SÃO PAULO - O ex-seminarista Gil Grego Rugai, de 21 anos, acusado do assassinato do pai, o publicitário Luiz Carlos Rugai, de 40, e da madrasta, Alessandra de Fátima Troitiño, de 33, nega ter cometido o crime, mas diz que quem mata deve ser perdoado. "As pessoas que matam merecem perdão, merecem tratamento psicológico."
Ele declara ainda que a reviravolta em sua vida após os assassinatos é obra do demônio. "Ele só quer testar a minha fé em Deus, como fez com Jó", disse em entrevista exclusiva ao Diário de São Paulo, na última quinta-feira, no Centro de Detenção Provisória 2 do Belém e que chegou este domingo às bancas.
O assassinato do casal aconteceu em 28 de março, na mansão da Rua Atibaia, 383, Pacaembu, Zona Oeste. Gil está preso desde 6 de abril. Na cadeia, o rapaz, de pouco mais de 1m60, tímido e muito inteligente, aparenta tranqüilidade.
Para preencher o tempo, está construindo uma réplica em miniatura de um avião de caça. Seu professor é Daniel Cravinhos, assassino confesso do casal Manfred e Marizia von Richthofen, pais de sua namorada, Suzane. Ele também fez amizade com o cantor Sander, da extinta banda Twister, preso por tráfico.
DIÁRIO - Você está na cadeia acusado de matar seu pai e sua madrasta. Como os presos o receberam?
Gil Grego Rugai - No 77º DP (Santa Cecília) a recepção não foi muito boa. A imprensa falou algumas coisas ruins de mim e, na primeira noite, eles gritavam que iam me pegar. Eu estava na cela do seguro (para presos ameaçados de morte) com outros dois detentos. Mas três dias depois a situação se normalizou. No CDP, a situação não foi muito confortável, porque você sai de uma viatura escura, diante de imensos portões se abrindo, e vê vários guardas. Cheguei entre 10 e 11 horas da noite. Fui para a inclusão, uma cela grande que tinha só um colchão e lençol. Todos os funcionários de plantão foram me ver, por curiosidade.No começo, perguntavam o que eu havia feito, mas depois foram se acostumando comigo.
Como foi seu encontro com os presos do CDP?
No começo eles me acusaram e perguntaram por que eu havia matado papai. Não queriam saber se eu havia cometido o crime ou não. Mas depois me deram uma chance de defesa e, quando comecei a explicar, perceberam que não era tudo aquilo que a promotora falava. Uma semana depois já me tratavam bem.
Como tem sido a sua vida na cadeia?
Estou em uma cela com outras quatro pessoas. É confortável, mas só tem três camas. Eu, por enquanto, ainda durmo nochão. Na praia, como eles chamam. Mas tenho colchão bem grosso, com edredom e cobertor, e não passo frio. Lá tambémtem chuveiro de água quente e televisão, que quase sempre está desligada.
Como você passa o tempo?
Acordo, tomo banho e o café da manhã, pães e leite quente. Depois vou para as aulas de manual, onde fazemos trabalhos com madeira. Fico lá até o final da tarde. Estou construindo um avião. É uma réplica de um caça inglês. Já havia feito alguma coisa quando era pequeno. Aqui, aprendi com o Daniel Cravinhos. Ele é o chefe do grupo de manual e ensina as pessoas. Isso ajuda a passar o tempo. À noite leio muito.
Você fez amizades?
Tem alguns presos com quem converso mais e com outros jogo xadrez. Um deles é o Sander Mecca, do grupo Twister. Gosto de escrever coisas com ele. Às vezes, ele faz sarau de música. Ele descobriu que gosto de Chico Buarque e canta músicas para mim. A que mais gosto é "Construção".
Como foi a sua infância?
Mamãe e papai ainda eram casados quando nasci. Depois de uns 4 anos eles se separaram, mas não me lembro como foi. Cresci com a mamãe e o meu irmão Léo. Aos 14 anos fui morar com o meu pai, porque achava que estava muito afastado dele. Papai trabalhava muito e não tinha tanto tempo para se dedicar aos filhos.
Antes disso, vocês não se viam muito?
Eu o via a cada 15 dias. Aquelas regras normais de pais separados...Aí, depois que fui morar com ele, me afastei um pouco da mamãe. Acho que sempre fui mais íntimo dela.
Como surgiu essa idéia de você ser padre?
