BRASIL - O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta sexta-feira (29) para que seja ampliado o alcance do foro por prerrogativa de função, o chamado foro privilegiado, de modo a abranger tambĂ©m o julgamento de crimes em tribunais especĂficos mesmo apĂłs o fim da ocupação do cargo pĂșblico.
A ampliação foi proposta por Mendes em resposta a habeas corpus do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA). O parlamentar Ă© suspeito de ter exigido, a servidores de seu gabinete, o depĂłsito de 5% de seus salĂĄrios em contas do partido, prĂĄtica conhecida como ârachadinhaâ.
O crime começou a ser investigado ainda em 2013, quando Marinho era deputado federal. Ele, depois, foi eleito vice-governador do ParĂĄ e, em seguida, senador, cargo que ocupa atualmente. Ao longo desse perĂodo, o processo foi alternado de competĂȘncia, conforme o cargo ocupado. O parlamentar defende que o caso permaneça no Supremo, uma vez que recuperou o foro privilegiado ao ter se elegido para o Congresso novamente.
"O entendimento atual reduz indevidamente o alcance da prerrogativa de foro, distorcendo seus fundamentos e frustrando o atendimento dos fins perseguidos pelo legislador. Mas nĂŁo Ă© sĂł. Ele tambĂ©m Ă© contraproducente, por causar flutuaçÔes de competĂȘncia no decorrer das causas criminais e por trazer instabilidade para o sistema de Justiça", observou o ministro em seu voto.
O caso Ă© julgado no plenĂĄrio virtual, em que os ministros votam sem deliberação presencial. A sessĂŁo de julgamentos começou nos primeiros momentos desta sexta-feira (29) e segue atĂ© 8 de abril. Como relator, Mendes foi o primeiro e Ășnico a votar atĂ© o momento.
"Considerando que a prĂłpria denĂșncia indica que as condutas imputadas ao paciente foram praticadas durante o exercĂcio do mandato e em razĂŁo das suas funçÔes, concedo ordem de habeas corpus para reconhecer a competĂȘncia desta Corte para processar e julgar a ação penal", decidiu o monistro em seu voto.
Pelo voto de Mendes, devem ser competĂȘncia do Supremo tambĂ©m os casos de crimes comuns cometidos antes do mandato e sem relação com o mesmo, e que o foro especial por prerrogativa de função deve ser mantido mesmo apĂłs o fim do exercĂcio das funçÔes pĂșblicas.
"A subsistĂȘncia do foro especial, apĂłs a cessação das funçÔes, tambĂ©m se justifica pelo enfoque da preservação da capacidade de decisĂŁo do titular das funçÔes pĂșblicas. Se o propĂłsito da prerrogativa Ă© garantir a tranquilidade necessĂĄria para que o agente possa agir com brio e destemor, e tomar decisĂ”es, por vezes, impopulares, nĂŁo convĂ©m que, ao se desligar do cargo, as açÔes penais contra ele passem a tramitar no ĂłrgĂŁo singular da Justiça local, e nĂŁo mais no colegiado que, segundo o legislador, reĂșne mais condiçÔes de resistir a pressĂ”es indevidas", argumentou.
A proposta contida no voto de Mendes altera os contornos da prerrogativa de foro que foram definidos pelo Supremo em 2018, quando os ministros restringiram o alcance do instituto para cobrir apenas os crimes cometidos durante o mandato e em razĂŁo dele. Na Ă©poca, a restrição ocorreu por meio de uma questĂŁo de ordem levantada em ação penal pelo atual presidente do Supremo, ministro LuĂs Roberto Barroso.
Com isso, apĂłs o fim de um mandato, por exemplo, um processo penal que nĂŁo tivesse relação com o exercĂco da função era automaticamente remetido a instĂąncias inferiores.
Motivação
A anĂĄlise do Supremo sobre o tema coincide tambĂ©m com a prisĂŁo do deputado Chiquinho BrazĂŁo (sem partido-RJ), apontado pela PolĂcia Federal (PF) como um dos mentores do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
BrazĂŁo foi preso no Ășltimo domingo (25), por ordem de Moraes. A prisĂŁo foi referendada pelo plenĂĄrio do Supremo no dia seguinte, por unanimidade. Entretanto, na Ă©poca do crime, em 2018, BrazĂŁo era vereador do Rio de Janeiro. As motivaçÔes apontadas - a disputa fundiĂĄria em zonas controladas por milĂcias - tambĂ©m nĂŁo tĂȘm relação com o mandato federal do parlamentar, exercido desde 2019 na CĂąmara dos Deputados.
Somente por Brazão ser deputado federal é que o caso Marielle chegou ao Supremo, onde aparenta ter ganhado tração.
O entendimento atual do STF jĂĄ define que qualquer conduta de um parlamentar federal, mesmo se cometida antes do mandato, deve automaticamente tramitar na corte a partir da posse ou diplomação no cargo. Na mesma investigação do caso Marielle, o Supremo decidiu pela prisĂŁo de Domingos BrazĂŁo, irmĂŁo de Chiquinho, que Ă© conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), bem como do delegado Rivaldo Barbosa, da PolĂcia Civil do Rio de Janeiro.
Pela Constituição, o STF possui a competĂȘncia para julgar casos envolvendo o presidente da RepĂșblica e vice, bem como ministros de Estado, parlamentares federais, embaixadores e membros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas da UniĂŁo (TCU).
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