
BRASIL - Levantamento da empresa Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) indicou queda de produtividade por hectare na cana-de-açĂșcar colhida na regiĂŁo centro-sul do paĂs, com mĂ©dia de 69,7 toneladas por hectare (t/ha) em setembro de 2024, em relação ao mesmo mĂȘs de 2023, quando houve mĂ©dia de 83,4 t/ha. Nesta semana, a entidade patronal UniĂŁo da IndĂșstria de Cana-de-açĂșcar e Biotecnologia (UNICA) apontou adiantamento da colheita no Estado, com 12 unidades finalizando a moagem atĂ© a segunda quinzena de outubro. No mesmo perĂodo da safra anterior, quatro usinas haviam concluĂdo a moagem.
A empresa, que faz monitoramento para o desenvolvimento de tecnologias no setor, observou ganho discreto na qualidade da matĂ©ria-prima por meio da medição de AçĂșcar Total RecuperĂĄvel (ATR) na safra, ligeiramente acima em 2024, com 136,71 kg por tonelada de cana colhida. A UNICA observou melhoria mais acelerada entre seus associados, com 160,30 kg de ATR por tonelada de cana-de-açĂșcar este ano contra 149,84 kg por tonelada na safra 2023/2024 â variação positiva de 6,98%. No acumulado da safra, o indicador foi de 142,23 kg de ATR por tonelada, alta de 1,03% em relação ao mesmo perĂodo no ano passado.
A UNICA informou que operaram na primeira quinzena de outubro 255 unidades produtoras na regiĂŁo centro-sul, sendo 236 unidades com processamento de cana, nove empresas que fabricam etanol a partir do milho e dez usinas flex. No mesmo perĂodo, na safra 23/24, operaram 259 unidades produtoras. A associação mostrou ainda que, na primeira quinzena de outubro, as unidades produtoras da regiĂŁo centro-sul processaram 33,83 milhĂ”es de toneladas, enquanto na safra anterior haviam processado 32,93 milhĂ”es. O aumento foi de 2,75%. No acumulado da safra 2024/2025 atĂ© 16 de outubro, a moagem atingiu 538,85 milhĂ”es de toneladas, 2,36% a mais do que os 526,43 milhĂ”es de toneladas registrados no mesmo perĂodo do ciclo anterior. Especialistas consultados pela AgĂȘncia Brasil atribuĂram o aumento a um adiantamento na colheita, medida usada para evitar perdas maiores na produtividade.
Diminuição esperada
Segundo Maximiliano Salles Scarpari, pesquisador do Instituto AgronĂŽmico (IAC), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de SĂŁo Paulo, o monitoramento realizado pelo projeto PrevClimaCana, do qual participa, indicava resultado abaixo de 2023 jĂĄ no primeiro trimestre. Ele destacou que o dĂ©ficit jĂĄ era anormal desde dezembro de 2023 e se acentuou no perĂodo entre março e outubro de 2024, sendo o mais longo medido pelo IAC desde 1934, quando começou a sĂ©rie do instituto. Como o ano de 2023 teve boa oferta hĂdrica e uma relação alta de tonelada de cana por hectare, a quebra de safra ficou mais evidente ainda com a seca extrema deste ano.
Maximiliano explicou que o aumento da moagem Ă© uma estratĂ©gia comum do setor, que adequa a colheita para aproveitar o momento mais favorĂĄvel, alterando o planejamento dentro da safra. "As usinas vĂŁo antecipando ĂĄreas, e o rendimento da colheita dentro da safra foi bom. Para o futuro, a tendĂȘncia Ă© que terĂŁo mais tempo para se preparar para a prĂłxima safra, com manutenção de equipamentos de colheita e moagem", afirmou o pesquisador, destacando que a manutenção de um cenĂĄrio de seca deve levar a uma segunda safra afetada, pois a brotação, que jĂĄ começa agora, teve impacto. A extensĂŁo desse dano, porĂ©m, sĂł serĂĄ mensurĂĄvel a partir de meados de dezembro prĂłximo e, de forma mais clara, no final do primeiro trimestre de 2025.
