BRASIL - Em entrevista exclusiva à jornalista Adrielen Alves, o cientista Carlos Nobre, considerado um dos maiores climatologistas do planeta, fala sobre o documento apresentado em Nova York, na semana climática, intitulado Saúde Planetária. O manifesto faz parte de uma das ações do movimento Guardiões Planetários, do qual o brasileiro faz parte, ao lado de lideranças políticas e ambientais de diversas nacionalidades.
O pesquisador, colaborador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e co-presidente do Painel Científico para a Amazônia, alerta para os perigos do aquecimento global, para a importância da reversão da emissão de gases que provocam o efeito estufa e aponta para alternativas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
A entrevista faz parte da produção em andamento do podcast S.O.S! Terra chamando!, uma parceria da Rádio MEC, Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e da Fundação Oswaldo Cruz.
Rádio MEC - Não poderia começar de outra forma essa entrevista. Em Brasília, temperaturas altas, a umidade do ar baixa, e além disso convivemos com incêndios nos últimos dias, inclusive na Floresta Nacional. A situação é crítica aqui no Cerrado, mas a gente sabe que a situação é crítica também em outros biomas. Justamente porque estão todos interligados?
Carlos Nobre - Porque o Brasil tem as maiores florestas tropicais do planeta. A Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, tem também a savana tropical mais importante do planeta. O Cerrado é a savana tropical com a maior biodiversidade do planeta com uma quantidade muito grande de carbono armazenado, no solo, na matéria orgânica do solo. Isso é muito importante para a estabilidade climática do planeta, todos os biomas brasileiros. E infelizmente nós atingimos agora já nos últimos 14, 15 meses o recorde de temperatura do planeta, atingimos aí 1,5 grau mais quente do que antes do aquecimento global, nós temos que ir 120 mil anos atrás para ter essa temperatura, foi o último período interglacial. E isso foi atingido de uma forma muito rápida nos últimos anos e fez com que os eventos extremos, como secas, como ondas de calor, como chuvas, como nós temos no Rio Grande do Sul, em maio, e vários outros eventos de chuvas extremos em todo o planeta. E infelizmente, no Brasil, na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal, uma seca histórica com calor também. Infelizmente mais de 97% dos incêndios são humanos. É crime! Lógico, uma onda de calor, uma seca dessa, torna a vegetação muito mais inflamável. Quando se tem um incêndio, ele cobre e vai numa área muito maior se não tivesse uma onda de calor e uma seca dessa magnitude, foi recorde. Mas infelizmente no Brasil, o crime está colocando fogo, e o Brasil tem que rapidamente caminhar para proibir que a agricultura e a pecuária usem fogo. A agricultura e pecuária sustentáveis e modernas, produtivas, não usam fogo. Então, realmente, um enorme desafio na questão do fogo, como você falou, poluição muito grande em Brasília, estamos tendo as piores poluição do ar devido a essas queimadas, então nós temos realmente um enorme desafio, por um lado com combater as mudanças climáticas, buscar, aumentar muito a nossa capacidade de adaptação, preservar todos os nossos ecossistemas, ser o país com maior projeto de restauração florestal, mas também combater esse crime que, por razões até difícil de entender, você resolveu colocar fogo em tudo aqui no Brasil.
Rádio MEC - Sim, no podcast S.O.S! Terra Chamando! A gente aborda as questões relacionadas ao antropoceno, que é uma classificação controversa, porque a geologia não classifica que nós mudamos de época geológica. Mas outras ciências e áreas do saber, inclusive, as que estudam o sistema Terra, entendem, sim, que, pela ação humana, temos alterado, de forma rápida, o meio ambiente. Por um lado, nós temos essa ação, que é chamada de antropoceno, por outro lado, temos essa, como o senhor acabou de citar, ação criminosa, que é de alguém que vai lá e ateia fogo na mata. E existe também uma defesa de que a responsabilidade de mitigar esses efeitos das mudanças climáticas é de todos nós, humanos. Qual sua avaliação sobre isso?
