BRASÍLIA - Quatorze anos depois do assassinato de Chico Mendes, suas propostas para a preservação da natureza finalmente serão implementadas. A tarefa caberá à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (PT), que por ele entrou para a política, abraçou a luta da floresta até tornar-se um dos nomes mais respeitados no mundo quando o assunto é meio ambiente. Não é por menos que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a indicou para a pasta quando estava em viagem aos Estados Unidos. Filha de uma das inúmeras famílias de nordestinos que migraram para o Acre em busca de emprego, Marina mostrou desde cedo que é possível reverter quadros desfavoráveis.
Com a morte da mãe, aos 15 anos, ela assumiu a chefia da casa e a criação dos irmãos mais novos. Trabalhou como empregada doméstica, se alfabetizou aos 18 anos, cursou faculdade de história e elegeu-se a senadora mais jovem do País e a mais votada do Estado. Marina também acrescenta a seu currículo outra vitória: hoje está 80% curada de uma contaminação por metais pesados, provavelmente contraída nos tratamentos contra a malária quando ainda vivia no seringal. A doença provoca prejuízos neurológicos e atinge vários órgãos.
Seu objetivo agora é dar maior destaque a um ministério que teve papel de coadjuvante no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Para a Região Nordeste, ela promete se empenhar em dois assuntos: a recuperação do Rio São Francisco e a preservação da Caatinga. Sobre a transposição do Velho Chico, entretanto, ela prefere manter cautela. "Preciso me assenhorar melhor do assunto", explica. A seguir a íntegra da entrevista concedida à Agência Nordeste.
Agência Nordeste - A senhora teve uma vida de muitas dificuldades. Só foi
alfabetizada quando tinha 18 anos. Quando sentiu necessidade de se engajar na política?
Marina Silva - Meu pai deixou o Ceará em direção ao Acre quando tinha 18
anos. Ele era seringueiro e enfrentou, ao lado dos índios, uma luta muito
grande contra os seringalistas (donos dos seringais). Era uma relação muito
violenta, motivada pela disputa por terras. No decorrer da luta, a partir das
décadas de 70, 80, foi havendo uma organização muito forte dos seringueiros contra a devastação dos seringais no Acre e dos índios pela demarcação das terras. Eu era muito jovem e já havia entrado nesta luta ao lado do Chico Mendes. Minha proximidade com os índios era muito forte.
AN - Sua história política então se deve ao seu pai e ao Chico Mendes?
Marina - Através dele (Chico Mendes) que comecei a me interessar pela luta
social, mesmo ainda jovem. Nasci no interior de Rio Branco, num seringal
chamado Bagaço. Fiquei lá até os 17 anos. Foi nesta idade que conheci o
Chico, num curso da comissão Pastoral da Terra. A partir de então, comecei a me interessar pela teologia da libertação. O Chico já era ligado às comunidades de base, ao movimento sindical, à Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), à criação do sindicato
dos trabalhadores rurais de Brasiléia e Xapuri. Depois me envolvi com as
comunidades de base, na periferia no bairro em que morava. Quando entrei na universidade atuei no movimento estudantil.
AN - O fato de a senhora ser uma figura muito expressiva da Amazônia não
pode acabar limitando o seu trabalho à frente do ministério a questões
relativas à floresta?
Marina - O fato de ser da Amazônia não significa que farei um ministério da
Amazônia. É inegável, pelo que ela significa, não só do ponto de vista de
nossos interesses estratégicos, mas de tudo o que ela evoca em termos do
equilíbrio global e em termos de simbologia também, que a Amazônia terá uma atenção especial, mas as questões ligadas aos grandes assentamentos urbanos também será tratada de forma prioritária. Todos são problemas gravíssimos, envolvendo questões de poluição atmosférica, de abastecimento de água, de assentamentos inadequados, o que pode ser minimizado, espero, com a criação do Ministério das Cidades.
AN - De que forma o ministério das Cidades pode trabalhar em conjunto com o do Meio Ambiente?
Marina - São coisas integradas. Na Amazônia, por exemplo, temos 75% da
população vivendo em Manaus. No caso do Acre, 53% da população vive em Rio Branco. São gravíssimos problemas do ponto de vista do saneamento, do ponto de vista da política de habitação, de geração de empregos, um conjunto de problemas que não podem ser vistos apenas do lado ambiental, mas do lado sócio-ambiental com o qual trabalhamos. Na verdade precisamos ter uma política ambiental que dimensione, de acordo com as várias realidades, quais são as estratégias de política ambiental que devam ser implementadas.
AN - Em relação à Amazônia especificamente, quais são os pontos que
identifica como prioridades a serem atacadas no Ministério do Meio Ambiente?
Marina - Temos vários problemas. A necessidade de se promover o
desenvolvimento sustentado na região, de combater a exploração irregular de madeira, de se pensar a agropecuária expansiva. O que tenho dito é que esses desafios são grandes, mas precisamos inverter um pouco o paradigma. Ao invés de ficarmos dizendo não pode fazer pecuária extensiva, não pode retirar madeira de forma irregular, vamos criar os instrumentos corretos da forma de fazer. Então, ao invés de extensiva, intensiva? Então quais são os instrumentos? Ao invés de exploração predatória de madeira, quais são os instrumentos necessários? Será fazer o zoneamento ecológico econômico, será fazer manejo florestal, ter condições de fiscalizar, controlar para ver o que está sendo feito de acordo com o licenciamento? É ao invés de vender a madeira semi-processada, é você processar a madeira na própria região, fazendo móveis, agregando valor, gerando emprego e receita? Então, ao invés de dizer não pode, temos que criar o “como pode”.
