RECIFE - A idéia de que a dengue é uma doença preocupante apenas a partir da segunda infecção pode cair por terra. Pesquisadores de Recife descobriram que metade dos pacientes que apresentaram dengue hemorrágica entre 2004 e 2005 adquiriram a variante mais grave da moléstia já na primeira infecção. O estudo lança a suspeita de que o vírus da doença possa estar se tornando mais virulento.
Médicos e epidemiologistas normalmente trabalham com a idéia de que a dengue hemorrágica só tem chance de aparecer após a segunda infecção, porque os anticorpos que lutaram contra a doença da primeira vez acabam potencializando a ação do vírus na segunda.
Os sintomas mais graves, que podem inclusive levar à morte, até podem ocorrer na primeira infecção, mas só em pacientes com condições genéticas raras ou se, por algum motivo, a pessoa infectada está com o sistema imunológico debilitado. Mesmo assim, são poucos os casos. Mais de 90%, de acordo com a literatura científica, ocorre após a segunda infecção.
O estudo feito no Recife considerou uma amostragem de 211 pacientes -recrutados em três hospitais da cidade- que tiveram dengue entre 2004 a 2005. Destes, 30 apresentaram dengue hemorrágica, sendo 16 em primeira infecção. Ou seja, 53% dos casos. A partir desse recorte, a equipe estimou os resultados para toda a população da cidade. Os dados estarão no "American Journal of Tropical Medicine and Hygiene".
"É possível que a explicação para isso seja uma maior patogenicidade do vírus, mas pode ser também que a população daqui tenha alguma característica genética que possibilite isso. De qualquer modo, precisamos de mais estudos não só aqui como em outras regiões do país", afirma Carlos Brito, pesquisador do Departamento de Virologia da unidade da Fiocruz no Recife que liderou a pesquisa.
Brito lembra que um outro levantamento feito no Rio, em 2002, já mostrou resultados semelhantes. Realizado com pessoas que morreram por dengue hemorrágica, o estudo indicou que 52% delas tinham apresentado a variante durante a primeira infecção.
Mudança de parâmetros
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Para o médico, se a suspeita gerada por seu estudo for confirmada, ela pode mudar toda a forma de lidar com a doença. "Hoje raciocinamos a dengue por conta da resposta imune que ela causa na segunda infecção. Se o vírus realmente estiver causando sintomas mais severos logo na primeira infecção, teremos de reavaliar os mecanismos dos vírus", diz.
Isso aumenta, inclusive, a necessidade de identificar mais rapidamente que o paciente pode ter a dengue hemorrágica. Nos primeiros dias de infecção, os sintomas das duas variantes da dengue são bastante similares. Quando eles se diferenciam, lá pelo quinto dia, o paciente já está debilitado, e aumenta o risco de morte.
O virologista Paulo Zanotto, da Rede de Diversidade Genética de Vírus, também concorda que existe a possibilidade de o patógeno da dengue estar se tornando mais agressivo.
Ele não participou do estudo da Fiocruz, mas vem avaliando há evolução da dengue há alguns anos. "Ao pensarmos em um cenário em que há uma competição entre as linhagens do vírus, como é o que vemos hoje, é plausível, sim, que eles se tornem mais virulentos. Os dados de Recife pedem atenção", afirma Zanotto.
Mas ele pondera que para confirmar é preciso analisar a evolução do vírus, de modo a mapear a expansão da doença e identificar exatamente quem está por trás disso.
A equipe de Zanotto desenvolveu uma tecnologia que poderia ajudar a responder essa pergunta. A metodologia, em fase piloto, está sendo testada em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, e promete o monitoramento da epidemia em tempo real.
Com informações da Folha Online.
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