Carlos Nobre - Sem a menor dúvida, foi até um pouco decepcionante que associações de geólogos não aprovaram totalmente alguma coisa, que foi previsto por cientistas climáticos antes, há cerca de 20 anos, nós entramos no outro antropoceno, uma nova “era’’ do planeta, no sentido de que não foram vulcões ou terremotos ou outras coisas que liberaram grandes quantidades de gás que provocam efeito estufa. Fomos nós mesmos! Nós é que jogamos uma quantidade tão grande! Por exemplo, já aumentamos a concentração de gás carbônico, para o principal gás do aquecimento global em 50%, e então, o que nós estamos fazendo com o planeta, a mudança climática? Nós estamos fazendo uma temperatura, e se continuarmos vai ser um um clima que não existe há milhões de anos. Nós estamos em um nível que só existia nos últimos períodos interglaciais, e 1 milhão de anos, algumas vezes, 10 mil, 20 mil anos atrás, que tinha essa temperatura de hoje. Se a gente chegar a 3 graus mais quente, nós temos que ir numa faixa de 4 a 5 milhões de anos atrás. O nosso antepassado, o homo erectus, um primata que ficou ereto, caminhando com as pernas, 2, 3 milhões de anos atrás, e nós o homo sapiens, 200 a 250 mil anos atrás, nunca o clima do planeta passou desses limites que nós já estamos passando agora. Então é realmente, antropoceno. E aí sim, nós temos que ver que nós é que modificamos o clima do planeta de uma maneira muito perigosa, nem o nosso corpo está adaptado por um clima muito mais quente, o estresse térmico. Se nós aquecemos três, quatro graus do planeta, muitas regiões equatoriais e mesmo nas latitudes médias nos meses de verão, a temperatura e umidade passarão do limite do corpo humano. Nós não conseguiremos transpirar mais. E aí, bebês e idosos e idosas, só vivem meia hora [30 minutos] com esse estresse térmico. Adultos saudáveis, 2 horas. Então nós podemos tornar muito do planeta inabitável, se nós continuarmos. É assim, é antropoceno, a primeira vez que uma espécie, nós homo sapiens, estamos causando um risco tão grande que se a temperatura passar de 4 graus até o próximo século, nós vamos gerar a sexta maior extinção de espécies do planeta. Se no meio de século 22, com mais 8 a 10 graus, pronto, vai ter a sexta extinção de espécies, que nós é que teremos causado. É um enorme risco, maior desafio que a humanidade já enfrentou. E nós temos realmente que combater essa emergência climática, nós temos que reduzir muito rapidamente as emissões, muito quase que a jato, reduzir ou zerar as emissões, criar gigantescos projetos de restauração florestal para remover uma grande quantidade de gás carbônico da atmosfera quando as florestas estão recrescendo. E é isso, e é lógico, junto com isso, buscar aumentar muito a resiliência de todas as populações com relação a esses extremos climáticos que não têm mais volta.
Rádio MEC - O senhor faz parte recentemente de um movimento chamado Guardiões Planetários, grupo de especialistas, cientistas e políticos engajados na defesa da Terra. Inclusive, os astrônomos também têm um movimento que se chama Astrônomos pela Terra. Muito se fala também em buscarmos alternativas no nosso Sistema Solar, em Marte, por exemplo. Um Planeta B seria uma possibilidade?
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Carlos Nobre - Cientificamente, muitos têm a grande curiosidade de usar as modernas tecnologias espaciais. Os foguetes, os satélites para ir, chegar a visitar, já chegamos até a Lua, espera-se que nas próximas décadas se chegue até Marte, mas no sentido de estudar, entender como que os vários planetas do Sistema Solar evoluíram, isso é curiosidade científica. É completamente sem sentido imaginar que a condição climática vai tornar o nosso nosso planeta inabitável, o que eu falei, e aí se busca levar as pessoas para dentro de Marte, e criar lá um ambiente fechado com o clima que os humanos possam sobreviver, isso aí é absolutamente sem sentido. É uma busca de uma coisa que não precisa ter sentido, mas, de fato, os Guardiões Planetários, esse movimento, tem cientistas, tem ex-políticos, indígenas, grandes líderes. A ideia é exatamente essa, somos guardiões combatendo o crime, combatendo o risco de nós gerarmos o “ecocídio”, não? Suicídio planetário. Então, é um grupo de pessoas, alguns cientistas, como eu, mas também grandes políticos, que mostram que o planeta está correndo um risco tão grande que nós precisamos colocar isso como nossa principal missão de combater a emergência climática, como eu falei, o maior desafio que a humanidade enfrentou.
Rádio MEC - Sim, eu imagino que deva ser uma honra, um reconhecimento pela carreira que o senhor trilhou, que além das pesquisas, fazer parte dos relatórios do IPCC, enfim, algo que foi inclusive agraciado com o Prêmio Nobel da Paz, em 2007, mas por outro lado, eu imagino que seja uma responsabilidade muito grande. Então, quais são as iniciativas na prática, o que pode ser feito pela Terra diante de um mundo com desafios como negacionismo climático e científico?