AN - De forma geral como avalia a política de meio ambiente implementada
pelo governo Fernando Henrique?
Marina - Diria que um dos grandes problemas foi a falta de uma política
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integrada, que perpassasse vários setores do governo. O Ministério do Meio
Ambiente, tenho que ser justa, teve esforço do ministro Sarney (José Sarney
Filho), do ministro José Carlos, um esforço de pessoas, mas ficou isolado,
sem diálogo, sem apoio financeiro, sem força política. Para fora quem fazia
a política ambiental era o Itamaraty, para dentro a Casa Civil, e o Ministério do meio Ambiente corria atrás do prejuízo.
AN - Quais são os ministérios com os quais o do Meio Ambiente deverá atuar
de forma mais integrada?
Marina - É preciso que se tenha como decisão de Governo que a problemática ambiental não será tratada de forma restrita ao Ministério ou a alguns ministérios. Ela tem que dialogar com todos os setores do governo. O
ministério do Planejamento, quando vai planejar as suas ações, tem que
comportar a variável ambiental. Quando se vai alocar os recursos tem que
comportar a variável ambiental. Quando vai pensar a reforma agrária tem que incorporar o critério da sustentabilidade, até porque senão esses
investimentos vão numa linha de tempo que se perde.
AN - O Ibama tem problemas sérios com o quadro de fiscalização, que é muito pequeno. Como irá lidar com isso, considerando que há limitação de recursos?
Marina - A falta de fiscais é sentida e constitui-se problema grave. Tivemos
um concurso que foi realizado recentemente, acrescendo mais 600 pessoas ao quadro do Ibama, isso dará ajuda. Todavia não podemos ter uma concepção de que se resolvem os problemas ambientais apenas sob essa concepção de comando, de controle, no sentido tradicional. Se não tivermos uma parceria com a sociedade, com os Estados e municípios, não tem como fazer frente a tudo isso. Até porque não há como colocar um fiscal do Ibama ao lado de cada situação. É necessário também uma política de educação ambiental que possa enfatizar valores.
AN - Em relação à questão da água, que é um dos grandes problemas que o País enfrenta, inclusive com riscos de apagão no ano que vem, quais serão as políticas adotadas?
Marina - Temos que trabalhar para degradar o mínimo e recuperar o máximo. Isso é o que posso dizer em linhas gerais. É claro que em termos de política energética, além dos problemas ambientais causados pelo homem, temos as conseqüências que não dependem de nossa vontade, que é problema de escassez de chuvas, que tem muito a ver com o reflorestamento.
AN - Tratando de água, qual é a posição da senhora em relação à transposição do Rio São Francisco?
Marina - A única coisa que tenho como consenso que posso falar sobre o São
Francisco é de que precisamos revitalizar o rio. Esse é um investimento que
não cria nenhuma polêmica. Com relação à transposição tem que se analisar as várias propostas que existem, considerando os vários interesses em termos do que poderia atender melhor às necessidades de abastecimento de água. Ainda não me assenhorei dessa problemática. Agora no que concerne às políticas voltadas para a revitalização, com certeza se constituirá em prioridade que não irá despertar grande polêmica, inclusive na Bahia e demais estados do Nordeste.
AN - Um outro problema para o Nordeste é a preservação da Caatinga. Estudos mostram que ele está ameaçada de extinção por causa da desertificação. Que políticas podem ser adotadas para preservar este tipo de vegetação?
Marina - Ainda estou num processo de conhecer alguns problemas melhor. Mas de acordo com as necessidades teremos que ter políticas específicas voltadas tanto para o ponto de vista da preservação, quanto da recuperação do que já foi degradado.
AN - Quatorze anos após a morte de Chico Mendes, em que o País avançou e o que ainda falta percorrer em linhas gerais na questão ambiental?
Marina - Quem poderia imaginar que 14 anos depois da morte de Chico Mendes, o Acre teria um Governo que implementaria suas idéias, uma senadora que seria eleita defendendo essas idéias, que o Governo seria reeleito no Acre. Se a idéia de matar o Chico Mendes era no sentido de suplantar o ideal dele, acho que o que ficou provado é que quando temos um ideal legítimo e que tem apelo de realidade, alinhamento ético com os propósitos mais profundos de preservação da vida, você pode até eliminar quem sonhou esse sonho, mas não elimina o sonho.
AN - A senhora já colocou sua posição contrária em relação aos transgênicos. Não teme que os cientistas deixem o País pela impossibilidade de fazer essas experiências?
Marina - Isso não irá acontecer porque a pesquisa poderá continuar a ser
feita. Não haverá déficit. Agora, não temos uma posição ideológica em
relação aos transgênicos, mas posição de cautela, pois se houver danos à
saúde e ao meio ambiente, eles poderão ser reversíveis. Como a ciência
caminha muito rápido, quem sabe esta posição não muda?
AN - A senhora teme um desabastecimento de grãos no País?
Marina - Com relação ao abastecimento de grãos, o milho da Argentina não é todo transgênico. Há cerca de 400 mil toneladas de milhos não transgênicos. Poderemos também, já que a China está interessada em nossa soja, adquirir o milho não transgênico da China. Então não se pode criar uma situação segundo a qual ou é transgênico ou é o caos. Temos que adotar o princípio da preocupação para não termos danos ambientais e de saúde irreversíveis.
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