RIO DE JANEIRO - A doença falciforme deixou de ser tratada como uma enfermidade rara, nos últimos dez anos. Exames para identificá-la foram incluídos no teste do pezinho e o tratamento passou a contar com remédios gratuitos. Porém, às vésperas do Dia de Mobilização Nacional Pró-Saúde da População Negra, comemorado em 27 de outubro, especialistas avaliam que a prestação de um bom atendimento a pacientes em crise, nos serviços de emergência, ainda é um desafio. Durante as crises, pessoas com a doença falciforme sentem fortes dores pelo corpo - um dos principais sintomas da enfermidade que atinge, principalmente, pessoas negras.
Originária da África, a doença falciforme é uma mutação genética, que espalhou-se pelo mundo com o deslocamento forçado da população negra escravizada. É caracterizada por alterações no formato da hemoglobina, que dificulta o fluxo de oxigênio no corpo e pode levar à morte. Com alta prevalência entre os negros*, que são 52% da população no Brasil, os estados da Bahia e do Rio de Janeiro lideram o ranking de casos, com 1 paciente para cada 650 pessoas e 1 para cada 1,3 mil, respectivamente, segundo o Ministério da Saúde. O país tem cerca de 40 mil casos da doença cadastrados.
De acordo com a coordenadora-geral da Federação Nacional das Associações de Pessoas com Doença Falciforme (Fenafal), Maria Zenó Soares da Silva, a inclusão do exame para detecção da doença no teste do pezinho, feito em recém-nascidos, foi um marco no enfrentamento da enfermidade. Hoje, pacientes são acompanhados por hemocentros e recebem medicamentos. O problema, avalia ela, é o atendimento durante as crises de dor, por hospitais comuns da rede de saúde.
“A crise de dor é o maior sofrimento para as pessoas com a doença falciforme. (As dores) Vêm de um hora para outra, mas o atendimento nos serviços de urgência e emergência é demorado, é lento. Esse é o maior problema para o paciente com a falciforme”, avaliou. Segundo a coordenadora, mais de 90% dos pacientes com a doença que procuram o hospital estão em crise. Os demais vão para se tratar de infecções, que é maior causa de morte dos doentes.
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O racismo nas instituições de saúde, que se traduz em consultas de baixa qualidade e mais tempo de espera, por exemplo, se soma a dificuldades no atendimento de pacientes em crise, avalia a conselheira do Conselho Nacional de Saúde Simone Cruz, que representa a organização Articulação de Mulheres Negras Brasileira (AMNB). “A pessoa chega [na unidade] dizendo que tem a doença falciforme e não é tratada como um caso de extremo sofrimento”, disse. Para ela, esse é um aspecto do racismo no sistema, que discrimina pessoas negras.
Outro problema, segundo Simone, é o próprio diagnóstico que, em alguns casos, pode ser tardio e prejudica, prioritariamente, pessoas com poucos recursos. “A pessoa chega no hospital e diz que está com dor, só que dor não tem aparelho para medir, então, essa intensidade não é considerada. Quando a pessoa não sabe que está com a doença, é pior ainda”, avaliou. De acordo com Simone, a doença falciforme será tema de discussão da reunião do conselho de saúde em novembro, mês em que se comemora o Dia da Consciência Negra (20).
O Ministério da Saúde tem capacitado profissionais da rede pública para acabar com práticas racistas nas instituições de saúde e tratar a doença. Com a ausência de hematologistas em todas as cidade, a estratégia foi capacitar equipes do país inteiro, explicou a coordenadora do Programa Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme, Joice Aragão. “São médicos clínicos e pediatras que fazem o acompanhamento, vinculados ou não a hemocentros”, frisou.
A estratégia brasileira, reconhecida internacionalmente, tem ampliado a cobertura e a qualidade de vida dos pacientes. Para compartilhar essa experiência, o país sedia, entre 11 e 14 de novembro, no Rio de Janeiro, a 2ª Conferência da Rede Global sobre Doença Falciforme (GSCDN, na sigla em inglês). O evento é referência e vai reunir pesquisadores, profissionais da área e a sociedade civil.
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