Carlos Nobre - Nós temos que nos sentir encorajados, não podemos entregar o futuro do planeta, o futuro das nossas gerações, por exemplo, meus netos, não podemos entregar, não entregar um planeta com alguma possibilidade de sobrevivência do planeta. Os Guardiões Planetários entregamos, em Nova York, na semana climática, um documento chamado Saúde Planetária. Nós precisamos retomar, reforçar a saúde do planeta Terra, mostrar, quão perto nós estamos aí de uma doença fatal pro planeta Terra, e aquilo que eu falei, se a gente continuar aquecendo o planeta, no meio do próximo século a gente vai estar fazendo a sexta maior extinção de espécies do planeta, e a missão despreza a morte do planeta. Nós vamos lançar exatamente isso no documento, mostrando a importância e urgência de buscar soluções da saúde do planeta.
Rádio MEC - Muito alinhado inclusive com o tema do podcast que a EBC lança em parceria com a Fiocruz, o S.O.S! Terra Chamando! Diante do lançamento desse manifesto em Nova York, chamado Saúde Planetária. Se pudéssemos diagnosticar hoje, qual seria a doença do planeta Terra?
Carlos Nobre - Olha, a doença do planeta Terra somos nós, inclusive com toda a nossa ciência moderna, nós não temos percebido que nós estamos contaminando demais o planeta. Que o aquecimento global são os gases de efeito estufa de gás carbônico, metano, óxido nitroso, entre vários outros gases. Nós estamos [presentes] também no desenvolvimento industrial, no desenvolvimento da agricultura, nós geramos uma gigantesca quantidade de substâncias químicas que poluem, que levam a morte da biodiversidade, até mesmo poluem a qualidade do ambiente para nós, humanos. Veja a poluição das cidades. A poluição das cidades leva 6 a 7 milhões de mortes por ano. A poluição é a queima dos combustíveis fósseis que gera micropartículas de uma grande poluição. Esse grande avanço que a ciência, a tecnologia, trouxe para a vida dos humanos, é o que está levando ao mesmo tempo [à destruição], porque nós não nos preocupamos muito com todos os riscos, o que nós deixamos vazar, mas está levando um risco enorme para todas as populações, e é isso. Nós temos que realmente achar as soluções para tornar o nosso planeta sustentável para todas as espécies e para preservar a nossa vida.
Rádio MEC - Eu gostaria de relembrar uma fala do senhor, em 2008, quando disse que um dos maiores desafios para a questão da Amazônia seria encontrar um modelo que fugisse da exploração da soja, madeira e pecuária. E agora retomando também com essa ação, esse termo usado “floresta em pé”, em que o senhor fala sobre o projeto Amazônia 4.0, em que vai agregar o saber ancestral e a tecnologia. Algo mudou em relação aos desafios para a Amazônia?
Carlos Nobre - Sem dúvida, a Amazônia tem a maior biodiversidade do planeta, uma evolução de dezenas e dezenas de milhões de anos. E os indígenas chegaram na Amazônia 12, 14 mil anos atrás, e eles sempre utilizaram o conhecimento muito bem para tudo, para a saúde deles, para alimentação, no transporte, os produtos da biodiversidade. Os indígenas, nesses 12, 14 mil anos, utilizaram e utilizam ainda mais de 2,3 mil produtos da biodiversidade, por exemplo, 250 frutas alimentares, 1.450 plantas medicinais. Eles aprenderam a conviver muito bem com a floresta. Nós não! Nós trouxemos uma outra ideia quando chegamos aqui: os europeus, os portugueses, os espanhóis, chegaram aqui na Amazônia, e chegaram em todo o mundo da América do Sul, não enxergando o potencial que as florestas tinham. A floresta Amazônica tem a maior biodiversidade do planeta. E agora, nós já demonstramos estudos que utilizar os produtos da biodiversidade com a “floresta em pé”, chamados sistemas agroflorestais, que os indígenas começaram a desenvolver há 5, 8 mil anos atrás, tem um potencial muito melhor, emprega um número muito maior de empregados comparados com o pecuária, empregando 20 vezes mais do que pecuária, e também tem uma rentabilidade três a sete vezes maior que a pecuária. Portanto, melhora a vida das pessoas e todos esses produtos da biodiversidade fazem muito bem para a saúde também. Esse modelo mantém a Amazônia floresta em pé, cria sistemas de agrofloresta, e o Amazônia 4.0 é trazer um pouco das modernas tecnologias, que a gente chama bioindustrialização, agregar valor aos produtos da biodiversidade.
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