Comissão da Câmara não descarta sabotagem em Alcântara

A informação é do diretor do CTA, brigadeiro Tiago da Silva Ribeiro.

Agência Câmara

Atualizada em 27/03/2022 às 15h14

BRASÍLIA - A possibilidade de sabotagem no acidente envolvendo o lançamento do foguete auxiliar VLS-1 V3 na Base de Alcântara nunca foi descartada pela comissão de investigação do Centro Técnico Aeroespacial (CTA). Mas a causa do desastre – ocorrido em 22 de agosto, provocando a morte de 21 técnicos que trabalhavam no projeto – ainda não foi descoberta. A informação é do diretor do CTA, major-brigadeiro Tiago da Silva Ribeiro, que participou nesta quinta de audiência pública na Comissão Externa da Base de Alcântara.

O major-brigadeiro informou que já houve algumas conclusões na fase inicial das investigações, como a constatação de que o acionamento de um dos motores foi provocado por corrente elétrica que não veio da linha de fogo do motor. A causa da corrente elétrica, no entanto, ainda não foi identificada.

Ele explicou que, por uma questão de segurança, cada motor tem dois dispositivos pirotécnicos que fazem seu acionamento; desses dois, apenas um funcionou. Tiago Ribeiro informou ainda que, na atual fase das apurações, estão sendo realizadas simulações para saber como a corrente elétrica chegou ao ignitor. As simulações realizadas na véspera do acidente, segundo ele, foram muito bem sucedidas e as equipes tinham total segurança do trabalho.

De acordo com o major-brigadeiro, foram instaurados dois procedimentos de apuração. O primeiro é um inquérito policial militar que apura o prejuízo ao patrimônio público e a perda de vidas, e que conta com a colaboração da Polícia Federal; e o outro é promovido por uma comissão de investigação com especialistas de diversas áreas, inclusive seis russos que estiveram no Brasil por dez dias. Os especialistas envolvidos nas investigações, segundo Ribeiro, já disseram que o programa é adequado, necessitando apenas de melhoria nos sistemas de segurança e monitoramento de procedimentos.

Tiago Ribeiro destacou ainda a assinatura de uma portaria, que deverá ser publicada amanhã, garantindo as pensões aos familiares das vítimas do acidente. Ele lembrou que todo o suporte relativo aos velórios e enterros foi assegurado às famílias.

O presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Federais na Área de Ciência e Tecnologia do Vale do Paraíba (SINDCT), Francisco Rimolli Conde, que também participou da audiência, defendeu o aperfeiçoamento das áreas de segurança, gerenciamento e condições de trabalho na Base de Alcântara.

Rimolli alertou para o elevado número de pessoas que se encontravam na torre, contrariando os procedimentos de segurança. Além disso, segundo o sindicalista, há informações de que a torre não estava perfeitamente dotada de mecanismos de segurança; e de que haveria problemas de terceirização de atividades-fim.

Ele alertou ainda que o setor de Segurança e Medicina do CTA freqüentemente rejeita pedidos de periculosidade: "Os profissionais do setor deveriam explicar, por exemplo, porque pouco antes do acidente rejeitaram um pedido de periculosidade de um servidor que acabou falecendo”.

O major-brigadeiro garantiu que o pagamento de adicionais de periculosidade e insalubridade estão seguindo a lei. Ele disse que 17 dos profissionais mortos ganhavam adicional de periculosidade. Os quatro que não o ganhavam realizavam trabalhos temporários com propelentes, e a lei prevê pagamento apenas para os que desenvolvem trabalhos contínuos. "O CTA não pode agir diferentemente disso. Talvez seja o caso de ajustar a legislação", disse.

Francisco Rimolli apontou a necessidade de uma reflexão sobre a natureza da gestão militar do CTA. A alta patente de seu diretor (major-brigadeiro) mostra, em sua opinião, a importância que a Aeronáutica dá ao programa aeroespacial. Ele lembra, no entanto, que os militares se baseiam em dois princípios: hierarquia e soberania.