Digamos que minha família nunca foi muito religiosa... Nem papai e nem mamãe. Quando tinha 12 anos conheci o padre José Augusto, da Igreja São Geraldo. Ele me convidou para ser coroinha e eu fui gostando cada vez mais. Naquela época fui passar um tempo com a minha avó, no Sumaré. Então comecei a ajudar no Santuário de Fátima e conheci o frei Ives. Fiquei ligado ao grupo até bem pouco tempo atrás.
Como a sua família lidava com a sua religiosidade?
A única pessoa que incentivava era a vovó Odete. Papai sempre foi contra. Ele era contra a Igreja Católica e falava que ela é uma fonte de manipulação das massas. Ele só acreditava em Deus. Achava que quando estava na natureza ou em uma praia deserta, estava em comunhão com Deus. Aí fizemos uma espécie de acordo. Ele falou para eu me formar em Direito primeiro e depois tentar fazer outra coisa.
Você aceitou?
Eu comecei a fazer Direito na Faap. Mas só fiquei uma semana. Pensei que, se esperasse, nunca me formaria em teologia. Então cancelei a matrícula e entrei no seminário. Papai ficou bravo, mas depois deixou, com a condição de que eu trabalhasse na produtora Referência Filmes e desse conta de todas as minhas obrigações.
Como era o seu relacionamento com a Alessandra?
No começo éramos bem amigos. A Alessandra sempre gostou que a chamássemos de Lelê. Nós íamos ao cinema, íamosjantar... Como papai sempre trabalhou muito, então saía mais com ela que com ele. Nos fins de semana meu irmão ficava junto. Uma vez fomos viajar só nós três para Atibaia.
E depois o que mudou?
Fomos nos afastando um pouco e já não íamos tanto ao cinema. Convivíamos harmonicamente, mas não éramos mais tão amigos assim. Fui me apegando mais ao papai e ao trabalho e ficando mais sério.
Por que você começou a assumir responsabilidade cedo?
Papai sempre fez questão que trabalhássemos, porque tinha medo que eu e meu irmão ficássemos mimados.
Você se sentia mimado?
Em alguns aspectos sim. Papai mimava mais. A mamãe sempre foi mais brava. Fazia a gente comer ervilha, jiló...
Qual foi o momento mais feliz ao lado de seu pai?
Gostava muito de passear com ele de barco. Me lembro que todas as segundas-feiras eu perdia aula por causa disso. De-pois ele parou de ir para o mar e começou a andar de moto. Aí eu já não o acompanhava porque não gosto de velocidade.
Qual foi o momento mais triste desse relacionamento?
Na verdade, só comecei a sentir mais falta de papai quando tudo isso aconteceu. Nunca consegui me estruturar sozinho. Sempre me apoiava nele.
Você matou seu pai?
Não matei papai nem Lelê.
Você roubou o seu pai?
As pessoas que falam isso não têm muita experiência administrativa. Em todas as empresas que conheço, os empresários trabalham com uma parte declarada e outra não oficial. O que não era oficial era feito em dinheiro e depositado na conta de papai. Expliquei isso ao delegado e à promotora.
Você falsificou a assinatura de seu pai em três cheques?
Não. Só copiava, mas com a autorização dele. Há três anos fazia isso. Desde que assumi o departamento financeiro.
Você tinha alguma arma?
Nunca tive arma de verdade. Só de brinquedo. O Rudi falou isso porque foi pressionado para dizer o que a polícia queria.Por isso ele desmentiu depois.
Por que você acha que o estão acusando do crime?
Uma parte por causa do caso dos Richthofen, que as pessoas costumavam vincular assassinato de pais aos filhos. Depoispelo meu jeito de ser.
O que você espera da vida?
Que a greve do Judiciário termine logo para que o STF possa julgar meu novo pedido de hábeas-corpus.
Como você pretende provar sua inocência?
Na verdade, eles não têm nenhuma prova contra mim. A única coisa que têm realmente é o depoimento do vigia, que jáestá na quinta versão. Ele falou que viu meu suspensório embaixo do sobretudo. Acho que foi pressionado.
Você está revoltado?
Perdi meu pai e perdi tudo. Mas estou tranqüilo. É como na história de Jó. O demônio lhe tirou tudo para testar sua féem Deus. Quando as provações passaram, Deus devolveu tudo em dobro porque a fé ficou.
Você tem planos para quando sair da prisão?
Quero ser padre.
O que você acha das pessoas que matam os pais?
As pessoas que matam merecem perdão, merecem tratamento psicológico. Elas deveriam ser reeducadas e não enxotadas em uma cadeia, porque matar não é fato normal.
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