"A cana este ano foi praticamente colhida, por ter sido um ano de dĂ©ficit hĂdrico alto. Poucas ĂĄreas ainda nĂŁo foram colhidas, e a tendĂȘncia Ă© de fechamento com t/ha baixo, o que, a depender do estoque, pode impactar os preço de açĂșcar e ĂĄlcool. Isso nĂŁo tem como reverter, mas pode ser amenizado com tĂ©cnicas de irrigação", completou Scarpari. Tal estratĂ©gia, porĂ©m, dependerĂĄ de concessĂŁo de novas outorgas de uso de ĂĄgua que, ao menos em SĂŁo Paulo, tĂȘm sido autorizadas de maneira criteriosa e dando preferĂȘncia ao uso no abastecimento das cidades. Para os produtores, acrescenta, uma alternativa que tem sido discutida e mesmo aconselhada Ă© o uso de seguros paramĂ©tricos pelos produtores, baseados em critĂ©rios de produtividade, seja na quantidade (para t/ha) ou qualidade (para ATR). Essa medida amenizou o impacto, principalmente frente Ă s queimadas, Ă s quais o setor atribuiu impacto da ordem de R$ 1 bilhĂŁo em prejuĂzos neste ano.
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Preparação da cana
As variedades de cana brasileiras sĂŁo selecionadas para tolerar cenĂĄrio de seca, segundo o pesquisador Vinicius Bufon, da Empresa brasileira de Pesquisa AgropecuĂĄria (Embrapa Meio Ambiente). Como mais da metade da produção da matĂ©ria-prima ocorrem em ĂĄreas de cerrado ou de transição para cerrado, com chuvas e estiagens concentradas e oscilando em perĂodo de cinco a sete meses, a planta Ă© bastante rĂșstica e sobrevive Ă intempĂ©rie, mas "sempre haverĂĄ redução do potencial produtivo como consequĂȘncia. Isso agrava Ă medida que a produção de cana migra para o cerrado mais interior, mas tambĂ©m nas regiĂ”es produtoras tradicionais, Ă medida que as mudanças climĂĄticas trazem eventos de seca mais frequentes e mais intensos", alerta Bufon.
Ele lembrou que uma seca como a deste ano pode gerar perdas ainda maiores, o que ocorreu em algumas usinas acompanhadas, onde se perdeu mais de 15 t/ha entre 2023 e 2024. HĂĄ tecnologias, com aplicação recomendada para as lavouras, que podem amenizar o cenĂĄrio, em especial a adoção de irrigação em parte da produção. "O sistema irrigado de produção pode ser adotado, principalmente, em duas modalidades. A primeira Ă© a irrigação de salvamento, que entrega uma Ășnica aplicação de ĂĄgua, imediatamente apĂłs a colheita, de cerca de 30 a 60 milĂmetros (mm). Isso corresponde a aproximadamente 4% da demanda hĂdrica da cultura durante uma safra, mas tem grande efeito em garantir a brotação. A segunda alternativa, chamada de irrigação deficitĂĄria, ou irrigação por dĂ©ficit controlado, entrega de 20% a 25% da demanda hĂdrica da cultura durante a safra", defende.
A diferença, segundo o pesquisador, Ă© que o mĂ©todo de irrigação de salvamento pode ser adotado em 30% a 50% da lavoura, especialmente nos canaviais colhidos de maio a setembro, perĂodo mais seco, enquanto a tĂ©cnica de irrigação deficitĂĄria poderia ser adotada em 5% a 15% da lavoura, sobretudo nos canaviais com solo mais limitante, mais arenoso, no perĂodo de 15 de julho a 15 de setembro, historicamente o mais crĂtico em regiĂ”es de cerrado. "O restante do canavial, de 40% a 70%, poderia ficar estritamente dependentes da chuva, mas colhido nas pontas mais Ășmidas da safra, de março a maio e de setembro a novembro", completa.
A Embrapa nĂŁo recomenda o uso de irrigação plena em nenhuma hipĂłtese e sempre apĂłs anĂĄlise dos ĂłrgĂŁos de controle, o que tem favorecido o reconhecimento das tĂ©cnicas de produção irrigada como ferramenta sustentĂĄvel mundialmente. "A pressĂŁo inflacionĂĄria vivida em cada um desses eventos de seca tende a acelerar o processo. E essa expectativa nĂŁo Ă© sĂł brasileira. O mundo espera muito do Brasil para suprir a crescente demanda mundial por segurança alimentar e biocombustĂveis, por exemplo. Felizmente, temos tecnologia sustentĂĄvel para ofertar, temos agricultores inovadores e competentes, e esperamos que o arcabouço de polĂticas pĂșblicas e linhas de financiamento possam criar estĂmulos e segurança jurĂdica necessĂĄrios para o produtor tomar o risco do investimento que, apensar de muito viĂĄvel, demanda muito investimento", recomendou Bufon.
As outorgas de exploração foram suspensas em alguns perĂodos crĂticos, principalmente em SĂŁo Paulo, e a recuperação do nĂvel dos poços nos principais aquĂferos nĂŁo tem ocorrido todos os anos, como destacou a reportagem da AgĂȘncia Brasil.
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