate para o Judiciário. E um dia a legislação contra o racismo no Brasil terá a aplicação que qualquer lei deve e merece ter”, completa.
A advogada Vera Santana Araújo, militante há 25 anos no movimento negro, também reforça a importância de denunciar as situações de preconceito e racismo para fortalecer a atuação da Justiça nessa área.
“A cada ocorrência de manifestação do preconceito, a máquina judiciária deve ser acionada. Neste sentido, a primeira dificuldade a ser derrubada é quanto ao correto enquadramento jurídico do fato. Apesar de a criminalização do racismo ser fruto de disposição constitucional, ainda hoje toda a mídia – e o que é mais grave, muitos profissionais do direito – continuam se reportando à Lei Afonso Arinos, que tratava do preconceito de raça ou cor como contravenção penal, o que significa uma conduta menor, sem a gravidade das condutas criminosas”, argumenta.
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A advogada alerta que as vítmas não devem se omitir, mesmo quando abaladas em função da discriminação sofrida, para não reforçar a atitude do agressor e a impunidade na sociedade. “A exposição às mais diversas formas de preconceito e discriminação acabam se confirmando e, não raras vezes, o abalo da pessoa ofendida é tamanho, que a mesma não reage. Essa omissão resulta por alimentar no agressor a confirmação de que o fato não é relevante, não tendo por que ser punido”, complementa Vera.
Segundo ela, a vítima do preconceito racial deve procurar uma delegacia de polícia, o Ministério Público ou o Ministério Público do Trabalho, quando “a dignidade for ofendida nas relações de trabalho e, especialmente, se for vedado acesso a emprego, ascensão funcional, ou qualquer circunstância decorrente do preconceito".
Vera Araújo destaca que nas relações de trabalho, várias medidas devem ser acionadas além do aspecto criminal, comum, pois o caso também pode configurar falta administrativa, agravada se cometida no âmbito da administração pública. "Além da sanção criminal, deve-se, em qualquer hipótese, fazer ajuizamento de ação por danos morais e materiais, conforme cada caso, avaliadas todas as circunstâncias que envolvam o fato”, ressalta.
A militante lembrou ainda que em algumas cidades as organizações do movimento negro contam com estrutura de atendimento jurídico a vítimas do preconceito, mas frisou que mesmo no caso de não existir qualquer entidade dessa natureza, “as manifestações de racismo devem ser denunciadas sempre, inclusive levando aos meios de comunicação, como forma de repulsa e combate à prática”.
Hédio Silva sugere que as vítimas procurem a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que tem representação em todos os estados. "As comissões de direitos humanos estão sempre atentas a esse tipo de problema", informou.
Modelado com o objetivo de ampliar o conceito de segurança pública, econômica, política e jurídica, o Programa de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci),criado pelo governo federal e operacionalizado com a participação de estados e municípios, também pode ser um instrumento útil a quem quer buscar seus direitos.
“Temos um conjunto de advogados que podem atuar de forma similar à defensoria pública. Eles estão à disposição, bastando procurá-los nos Núcleos de Justiça Comunitária do Pronasci”, informa o secretário executivo do programa, Ronaldo Teixeira.
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