Em decorrência do princípio da hierarquia, segundo o sindicalista, a cadeia de comando (à exceção do reitor do ITA) é toda ocupada por militares. “É preciso haver uma reflexão sobre isso” afirmou. “É inegável a importância que a Aeronáutica teve para o sucesso do programa, mas ele assumiu uma importância que indica a necessidade de reestruturação”.

Em resposta, o major-brigadeiro Tiago Ribeiro informou que 2.500 civis e 1.400 militares trabalham no CTA. Os civis, segundo ele, são pessoas com elevada formação, sendo muitos doutores, e vários são chefes de divisão. Há 17 doutores militares e 34 mestres, basicamente envolvidos com outros programas desenvolvidos pelo CTA. "O programa espacial está todo na mão dos civis", ressaltou.

Durante a reunião, a deputada Ângela Guadagnin (PT-SP) defendeu que a comissão externa, além de investigar o que ocorreu no acidente, discuta a valorização dos técnicos e dos cientistas que trabalham no programa. "Não é possível deixar passar em branco que alguns deles ganhavam R$ 1.500. O programa não pode ficar vivendo de migalhas", afirmou.

A deputada Terezinha Fernandes (PT-MA) questionou o major-brigadeiro sobre as razões que levaram a comissão de investigação a descartar as hipóteses do acionamento do motor ter sido provocado por calor ou atrito. Ela acredita que há interesses para que o programa aeroespacial brasileiro não dê certo.

Segundo a parlamentar, os jornais maranhenses noticiaram a existência de estrangeiros em São Luís uma semana antes do acidente. “Isso é verídico ou é especulação da imprensa?”, questionou. Terezinha Fernandes manifestou preocupação com o adiamento do lançamento do foguete no início deste ano, a eficiência dos sistemas de segurança da torre de lançamento e a terceirização de funções técnicas no CTA.

A deputada também solicitou informações sobre o processo de indenização das famílias que tiveram suas casas desapropriadas quando da instalação da Base de Alcântara.

O deputado Washington Luís (PT-MA) criticou o baixo investimento no programa aeroespacial brasileiro, mesmo se comparado a países com o mesmo desenvolvimento tecnológico. “No ano passado o Brasil investiu 15 milhões de dólares, enquanto a Índia investiu 453 milhões de dólares”, informou.

Ao responder à crítica, o major-brigadeiro concordou que quanto mais recursos houver, mais rapidamente o País sairá da situação de dependência no setor. “A Índia entrou no programa espacial na mesma época que o Brasil (década de 60). Se investíssemos metade do que eles investem, estaríamos em situação mais avançada, pois os técnicos brasileiros são muito criativos.”

Quanto aos procedimentos de segurança na torre mencionados pelo diretor do sindicato e questionados pela deputada Terezinha Fernandes, o major-brigadeiro explicou que a torre tem um sistema de escape por escadas para uma saída menor. Em uma situação como a do acidente de agosto, contudo, ele disse que não existe nenhuma torre no mundo com sistema de segurança capaz de atender tal emergência.

Nenhum técnico, segundo o major-brigadeiro, conseguiu sequer chegar à escada. Houve um deles que, no momento do acidente, estava a cinco metros da torre, e mesmo assim foi totalmente carbonizado. Ele ainda explicou que o acesso à torre é controlado, e o ingresso só é permitido com o uso de equipamentos de segurança adequados.

Tiago Ribeiro informou que os procedimentos de segurança serão revistos, mas não em razão da morte das 21 pessoas, uma vez que elas estavam dentro do esquema de segurança existente. Ele explicou que normalmente os acidentes aeronáuticos estão ligados a causas humanas, mas o da Base de Alcântara aponta para uma causa material.

Ainda segundo o major-brigadeiro, os componentes dos equipamentos utilizados são comprados da Índia, França, Inglaterra, Rússia e Estados Unidos, entre outros países. “Não há possibilidade de utilização de equipamento inadequado ou sabotado porque eles são totalmente analisados por técnicos brasileiros”, garantiu.

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